Pareceres do CRLisboa

Consulta 32/2011

Consulta n.º 32/11

 

Questão

 

Veio a Exma. Senhora Juíza do processo n.º -, pendente na - Secção do Juízo X a pronúncia deste Conselho Distrital quanto à manutenção ou à retirada da autorização anteriormente concedida ao Senhor Advogado, Dr. A, no âmbito dos pedidos de dispensa de sigilo profissional n.ºs - e -.  

 

Nestes, o Senhor Advogado, Dr. A, foi autorizado a prestar depoimento nos autos sobre factos relacionados com os serviços jurídicos prestados ao Senhor B, bem como a disponibilizar ao Senhor C, Réu no processo n.º X... - , ou ao seu mandatário alguns documentos, os quais, de resto, já se encontram juntos aos autos.

 

O pedido que ora nos é dirigido pelo Tribunal surge na sequência de um requerimento apresentado nos autos pelo mandatário da Autora.

 

Os argumentos aduzidos neste requerimento são, em síntese, os seguintes:

  • Em Fevereiro de 2007, o Senhor Advogado, Dr. A, requereu a dispensa do sigilo profissional para poder depor como testemunha arrolada pelo Réu, o que foi objecto de despacho de deferimento proferido em 6 de Março de 2007.
  • Em Março de 2008, o Senhor Advogado, Dr. A, deu entrada nos Juízos Cíveis X de uma providência cautelar comum de arrolamento, em que era Requerente o agora Réu no processo n.º X ...  e Requerida a agora Autora nesse mesmo processo.
  • Na mencionada providência, foi requerido o arrolamento de todo o recheio do imóvel, cuja propriedade se discute no processo n.º X ....
  • Em Abril de 2008, o Senhor Advogado, Dr. A, deu entrada nas Varas de Competência Mista de X uma acção de reivindicação de propriedade sobre o imóvel dos autos, instaurada pelo ora Réu, a qual ainda corre termos e cuja instância se encontra suspensa, em virtude do Tribunal ter entendido “que a questão que se discute no processo nº X ....  é prejudicial à que se discute nos presentes autos, já que, se nessa acção vier a ser declarada a nulidade da compra do prédio daí decorrerão efeitos quanto à subsistência do testamento que atribuiu a propriedade de raiz ao A. e que se converteu em propriedade plena com a extinção do usufruto”.
  • Em ambos os processos, o de arrolamento e o de reivindicação, foram constituídos mandatários do ora Réu os Senhores Advogados, Dr. A, Dr. D e a Dra. E, todos Advogados da Sociedade de Advogados, X & Associados.  
  • Em ambas os processos, todas as peças processuais foram subscritas pelo Senhor Dr. A, arrolado como testemunha no processo n.º X...
  • Na Réplica da acção de reivindicação, o Senhor Dr. A articulou factos em tudo idênticos aos factos aos quais foi autorizado o seu depoimento no processo n.º X ...
  • A saber, o invocado contrato-promessa de compra e venda do imóvel dos autos, o receio de penhora por parte do Senhor B, a F, ora Autora, como tendo aceite “emprestar” o seu nome, a procuração irrevogável e a escritura subsequente para “regularizar a questão da propriedade formal do prédio dos autos”.  
  • A Senhora Advogada, Dra. E, mandatária do Réu no processo n.º X ..., é sócia da Sociedade de Advogados, X  & Associados, da qual o Senhor Dr. A também é sócio.
  • O Senhor Dr. A foi, pelo menos, mandatário da falecida Autora num processo tributário de avaliação do imóvel ou parte do imóvel em discussão nos autos, e, nesse processo, em requerimento datado de 27.09.2000, o Senhor Dr. A declarou a falecida Autora “na qualidade de proprietária” do prédio em discussão nos autos, para de seguida dizer que “A requerente foi até ao dia 16 de Agosto de 2000, a legítima proprietária do prédio urbano identificado (o dos autos), o qual nessa data vendeu a B por escritura outorgada no 2º Cartório Notarial de X ”.
 

Considerando os factos atrás elencados, entende a Autora que as autorizações concedidas em 2007 e em 2010, devem ser revogadas na sua totalidade.

 

Do teor do ofício proveniente do Tribunal foi o Senhor Dr. A notificado.

No exercício do contraditório, veio o Senhor Dr. A responder nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

 

Estamos, assim, na posse de toda a informação que, a nosso ver, se mostra pertinente para a decisão a proferir.

 

Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa

 

Analisados os fundamentos apresentados pelo mandatário da Autora, e sobre os quais o Tribunal vem solicitar a nossa pronúncia, entendemos que as questões que urge analisar e de cuja resposta depende a decisão a proferir, são, no essencial, as seguintes:  

 

  1. A conexão material existente entre o processo prejudicial – processo n.º X ..., no qual o Senhor Advogado se encontra arrolado como testemunha – e o processo prejudicado – processo n.º XX ..., onde o Senhor Advogado patrocina os interesses do herdeiro do seu falecido cliente, Réu no processo n.º X ....
  2. A circunstância da mandatária no processo n.º X .... ser sócia da Sociedade de Advogados, X & Associados, da qual o Senhor Advogado, Dr. A, também é sócio. 
 

  1. A circunstância do Senhor Dr. A ter sido Advogado da Senhora F, Autora no processo n.º X ....., num processo tributário de avaliação do imóvel que constitui o objecto deste mesmo processo.
 

Esboçadas que estão as questões que urgirá esclarecer, podemos, desde já, adiantar que, a existir alguma circunstância que seja susceptível de alterar os pressupostos em que assentou a autorização anteriormente concedida, a mesma terá reflexos, única a exclusivamente, na questão do depoimento a prestar pelo Senhor Dr. A.

Qualquer que seja a conclusão a que, a final, se chegue, a mesma não afectará, portanto, à autorização concedida em 6 de Março de 2007[1] e em 6 de Outubro de 2010[2], quanto à junção dos documentos.

 

E quanto ao depoimento a prestar no âmbito do processo n.º X ..... deverá manter-se a autorização anteriormente concedida?

 

A resposta a esta questão passará pela análise de cada uma das questões que atrás consideramos essenciais neste caso, a saber:

 

  1. A conexão material existente entre o processo n.º X .... e o processo n.º XX ....
 

No âmbito do processo n.º XX ....., entendeu o Tribunal “que a questão que se discute no processo X .... é prejudicial à que se discute nos presentes autos, já que, se nessa acção vier a ser declarada a nulidade da compra do prédio daí decorrerão efeitos quanto à subsistência do testamento que atribuiu a propriedade de raiz ao A. e que se converteu em propriedade plena com a extinção do usufruto”, encontrando-se suspensa a instância até ser proferida decisão no processo n.º X ......

 

É evidente que por razões de decoro e de dignidade da profissão, o Senhor Advogado, Dr. A não podia depor no processo n.º X ...., processo prejudicial, e ao mesmo tempo ser mandatário no processo n.º XX ...., processo prejudicial, quando estão em causa processos materialmente conexos e factos em tudo idênticos em ambos os processos.

 

Contudo, este impedimento encontra-se sanado, na medida em que o Senhor Dr. A, no âmbito do processo prejudicado, substabeleceu sem reserva, juntamente com os demais Advogados mandatados, os poderes que lhe haviam sido concedidos pelo herdeiro nos autos de arrolamento e na respectiva acção principal.

 

E diga-se, em abono da verdade, que, mesmo que o Senhor Dr. A  tivesse dado a conhecer esta situação quando assumiu o patrocínio da providência cautelar de arrolamento e da acção principal, a autorização concedida manter-se-ia desde que o Senhor Dr. A renunciasse à procuração ou substabelecesse sem reservas os poderes que lhe haviam sido conferidos no processo n.º XX ....

 

Ainda que o Senhor Dr. A tivesse, efectivamente, já prestado depoimento no processo n.º X ... e continuasse a ser mandatário no processo n.º XX ... – o que, como vimos, já não se verifica, esta circunstância não constituiria fundamento para revogar a autorização anteriormente concedida. Neste caso, a situação descrita a ter relevância seria, estritamente, no plano disciplinar.  

 

  1. A mandatária no processo prejudicial é sócia da Sociedade de Advogados, X & Associados.
 

O entendimento sufragado no pedido de dispensa de sigilo profissional n.º -, e que o mandatário da Autora cita no requerimento que dirigiu ao Tribunal, não era adoptado no mandato em que foi proferido o despacho datado de 6 de Março de 2007.

No Conselho Distrital de Lisboa, o mencionado entendimento apenas foi sufragado no triénio 2008-2010, presidido pelo Senhor Dr. Carlos Pinto de Abreu, podendo dizer-se que consubstanciava uma situação de “indeferimento-tipo”.

E, diga-se, que, mesmo em sede de recurso, este entendimento não reuniu consenso entre os Vogais com competência delegada em matéria de dispensa do sigilo profissional.

 

Assim, ainda que, em 2007, esta circunstância fosse do conhecimento do órgão decisor, a decisão seria a mesma, a circunstância da mandatária no processo n.º X ... ser sócia da Sociedade de Advogados, X & Associados em nada alteraria o sentido da decisão então proferida. 

E se assim é, é evidente que não nos cabe, agora, sindicar a autorização concedida à luz da doutrina sufragada no parecer a que o mandatário da Autora alude no seu requerimento.

 

Quanto ao pedido apresentado em 2010, portanto, já no triénio 2008-2010, a decisão proferida não poderia ter sido, a nosso ver, diferente.

É que estando em causa o depoimento na mesma acção judicial e sobre factos conexos aos apreciados no pedido n.º -, o órgão decisor (em 2010) estava, antes de mais, vinculado aos mesmos critérios de essencialidade, imprescindibilidade e exclusividade que foram seguidos pelo órgão decisor no pedido n.º -.

E terá sido precisamente por isso que o órgão decisor, em 2010, não terá feito uso da faculdade concedida pelo n.º 3 do artigo 3º do Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional, não tendo solicitado ao Senhor Dr. A, nomeadamente, cópias dos articulados da acção, como era (e é) procedimento habitual nesta matéria, por forma a verificar a identidade do mandatário do Réu.

E não o terá feito, precisamente, por ser irrelevante para a decisão a proferir face ao que já tinha sido decidido no âmbito do pedido n.º -.

 

  1. O Senhor Dr. A foi Advogado da Senhora F, Autora no processo n.º X ..., num processo tributário de avaliação do imóvel que constitui o objecto deste mesmo processo.
 

Quanto a este ponto, o que está em causa é verificar se o Senhor Dr. A, prestou serviços jurídicos, na mesma questão, aos agora Autora e Réu.

Se assim foi, não temos dúvidas em afirmar que a autorização anteriormente concedida deve ser revogada.

E deverá sê-lo estritamente à luz do regime legal em vigor em matéria de dispensa de sigilo profissional.

É que a letra do n.º 4 do artigo 87º do EOA, não permite que um Advogado possa prestar depoimento em favor de um cliente contra a posição de outro que foi, também, seu cliente na mesma questão, prejudicando-o.

 

Vejamos então.

 

É inegável que o Senhor Dr. A prestou serviços jurídicos quer à Autora quer ao Réu.

Os serviços jurídicos prestados incidiram, em ambos os casos, sobre o imóvel cuja propriedade a Autora reclama no processo n.º X ....

 

No período que se estende de Abril de 1991 a 16 de Agosto de 2000, data da outorga da escritura pública de compra do imóvel dos autos em nome do Senhor B, não há dúvidas de que o cliente do Senhor Dr. A era apenas o Senhor B. 

Neste período, os serviços jurídicos foram exclusivamente prestados ao Senhor B. 

Nunca, durante esse período, o Senhor Dr. A actuou por conta e no interesse do Senhor B e da Senhora F..

Ora, se assim foi, o conhecimento que o Senhor Dr. A tem (1) do alegado contrato-promessa de compra e venda do imóvel dos autos, (2) do receio de penhora dos bens por parte do seu cliente, (3) da questão relacionado com o facto da Autora ter aceite “emprestar” o seu nome na escritura formalizada com a promitente-vendedora, (4) da elaboração da procuração irrevogável e (5) da questão da escritura que permitiu regularizar a propriedade do prédio dos autos, adveio-lhe, única e exclusivamente, da sua qualidade de Advogado do Senhor B.

 

Assim, no período em causa – de Abril de 1991 a 16 de Agosto de 2000 – o Senhor Dr. A não actuou por conta e no interesse do Senhor B e da Senhora F.

O requerimento apresentado em 27.09.2000, no processo tributário em nome da Autora em nada colide com este nosso entendimento.

A intervenção do Senhor Dr.A em representação da Autora surge num momento temporal distinto e num momento em que a questão da propriedade formal do prédio já estava concluída.  

 

Entendemos, portanto, que esta simples intervenção do Senhor Dr. A não é de molde a permitir concluir que o Senhor Dr. A foi Advogado da Autora e do Réu na mesma questão, o que, face ao regime legal estatuído no n.º 4 do artigo 87º do EOA, o impediria de prestar depoimento a favor de um cliente contra os interesses de outro seu cliente na mesma questão e acarretaria, sem sombra de dúvidas, a revogação da autorização anteriormente concedida.

Mas já vimos que não foi o que sucedeu no caso concreto.

Pelo exposto, entendemos que o depoimento a prestar pelo Senhor Dr. A não se traduzirá, na prática, num depoimento “em favor de um cliente contra a posição de outro que foi, também, seu cliente na mesma questão, prejudicando-o”, situação, esta sim, vedada pelo regime legal fixado no n.º 4 do artigo 87º do EOA.

 

 

NESTES TERMOS,

 

E com os fundamentos atrás expostos, entendemos que a autorização concedida no âmbito dos pedidos de dispensa de sigilo profissional n.ºs - e - , se mantém plenamente válida, uma vez que se mantêm, integralmente, os pressupostos em que a mesma assentou.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de Setembro de 2011.  

 

 

O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa

 

 

Vasco Marques Correia



[1] Cf. Decisão proferida no âmbito do processo PDSP n.º 40/07.

 

[2] Cf. Decisão proferida no âmbito do processo PDSP n.º 255/10.

Vasco Marques Correia

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