Consulta 27/2011
Consulta n.º 27/2011
Questão
Veio a Exma. Senhora Juíza da - Secção do - Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa solicitar a este Conselho a emissão de parecer sobre uma situação de eventual violação do sigilo profissional.
No âmbito do processo n.º-, pendente naquele Tribunal e em que é Autora, A e Réu, o Senhor Advogado, Dr. B, foi ouvido, na qualidade de testemunha do Réu, o Senhor Advogado, Dr. C, à matéria de facto vertida na Contestação.
Findo o depoimento, a Senhora Advogada, Dra. D, mandatária da Autora, pediu a palavra, no uso da qual disse:
“A testemunha C é Advogado e conforme foi por ele próprio confirmado patrocinou o Réu, na acção que correu termos na -ª Vara -ª Secção sob o n.º - (…). Acontece que tendo sido indicado a toda a matéria, pelo Il. Mandatário do Réu, disse saber que após a morte do pai do Réu, foi celebrado um novo contrato de trabalho entre a Autora e o ora Réu. Acontece, salvo melhor entendimento, cremos estar a testemunha impedida de prestar este depoimento por o conhecimento de tal matéria ter sido gerado no âmbito da sua actividade profissional, como advogado do Réu. Tanto mais que essa foi uma das questões debatidas neste processo, movido pelo senhorio do escritório (…).”
Por último, entendemos que o Sr. Advogado não só violou o sigilo profissional a que está obrigado, como veio contrariar o seu depoimento a posição assumida pelo seu constituinte ora Réu, plasmada nos articulados e demais peças processuais por si subscritas e apresentadas em juízo. (…)”.
Pedida a palavra pelo Senhor Advogado, Dr. E , mandatário do Réu, no uso da mesma disse:
“ (…)
Trata-se, quanto a nós, de um depoimento que mais não foi do que esclarecer a verdade material que está subjacente aos presentes autos.
Assim não vemos qualquer réstia de violação de segredo profissional, pelo que entendemos, salvo melhor opinião em sentido contrário, que o depoimento da testemunha, Exmo. Ilustre Advogado, Dr. C, deve ser mantido na sua plenitude”.
E é sobre esta questão suscitada nos autos que o Tribunal vem solicitar a nossa pronúncia.
Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa
A prossecução da justiça e do direito, verdadeiros objectivos da profissão de Advogado, implicam que, necessariamente, qualquer pessoa que tenha de recorrer aos serviços de um Advogado, disponha de total confiança para que possa a este revelar os seus segredos, os seus interesses, sem qualquer receio de revelação dos mesmos (revelação essa que, a ser permitida, poderia colocar esses mesmos interesses em causa).
O regime do segredo profissional encontra-se, em larga medida, desenhado no artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
O n.º 1 deste artigo contém aquilo que poderá caracterizar-se como a verdadeira regra geral do instituto jurídico-deontológico.
Aí se pode ler que “ O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.
Pode até dizer-se que, em certa medida, as demais regras previstas nas diversas alíneas do n.º 1, são sobretudo explicitações ou pormenorizações daquela, que terão sido incluídas no E.O.A. para salientar situações mais marcantes ou de maior dificuldade de interpretação.
Mas, o que seja segredo tem de ser aferido por três vias:
1. pela forma como o conhecimento do facto chegou ao Advogado, quem o revelou e em que quadro fáctico;
2. pelo teor do facto, que ajuda a perceber se tem ou não a natureza de segredo, pois nem tudo o que é revelado ao Advogado é, em si, um segredo;
3. pelas próprias circunstâncias do conhecimento e da revelação.
A análise feita através deste triplo crivo, ajuda a discernir o que é e o que não é segredo.
Em nossa opinião, só serão sigilosos aqueles factos relativamente aos quais seja de presumir que, quem os confiou ao Advogado, nomeadamente o seu cliente, tinha um interesse objectivo, face à relação existente, em que se mantivessem reservados.
Contudo, e apesar do cliente ser a fonte básica dos factos que ficam sujeitos a sigilo profissional, a esfera de protecção desta obrigação estatutária vai além da mera relação Advogado-cliente, estendendo-se, no que tange ao Advogado, a:
1. factos que, por força de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados, qualquer colega, obrigado quanto aos mesmos factos ao segredo profissional, lhe tenha comunicado – alínea b);
2. factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração – alínea c);
3. factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do cliente ou pelo respectivo representante - alínea d);
4. factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise por termo ao diferendo em litígio – alínea e);
5. factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, e que tenha intervindo – alínea f).
Mas, ainda nestas relações com outras pessoas que não o cliente, não podemos perder de vista as balizas com que delimitámos o sigilo profissional.
Isto é, deverá sempre subsistir um interesse objectivo, face à relação estabelecida e aos próprios factos em si, na sua manutenção de uma situação de confidencialidade – porque só deverá ser sujeito a sigilo aquilo que é, verdadeiramente sigiloso.
Traçadas as linhas gerais que irão orientar o nosso pensamento, passemos de seguida à questão que ora nos ocupa, atendendo, estritamente, aos elementos que foram colocados à nossa disposição.
No requerimento ditado para a acta, a mandatária da Autora refere que “cremos estar a testemunha impedida de prestar este depoimento por o conhecimento de tal matéria ter sido gerado no âmbito da sua actividade profissional, como advogado do Réu”.
Desconhecemos, contudo, se, efectivamente, o Senhor Advogado, Dr. C, teve conhecimento dos factos em discussão nos autos e sobre os quais já prestou depoimento, por ter sido mandatário do ora Réu, no processo n.º -, que correu os seus termos na -ª Secção da -ª Vara Cível de Lisboa.
Mas, se assim foi, não há dúvidas de que o depoimento prestado incidiu sobre factos de que o Senhor Dr. C teve conhecimento no exercício da profissão e por causa desse mesmo exercício e, como tal, abrangidos pela esfera de protecção do sigilo profissional.
E, estando em causa factos conhecidos no exercício da profissão, careceria o seu depoimento da autorização prévia prevista no n.º 4 do artigo 87º do EOA.
É que ao Advogado, cuja actuação tem uma dignidade e um estatuto próprios, não é lícito depor espontaneamente sobre factos de que teve conhecimento no exercício da profissão, ainda que o cliente ou ex-cliente lhe conceda autorização para tal, ou ainda que o depoimento vise a defesa dos legítimos interesses do cliente ou ex-cliente.
Conforme entendimento pacífico na Ordem, as normas que proíbem a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional estatutariamente imposto ao Advogado são de interesse e ordem pública, e não tanto, ou apenas, de natureza contratual. [1]
O segredo profissional tem na sua génese a necessidade não só de garantir a relação de confiança entre o advogado e o cliente – que deve ser sem limites, mas também o interesse público da função do advogado enquanto agente activo da administração da justiça, entendida em sentido amplo e não restrita à actividade judicial.
Tanto assim é que, nos termos do n.º 2 do artigo 87º do EOA, a obrigação do advogado guardar segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido envolva ou não representação judicial.
E não residindo a natureza jurídica do segredo profissional do advogado no foro contratual, então não surpreende que a autorização do cliente não baste para a sua desvinculação.[2]
No caso concreto, não terá sido requerida a autorização prévia exigida pelo regime legal em vigor.
Assim, com rigor processual, o depoimento prestado pelo Senhor Advogado, Dr. C, está sujeito à cominação prevista no n.º 5 do artigo 87º do EOA.
Contudo, e sem prejuízo deste nosso entendimento, o certo é que é aos Tribunais que pertence a jurisdição e, por isso, a capacidade de julgar em definitivo se uma prova é ou não válida.
CONCLUSÕES:
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 87º do EOA, o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
A actuação do Advogado tem uma dignidade e um estatuto próprios, não lhe sendo por isso lícito depor espontaneamente sobre factos de que teve conhecimento no exercício da profissão, ainda que o cliente ou ex-cliente lhe conceda autorização para tal, ou ainda que o depoimento visa a defesa dos legítimos interesses do cliente ou ex-cliente.
E isto porque as normas que proíbem a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional estatutariamente imposto ao Advogado são de interesse e ordem pública, e não tanto, ou apenas, de natureza contratual.
No caso concreto, se estiverem em causa factos de que o Senhor Advogado, Dr. C, teve conhecimento por força da relação profissional estabelecida com o ora Réu, entendemos que o depoimento prestado pressuporia, tal como exigido pelo n.º 4 do artigo 87º do EOA, uma autorização prévia do Presidente do Conselho Distrital de Lisboa ou do membro do Conselho a quem tenha delegado poderes.
O que, no caso concreto, não terá acontecido.
Assim, com rigor processual, o depoimento prestado pelo Senhor Advogado, Dr. C, está sujeito à cominação prevista no n.º 5 do artigo 87º do EOA.
Contudo, é aos Tribunais que pertence a jurisdição e, por isso, a capacidade de julgar em definitivo se uma prova é ou não válida.
Notifique-se.
Lisboa, 11 de Agosto de 2011.
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
Lisboa, 11 de Agosto de 2011.
O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
Vasco Marques Correia
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[1] Cfr. Bastonário Coelho Ribeiro, Parecer do Conselho Geral de 13/01/1983 – in ROA, Ano 43, Ano 1983, fls. 211 ss.).
[2] Cfr. Dr. Luís Sáragga Leal, Parecer do Conselho Geral de 30/11/1984, in ROA, Ano 44, Dezembro 1984, fls. 735 ss.
Sandra Barroso
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