Pareceres do CRLisboa

Consulta 9/2011

Consulta nº 9/2011


Informação Sintética
 
            Requerente: - Juízo de Execução de Lisboa
 
Assuntos:
•         Despejo;
•         Advogada Expulsa;
•         Domicílio Profissional;
•         Sigilo profissional
 

 

 
Consulta
 
Por ofício que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados em 22 de Março de 2011 (Entrada nº -), veio a Exma Sra Juiz de Direito da - Secção do -.  Juízo de Execução de Lisboa, no âmbito do processo aí pendente sob o nº - , solicitar informação sobre se a “Sra Dra A é Advogada e se in casu há lugar a intervenção da Ordem para efectivação do despejo, face ao requerido pela Senhora Solicitador de Execução.”
O referido ofício vem ainda acompanhado de cópia do Requerimento Executivo (de despejo de fracção autónoma), bem como do Requerimento apresentado pelo Agente de Execução, onde este solicita “autorização para uso de Força Pública com arrombamento de porta” e que seja agendado “dia e hora para a realização da diligência, uma vez que há necessidade da presença do Mmo Juiz bem como do Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, ou seu representante, por a executada ser Advogada, não obstante ter ocorrido a sua expulsão da Ordem dos Advogados, por despacho de 5.11.2009, atendendo a que, o locado foi o domicílio profissional da mesma, desconhecendo-se se no seu interior, se encontram processos.”
 
 
 
Informação Sintética
 
A presente Consulta enquadra-se no artigo 50.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), que confere aos Conselhos Distritais poderes para “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional” no âmbito da sua competência territorial”. Cumpre, pois assim, proceder à emissão do parecer solicitado, tendo por base os factos transmitidos a este Conselho Distrital de Lisboa e pela forma que o foram.
 
Decorre do nº1 do art. 70º do Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor que “a imposição de selos, o arrolamento, as buscas e diligências equivalentes no escritório de advogados ou em qualquer outro local onde faça arquivo, assim como a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações, através de telefone ou endereço electrónico, utilizados pelo advogado no exercício da profissão, constantes do registo da Ordem dos Advogados, só podem ser decretados e presididos pelo juiz competente.”
 
Ao que acresce, no nº2 do mesmo artigo que: “Com a necessária antecedência, o juiz deve convocar para assistir à imposição de selos, ao arrolamento, às buscas e diligências equivalentes, o advogado a ela sujeito, bem como o presidente do conselho distrital, o presidente da delegação ou delegado da Ordem dos Advogados, conforme os casos, os quais podem delegar em outro membro do conselho distrital ou da delegação.”
 
Nos termos das referidas normas, e com relevância para a situação em análise, verifica-se, pois, que (i) a imposição de selos, o arrolamento, as buscas e diligências equivalentes (ii) no escritório de Advogados ou em qualquer outro local onde faça arquivo, (iii) só podem ser decretados e presididos pelo Juiz competente, (iv) devendo ser convocados, com a devida antecedência, o advogado a ela sujeito, bem como o presidente do conselho distrital, o presidente da delegação ou delegado da Ordem dos Advogados.
 
Trata-se, este, de um regime legalmente estabelecido e enquadrado, no plano sistemático, dentro do conjunto de regras que definem os princípios gerais que regulam o exercício da Advocacia. Sem prejuízo, e tendo em conta a natureza dos valores a proteger, as prerrogativas consagradas estão não apenas relacionadas com a dignidade da profissão, mas também intrinsecamente ligadas à protecção do sigilo profissional do Advogado e, em particular, de toda a informação sigilosa que possa encontrar-se dentro do seu escritório. É também esta última a razão subjacente à consagração legislativa  da necessidade de presença de Juiz e do Presidente do Conselho Distrital competente em buscas a escritórios de Advogados no âmbito do processo penal (cfr art. 177º, nº5 do CPP).
 
Não temos dúvidas que a diligência de arrombamento e despejo se encontra abrangida directamente pela letra do art. 70º., nº1 e 2 do EOA, dada a sua natureza análoga às diligências aí descritas com as que aí constam enumeradas – selos, arrolamentos e buscas -, sendo que, a lei estende expressamente os formalismos previstos a toda as “diligências equivalentes” aquelas. Aliás, julgamos mesmo que um arrombamento e despejo do recheio de um escritório de um Advogado será porventura mais gravoso, em termos de agressividade aos valores que o sigilo profissional pretende proteger, do que um arrolamento ou uma imposição de selos.
 
No presente caso em análise, duas questões, contudo levantam-se, as quais carecem de especial ponderação.
 
Em primeiro lugar, decorre do registo constante na Ordem dos Advogados que o local arrendado (e objecto do despejo) não corresponde ao local indicado perante esta instituição como sendo o seu domicílio profissional. Isto não há de ferir as conclusões já acima retiradas, uma vez que a qualificação de um local como escritório de advogado não depende do seu registo na Ordem dos Advogados[1], mas sim, e em nossa opinião, do facto de determinado espaço físico, necessariamente dotado dos respectivos meios, ser utilizado pelo Advogado para o exercício da sua profissão[2]. Certo é que, independentemente do conceito de “escritório de Advogado” que se adopte, (matéria que reconhecemos ser delicada e a carecer de regulamentação), não se pode descurar que a própria letra da lei sujeita a exigência do especial formalismo previsto no art. 70º, não só ao escritório como ainda a “(…) qualquer outro local onde (o Advogado) faça arquivo”.
 
Claro que, à partida, desconhece-se se a Sra Advogada, de facto, exercia no local a sua profissão. E não é, reconheça-se, pelo simples facto de tal ser referido no contrato de arrendamento que se pode deduzir alguma conclusão definitiva sobre essa matéria. Mas qualquer indício que seja que aponte no sentido da existência, num determinado espaço, de um escritório de Advogado (ou que aí exista um arquivo) é suficiente para levar à aplicação dos procedimentos legais estabelecidos nas normas do art. 70º, nº1 e 2. E em nossa opinião o teor do contrato de arrendamento (que, nos termos da sentença que consta de fls 5 e seguintes do expediente remetido a este Conselho pelo Exmo Sr Juiz de Direito, teria como objecto fracção autónoma “para exercício da actividade profissional da arrendatária – Advocacia”) é um indício suficientemente forte que nos leva nesse sentido.
 
Em segundo lugar, resulta da documentação analisada bem como da informação obtida pelos serviços deste Conselho, que terá sido decretada a expulsão da Advogada visada, por despacho de 5.11.2009. Contudo, tal facto, a nosso ver também não belisca a necessidade de respeito pelo disposto no art. 70º, nº1 e 2. É que o objectivo da norma, já se disse, não é apenas criar uma prerrogativa profissional para protecção da dignidade e importância que a profissão de Advogado representa para a sociedade. Existe algo que, a nosso ver, se reveste de uma fundamental e superior importância que se pretende proteger por via do dispositivo legal em vigor, e que corresponde ao  imperativo categórico da necessidade de se evitar que seja conhecido por terceiros toda e qualquer informação sigilosa que tenha sido confiada ao Advogado no exercício da profissão  que, em suporte físico[3], se possa encontrar no seu escritório (ou lugar onde faça seu arquivo). E isto é independente do facto do Advogado já não exercer a profissão, por qualquer motivo. O segredo profissional representa a blindagem normativa e a garantia legal inamovível contra as tentações de se obter confissão por interposta pessoa e contra a violação do direito à intimidade. Os fundamentos ético-jurídicos do sigilo profissional têm as suas raízes no princípio da confiança estruturante da natureza social e do interesse público do patrocínio forense. É, pois, devido ao elevado risco de ser colocada em causa ou ser conhecida por estranhos matéria dotada de particular sensibilidade, que a lei, para preservação da legalidade, requer a presença de um representante da Ordem[4] e de um Juiz sempre que estivermos perante de diligências processuais que possam, por qualquer razão, afectar o funcionamento ou implicar a entrada em escritório de Advogados (ou qualquer espaço que seja utilizado como arquivo pelo Advogado) de terceiros.
 
Em conclusão:
 
1. Dada a natureza da diligência processual de arrombamento e despejo de um escritório de Advogado, ou de um qualquer outro local onde aquele faça arquivo, exige-se, nos termos do art. 70º, nº1 e 2 do EOA, que essa diligência seja presidida por um Juiz, devendo para a mesma ser convocado para assistir, com a devida antecedência, o “presidente do conselho distrital, o presidente da delegação ou delegado da Ordem dos Advogados, conforme os casos,(...)”;
2. Qualquer indício que seja que aponte no sentido da existência, num determinado espaço, de um escritório de Advogado (ou que aí exista um arquivo) é suficiente para levar à aplicação dos procedimentos legais estabelecidos nas normas do art. 70º, nº1 e 2, o que é o caso, quando conste de um contrato de arrendamento que determinada fracção autónoma será destinada ao “exercício profissional da arrendatária – Advocacia.”
3. O facto de à Advogada arrendatária ter sido aplicada uma pena de expulsão não colide com a necessidade de cumprimento dos requisitos legais do art. 70º, nº1 e 2, que deverão ser seguidos para a efectivação da execução do arrombamento e despejo do locado, uma vez que a natureza sigilosa da informação que, em qualquer tipo de suporte físico, possa ser encontrada no seu interior, não é de forma alguma afectada por tal cominação.
 
 
Lisboa, 15 de Abril de 2011
(O Assessor Jurídico do CDL)
 
Rui Souto
Concordo e homologo o parecer anterior, nos preciso termos e limites aí fundamentados,
Lisboa,
(O Presidente do CDL)
 
Vasco Marques Correia

 

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[1] Apesar de ser dever do Advogado indicar à OA o centro da sua actividade profissional.
[2] Embora ainda não regulamentada a matéria do domicílio profissional é ponto assente que o mesmo tem de assegurar o cumprimento dos deveres deontológicos. Com efeito, decorre do art. 86º, al. e) que constitui obrigação do Advogado “manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, (…)”
[3] “O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo” (art. 87º, nº3 do EOA).
[4] Somos mesmo da opinião que, não sendo possível, de nenhuma forma notificar a Advogada da diligência e vindo a encontrar-se no interior do local arrendado informação sigilosa, sob qualquer tipo de suporte físico, caberá, por aplicação analógica do disposto no art.50º, nº1, al. g) do EOA, ao Conselho Distrital competente tomar as providências tidas por adequadas em relação a toda a documentação profissional;

Rui Souto

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