Pareceres do CRLisboa

Parecer Nº 5/2011

Consulta nº 5/2011


Questão


A Senhora Advogada, Dra. A, titular da cédula profissional n.º , veio solicitar ao Conselho Distrital de Lisboa a emissão de parecer sobre uma situação de eventual conflito de interesses.


O enquadramento factual, tal como exposto pela Senhora Advogada Consulente, é o seguinte:

a. A Senhora Advogada Consulente foi mandatária de um grupo de empresas durante cerca de seis anos. 

b. Nesse âmbito, em 2006, a Senhora Advogada Consulente patrocinou uma das sociedades do grupo (que então assumia a qualidade de exequente), numa acção executiva.

c. Entretanto, a Senhora Advogada Consulente veio a substabelecer os poderes forenses que lhe foram conferidos pela cliente nesse processo executivo a favor de um outro Colega. 

d. Desde Agosto de 2010, que terminou o seu contrato com o mencionado grupo de empresas, altura em que substabeleceu todos os processos noutros Colegas. 

e. Sucede que a Senhora Advogada Consulente foi agora contactada por uma sociedade para interpor uma acção de insolvência.

f. A acção de insolvência a instaurar será precisamente contra a sociedade que, em 2006, a Senhora Advogada requerente havia patrocinado no âmbito duma acção executiva, conforme referido no ponto b. supra. 


Considerando o quadro fáctico traçado pela Senhora Advogada requerente, que, diga-se, supra, precisamente, reproduzimos, vem a Senhora Advogada Consulente colocar a seguinte questão: 

- Poderá ser mandatária numa acção interposta contra uma sociedade que já patrocinou em 2006, acção esta ainda pendente, mas na qual já não tem procuração forense?

Da competência consultiva do Conselho Distrital de Lisboa


Nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante E.O.A.), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, compete aos Conselhos Distritais pronunciarem-se sobre questões de carácter profissional, que se suscitem no âmbito da sua competência territorial.


A competência consultiva dos Conselhos Distritais está, assim, limitada pelo E.O.A. a questões inerentemente estatutárias, isto é, as que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que regulam e orientam o exercício da profissão, maxime as que decorrem das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido pela lei aos órgãos da Ordem dos Advogados.


Ora, a matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma questão de carácter profissional nos termos descritos, pelo que há que proceder à emissão de parecer sobre a questão colocada.


É o que faremos nesta consulta.


Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa


O Advogado, no exercício da sua profissão está vinculado ao cumprimento escrupuloso de um conjunto de deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda àqueles que a lei, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhe impõem. 

O cumprimento escrupuloso e pontual de todos esses deveres garante a dignidade e o prestígio da profissão. 


No artigo 94º do E.O.A. encontra-se regulado o denominado “Conflito de Interesses”. 

Aí estão plasmadas várias situações em que existe uma situação de incompatibilidade para o exercício do patrocínio. 

A matéria do conflito de interesses, regida estatutariamente pelo teor do art. 94º do E.O.A., resulta dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão e constitui expressa manifestação do princípio geral estatuído no art. 84º do E.O.A., segundo o qual o “Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.

Nesta medida, o regime legal estabelecido a propósito do conflito de interesses cumpre uma tripla função: 

a) Defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes; 

b) Defender o próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; 

c) Defender a própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações. 

Decorre assim, da norma legal em apreço, que: 

“1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado. 

3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes. 

4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O Advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente. 

6 - Sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”


Começaremos por frisar um aspecto, que poderá parecer um preciosismo, mas que não poderemos, de todo, descurar. 

Presumimos, face ao que nos é dito pela Senhora Advogada Consulente, que estão em causa substabelecimentos sem reserva. 

Pois que, a não ser assim, estará a Senhora Advogada Consulente impedida, directamente, pelo n.º 2 do artigo 94º do E.O.A., de aceitar o novo mandato. 


Feito este parêntese, haverá agora que prosseguir a nossa análise. 


O Estatuto da Ordem dos Advogados, em matéria de conflito de interesses, não contém uma proibição geral de patrocínio contra quem foi anteriormente seu cliente, mas apenas uma proibição de patrocínio:

i. Contra quem seja por si patrocinado noutra causa pendente.

ii. Em causas em que já tenha intervindo ou que sejam conexas com outras em que tenha representado a parte contrária.

iii. Em causas que possam colocar em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.


É sabido que a matéria de conflitos de interesse resulta dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão.

O que significa que a matéria de conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do advogado. Cabe a cada advogado formular um juízo de consciência sobre se a relação de confiança que estabeleceu com um seu antigo cliente lhe permite, livremente e sem constrangimentos, assumir agora um patrocínio contra ele.


E desde já se diga que se repugna a um advogado litigar contra quem foi seu antigo cliente, tal deve ser entendido como causa justificante da recusa de patrocínio – ainda que isso não resulte de norma expressa. Outra conclusão não se poderia tirar dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão.


Mas, se por qualquer motivo – que será legítimo, diga-se, e sem que tal não implique qualquer juízo depreciativo da conduta do advogado – tal repugnância não existir, haverá então, em segunda linha, que averiguar, objectivamente, se uma determinada situação consubstancia ou não, conflito de interesses. 


Assim, deverá a Senhora Advogada Consulente avaliar: 

(i) se é inequívoco que nunca teve qualquer intervenção no assunto que lhe foi agora cometido pelo novo cliente;

(ii) se é inequívoco que este assunto não é conexo com qualquer outro em que tenha intervindo ou tomado conhecimento em representação do seu antigo cliente;

(ii) se está convicta que com aceitação do novo mandato não sentirá a sua independência afectada;

(iii) se está convicta que o exercício do novo mandato não colocará em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos do seu antigo cliente;

(iv) e se está convicta que, do conhecimento dos assuntos do seu antigo cliente não resultam vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente. 


E diga-se que só a Senhora Advogada Consulente estará em posição de fazer essa avaliação. 


Contudo, entendemos que, verificando-se uma qualquer das circunstâncias referidas em (i), (ii), (iii) e (iv) supra, deverá a Senhora Advogada Consulente recusar a aceitação do novo mandato.


E não esqueçamos que o espírito do referido preceito legal é necessariamente preventivo, em ordem a prevenir que, mesmo nos casos em que não se antolhe um conflito, ele não se venha – não possa vir – a verificar-se.

Ou seja, basta que exista essa mera potencialidade, pois que o Advogado, no exercício da sua profissão, deve estar sempre acima de qualquer suspeita. 

Assim sendo, deverá a Senhora Advogada Consulente ponderar, antes da assunção do novo mandato, se existe o risco, ainda que potencial, de vir a verificar-se um conflito de interesses. 

Existindo esse risco, ainda que meramente potencial, deve, também, a Senhora Advogada Consulente recusar a assunção do referido mandato. 


CONCLUSÕES: 


1. A matéria de conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do advogado. Cabe a cada advogado formular um juízo de consciência sobre se a relação de confiança que estabeleceu com um seu antigo cliente lhe permite, livremente e sem constrangimentos, assumir agora um patrocínio contra ele.


2. Mas, se não repugnar ao advogado patrocinar uma causa contra quem foi seu cliente, haverá então, em segunda linha, que averiguar, objectivamente, se uma determinada situação consubstancia ou não, conflito de interesses. 


3. Assim, deverá a Senhora Advogada Consulente avaliar: (i) se é inequívoco que nunca teve qualquer intervenção no assunto que lhe foi agora cometido pelo novo cliente; (ii) se é inequívoco que este assunto não é conexo com qualquer outro em que tenha intervindo ou tomado conhecimento em representação do seu antigo cliente; (ii) se está convicta que com aceitação do novo mandato não sentirá a sua independência afectada; (iii) se está convicta que o exercício do novo mandato não colocará em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos do seu antigo cliente; (iv) e se está convicta que do conhecimento dos assuntos do seu antigo cliente não resultam vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente. 


4. E diga-se que só a Senhora Advogada Consulente estará em posição de fazer essa avaliação. 


5. Contudo, entendemos que, verificando-se uma qualquer das circunstâncias referidas no ponto 3., deve a Senhora Advogada Consulente recusar a aceitação do novo mandato. 


6. E não esqueçamos que o espírito do referido preceito legal é necessariamente preventivo, em ordem a prevenir que, mesmo nos casos em que não se antolhe um conflito, ele não se venha – não possa vir – a verificar-se. Ou seja, basta que exista essa mera potencialidade, pois que o Advogado, no exercício da sua profissão deve estar sempre acima de qualquer suspeita. 


7. Assim sendo, deverá a Senhora Advogada Consulente ponderar, antes da assunção do novo mandato, se existe o risco, ainda que potencial, de vir a verificar-se um conflito de interesses. 


8. Existindo esse risco, ainda que meramente potencial, deve, também, a Senhora Advogada Consulente recusar a assunção do referido mandato. 

Notifique-se. 

Lisboa, 4 de Março de 2011. 


A Assessora Jurídica do C.D.L.


Sandra Barroso 


Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,


Lisboa, 11 de Março de 2011. 


O Vogal do Conselho Distrital de Lisboa 

(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)


Paulo de Sá e Cunha

Sandra Barroso

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