Consulta nº 19/2011
Questão
A Senhora Advogada, Dra - , titular da cédula profissional n.º - , veio solicitar a pronúncia deste Conselho Distrital quanto à factualidade que passamos a enunciar.
A Senhora Advogada Consulente foi contactada pelo Senhor A para o patrocinar no processo de herança aberto por óbito de sua mãe.
Aquando desse contacto, o Senhor A deu nota à Senhora Advogada Consulente de que estava a ser acompanhado pelo Senhor Dr. B.
Em sequência, a Senhora Advogada Consulente tentou contactar o causídico em causa, o que conseguiu ao fim de algumas tentativas.
Quando conseguiu falar com o Colega, a Senhora Advogada Consulente perguntou-
-lhe o que tinha feito no processo, ao que este terá respondido que nada tinha feito mas que enviaria a respectiva nota de despesas e honorários.
A Senhora Advogada Consulente exerceu o patrocínio para o qual foram solicitados os seus serviços, tendo entretanto o Senhor Dr. B enviado a mencionada nota de honorários e despesas.
O Senhor A não procedeu ao pagamento dos honorários solicitados e o Senhor Dr. B interpôs, no início de Abril, a competente acção de honorários contra o antigo cliente e a Senhora Advogada Consulente, por entender que a Senhora Advogada Consulente é solidariamente responsável pelos honorários que lhe são devidos.
Em 14 de Abril pretérito, o Senhor A, novamente patrocinado pelo Senhor Dr. B, dirigiu uma carta à Senhora Advogada requerente, cujo conteúdo passamos a transcrever:
“ (…)
1. Venho por este meio, proceder à revogação, imediata, do mandato que lhe conferi através da procuração emitida em (…), bem como de qualquer outra procuração que, eventualmente, lhe tenha emitido.
2. Na sequência do que solicito a V.Exa. a prestação de contas do mandato, inclusive dos valores das indemnizações pagas pelas Companhias de Seguros, nota circunstanciada do que fez, com prova documental, enviando todo o expediente para o Sr. Dr.B, Advogado, com escritório (…).
3. Isto no prazo de oito dias, findo o qual, se não houver cumprimento, apresento queixa-crime por burla no competente Tribunal e participação disciplinar na Ordem dos Advogados.
4. Mais solicito de V.Exa. o favor de não mais me contactar, de qualquer forma, nem mais me insultar pelo telefone.”
Ora, entende a Senhora Advogada Consulente que, atento o circunstancialismo que supra enunciámos, não deve prestar contas ao Senhor Dr. B, tanto mais que o mesmo não lhe “inspira confiança”.
Considerando a factualidade descrita, vem a Senhora Advogada Consulente solicitar a nossa pronúncia pretendendo ver esclarecidas, essencialmente, duas questões:
1. Se é obrigada a prestar contas “sobre um mandato para o qual foi devidamente mandatada”.
2. Se é obrigada a prestar tais contas ao Senhor Dr. B, conforme solicitado pelo seu antigo cliente ou se, do ponto de vista deontológico, poderá proceder à prestação de contas por notificação judicial avulsa.
Da competência consultiva do Conselho Distrital de Lisboa
Nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, compete aos Conselhos Distritais pronunciarem-se sobre as questões de carácter profissional que se suscitem no âmbito da sua competência territorial.
A competência consultiva dos Conselhos Distritais está, assim, limitada pelo EOA a questões inerentemente estatutárias, isto é, as que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que regulam e orientam o exercício da profissão, maxime as que decorrem das normas do EOA, do regime jurídico das sociedades de advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido pela lei aos órgãos da Ordem dos Advogados.
Ora, a matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, em parte (apenas), na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do EOA.
É que, em bom rigor, as questões colocadas pela Senhora Advogada Consulente têm duas vertentes: uma primeira, indubitavelmente, ligada ao exercício da profissão e relacionada com a apresentação de contas e a apresentação da nota de despesas e honorários; uma segunda, de direito substantivo, relacionada com o regime do mandato.
Opinião
O Advogado, no exercício da sua profissão, está vinculado ao cumprimento escrupuloso de um conjunto de deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda àqueles que a lei, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhe impõem.
O cumprimento escrupuloso e pontual de todos esses deveres garante a dignidade e o prestígio da profissão.
E, de entre os deveres a que o Advogado está vinculado no exercício da sua profissão, está o dever plasmado no n.º 1 do artigo 96º do EOA.
Sob a epígrafe “Valores e documentos do cliente”, preceitua a mencionada norma legal o seguinte:
“1. O advogado deve (…) prestar conta ao cliente de todos os valores deste que tenha recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas, logo que tal lhe seja solicitado”.
Assim, em nossa opinião, a resposta à primeira questão colocada encontra-se directamente resolvida pelo n.º 1 do artigo 96º do EOA.
De resto, à mesma conclusão chegamos se olharmos para o regime jurídico do contrato de mandato.
Nos termos do disposto na alínea d) do artigo 1161º do Código Civil (doravante CC), o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir.
Não há dúvidas, portanto, que, tendo o antigo cliente solicitado à Senhora Advogada Consulente a prestação de contas as mesmas devem ser apresentadas.
Refira-se apenas que, apesar de se mencionar na parte final do n.º 1 do artigo 96º do EOA que o Advogado deve apresentar nota de despesas e honorários logo que tal lhe seja solicitado, tal não significa que o Advogado não possa apresentar tal nota por sua iniciativa e logo que cesse a sua prestação profissional.
A norma em causa reporta-se apenas ao dever de apresentação de contas a pedido do cliente, sendo certo que decorre do regime do contrato de mandato que o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante lhe exigir que as preste.
Mas a quem deverá a Senhora Advogada Consulente apresentar contas e apresentar a nota de despesas e honorários? Ao antigo cliente ou ao Senhor Advogado, Dr. B?
A inserção sistemática do artigo 96º do EOA parece sugerir que as contas e as notas de despesas e honorários devem ser apresentadas ao cliente.
O Título III do Estatuto da Ordem dos Advogados trata da “Deontologia Profissional”, fixando, no Capítulo I, os Princípios Gerais e abordando, no Capítulo II, a questão das relações entre o advogado e o cliente.
E é neste último Capítulo que se insere o artigo 96º.
Não há dúvidas, portanto, que a apresentação de contas e a apresentação das notas de despesas e honorários se coloca, estritamente, no plano das relações entre o advogado e o cliente.
E percebe-se que assim seja. É que o beneficiário da prestação de serviços jurídicos prestados pelo advogado é, exclusivamente, o cliente.
Também o Regulamento dos Laudos e Honorários, aponta nesse sentido.
Na verdade, dispõe o n.º 1 do seu artigo 5º que “a conta de honorários deve ser apresentada ao cliente (…)” e o seu n.º 4 que “os honorários devem ser separados das despesas e encargos, sendo os valores especificados e datados.”.
Decorre, assim, expressamente, do n.º 1 do citado artigo 5º que a nota de honorários deve ser apresentada ao cliente, e resulta implícito do n.º 4 do mesmo artigo que também a nota de despesas deve ser apresentada ao cliente.
Mais uma vez, também nesta questão, o regime do mandato constante do CC (aplicado às relações entre o advogado e o cliente) permite corroborar a conclusão anterior.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1158º do CC, o mandato presume-se oneroso quanto “tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão”.
E, sendo oneroso, constitui obrigação do mandatário para com o mandante, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 1161º do CC, “prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir”.
E, correlativamente, constitui obrigação do mandante, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 1167º do CC, pagar ao mandatário “a retribuição que ao caso competir (…).”
Em suma, e apesar das vicissitudes do caso concreto, entendemos que a Senhora Advogada Consulente deverá prestar contas e apresentar a nota de despesas e honorários ao antigo Cliente.
Quanto à forma, entendemos que, num primeiro momento, as contas e a nota de despesas e honorários deverão ser remetidas por carta (pensamos que registada com aviso de recepção) ao antigo Cliente.
Frustrando-se a notificação postal, poderá então a Senhora Advogada Consulente notificar judicialmente o seu antigo Cliente do conteúdo da mesma e respectivos documentos, dando-lhe nota de que, quando o pretender, poderá levantar os documentos em causa no escritório da Senhora Advogada Consulente.
É este, salvo melhor opinião, o nosso entendimento sobre a questão que nos foi colocada.
CONCLUSÕES:
1. Nos termos do disposto no artigo 96º do EOA, “O advogado deve (…) prestar conta ao cliente de todos os valores deste que tenha recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas, logo que tal lhe seja solicitado”.
2. Apesar de se mencionar na parte final do n.º 1 da mencionada norma legal que o advogado deve apresentar nota de despesas e honorários logo que tal lhe seja solicitado, tal não significa que este não a possa apresentar por sua iniciativa e logo que cesse a sua prestação profissional.
3. A norma em causa reporta-se apenas ao dever de apresentação de contas, a pedido do cliente, sendo certo que decorre do regime do contrato de mandato que o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir – cf. alínea d) do artigo 1161º do Código Civil.
4. De acordo com a legislação profissional em vigor e nos termos do regime do contrato de mandato, a apresentação de contas e a apresentação das notas de despesas e honorários coloca-se no plano das relações entre o cliente e o advogado.
5. Apesar das vicissitudes do caso concreto, entendemos que a Senhora Advogada Consulente deverá prestar contas e apresentar a nota de despesas e honorários ao antigo Cliente.
6. Quanto à forma da sua apresentação, entendemos que, num primeiro momento, as contas e a nota de despesas e honorários deverão ser remetidas por carta (pensamos que registada com aviso de recepção) ao antigo Cliente.
7. Frustrando-se a notificação postal, poderá então a Senhora Advogada Consulente notificar judicialmente o seu antigo Cliente do conteúdo da mesma e respectivos documentos, dando-lhe nota de que, quando o pretender, poderá levantar os documentos em causa no escritório da Senhora Advogada Consulente.
Notifique-se.
Lisboa, 1 de Agosto de 2011.
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
Lisboa, 6 de Setembro de 2011.
O Vogal do Conselho Distrital de Lisboa
(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)
Paulo de Sá e Cunha
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