Pareceres do CRLisboa

Consulta 31/2011

Consulta n.º 31/2011


Dos factos
 
 

A Senhora Advogada, Dra. A, titular da cédula profissional n.º-, veio solicitar a pronúncia do Conselho Distrital de Lisboa quanto à seguinte questão:

A Senhora Advogada consulente prestou serviços jurídicos a um cliente no âmbito de um processo de regulação das responsabilidades parentais.
O cliente veio a falecer, deixando três filhos menores e uma viúva com a qual não vivia há três anos e da qual não sabia a verdadeira morada.
Depois do falecimento do seu cliente, a Senhora Advogada Consulente foi contactada pela família do seu antigo constituinte e mandatada por estes para que procedesse a pedido de visitas dos três menores.
Porque a viúva nunca disse onde morava, nem tampouco foi colaborante no pagamento das inúmeras dívidas existentes na Suíça, a família do falecido tratou de todos os assuntos através de um procurador naquele país.
A Senhora Advogada Consulente foi agora confrontada com um email oriundo da Suíça, mais precisamente da “Justice de Paix du District de - ”, solicitando-lhe que identifique a viúva, os filhos e os paradeiros deles.

 

Face ao exposto, vem a Senhora Advogada Consulente questionar se está sujeita a sigilo profissional nesta questão e se é obrigada a responder a uma solicitação de um Tribunal Suíço.

 

Da competência consultiva dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados

 

Nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, compete aos Conselhos Distritais pronunciarem-se sobre questões de carácter profissional, que se suscitem no âmbito da sua competência territorial.

 

A competência consultiva dos Conselhos Distritais está assim, limitada pelo E.O.A. a questões inerentemente estatutárias, isto é, as que revelam dos princípios, regras, usos e praxes que regulam e orientam o exercício da profissão, maxime as que decorrem das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido pela lei aos órgãos da Ordem dos Advogados.

 

Ora, a matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma “questão de carácter profissional” nos termos descritos, pelo que há que proceder à emissão de parecer quanto à questão colocada.

 

Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa

 

De acordo com o previsto no artigo 87º do EOA:

 

 

 “1. O Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração:
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante as negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2. A obrigação de segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que directamente ou indirectamente tenham qualquer intervenção no serviço.
3. O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo. (....)”.

 

 

O fundamento jurídico do segredo profissional do Advogado reside no princípio da confiança e na natureza social da função forense.
Conforme defende o Ilustríssimo Advogado Dr. António Arnaut, “só essa tradicional confiança, pedra angular da advocacia, permite ao cliente a revelação de factos da sua vida privada, ou a entrega de documentos, que a mais ninguém confiaria, e que podem ser imprescindíveis para a boa defesa dos seus interesses.” (cfr. Iniciação à Advocacia, 4ª Edição, p. 66, Coimbra Editora, 1999).

 

O segredo profissional tem na sua génese a necessidade não só de garantir a relação de confiança entre o advogado e o cliente – que deve ser sem limites, mas também o interesse público da função do advogado enquanto agente activo da administração da justiça, entendida em sentido amplo e não restrita à actividade judicial.

 

No caso concreto, a sujeição ao dever de sigilo quanto aos esclarecimentos solicitados à Senhora Advogada Consulente não nos oferece grandes dúvidas.
Está em causa a revelação de factos de que a Senhora Advogada Consulente teve conhecimento no exercício da profissão e por causa desse mesmo exercício e como tal, indubitavelmente, abrangidos pela esfera de protecção do sigilo profissional.

 

E, assim sendo, a Senhora Advogada requerente só poderá responder à solicitação do Tribunal Suíço, verificado o circunstancialismo previsto no n.º 4 do artigo 87º do EOA, isto é, mediante autorização prévia do Presidente do Conselho Distrital competente.

 


Assim, apesar da recair sobre a Senhora Advogada Consulente o dever (legal) de responder à solicitação do Tribunal Suíço, a verdade é que não poderá fazê-lo “livremente”, devendo acatar a norma legal contida no n.º 4 do artigo 87º do EOA.

 

É que, e conforme já tivemos oportunidade de referir várias vezes, ao Advogado, cuja actuação tem uma dignidade e um estatuto próprios, não é lícito depor espontaneamente sobre factos de que teve conhecimento no exercício da profissão, ainda que o cliente ou ex-cliente lhe conceda autorização para tal, ou ainda que o depoimento vise a defesa dos legítimos interesses do cliente ou ex-cliente. 

 

Quanto à norma legal contida no n.º 4 do artigo 87º do EOA, haverá ainda que referir o seguinte.

 

O levantamento do sigilo profissional é um regime de rigorosa excepção, só podendo ocorrer nas situações previstas na mencionada norma legal.
Assim, exige a lei que a dispensa só ocorra quando for absolutamente necessária para a defesa da dignidade, direitos ou interesses legítimos, única e exclusivamente, do Advogado requerente ou do seu cliente ou seu representante.
E, nos termos do Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional, a absoluta necessidade da dispensa afere-se pelos critérios da imprescindibilidade, essencialidade, exclusividade e actualidade.

 

Ora, no caso concreto, e estritamente de acordo com os elementos que foram colocados à nossa disposição, não nos parece que esteja em causa a defesa de qualquer direito ou interesse legítimo dos clientes da Senhora Advogada requerente, ainda para mais quando estes não “autorizam” a Senhora Advogada Consulente a fornecer a informação solicitada pelo Tribunal.

Mas, ainda que se pudesse entender existir algum dos interesses a que alude o n.º 4 do artigo 87º do EOA, a verdade é que existirão certamente outras formas do Tribunal Suíço ter acesso à informação pretendida, o que excluiria, desde logo, a verificação do requisito da exclusividade e a concessão de uma eventual dispensa.

Contudo, poderá a Senhora Advogada Consulente na resposta a enviar ao Tribunal dar nota de que as informações pretendidas poderão ser solicitadas no processo de regulação das responsabilidades parentais actualmente pendente.

Este é, salvo melhor opinião, o nosso entendimento sobre a questão que nos foi colocada.


Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Agosto de 2011.  

 

 

A Assessora Jurídica do C.D.L.

Sandra Barroso


Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

 

Lisboa, 18 de Agosto de 2011.  

 

O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
Vasco Marques Correia

Sandra Barroso

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