Pareceres do CRLisboa

Consulta nº 41/2013

 

CONSULTA N.º 41/2013

 

PROPOSTA DE DESPACHO

 

Questão

 

A Exma. Senhora Juiz do Juízo de Competência Genérica da Comarca de --, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos números 2 e 4 do artigo 135º do Código de Processo Penal, solicitar a pronúncia doConselho Distrital de Lisboaquanto à (i) legitimidade da escusa para depor apresentada pelo Senhor Advogado Dr. - , no âmbito do processo n.º -

 

O mencionado processo iniciou-se com a cópia do relatório final do processo disciplinar instaurado pela “-” a -, que dava conta de factos susceptíveis de integrarem, em abstracto, a prática dos crimes de fraude na obtenção de subsídio, de infidelidade, de falsificação de documento e de usurpação de funções.

 

O relatório em causa, que consta dos autos a fls.3 a62, foi elaborado pelo Senhor Advogado Dr. - , razão pela qual o Senhor Advogado se encontra arrolado como testemunha pelo Ministério Público.

Chamado a depor, o Senhor Dr. - escusou-se a prestar depoimento, por entender que os factos aos quais o seu depoimento é pretendido estão abrangidos pelo dever de sigilo profissional.

 

É, portanto, neste contexto que é solicitada a pronúncia do Conselho Distrital de Lisboa.

 

Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa

 

A existência da obrigação de segredo profissional impede o Advogado de revelar factos sigilosos e, ou, os documentos onde esses mesmos factos possam estar contidos, excepto se devida e previamente autorizado pelo Presidente do Conselho Distrital respectivo, verificados que estejam os requisitos exigidos pelo n.º 4 do

 

 

artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados e pelo artigo 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional.

Ainda que dispensado nos termos referidos, o Advogado pode manter o segredo profissional. O Advogado é, pois, nos termos da lei, o único a quem é reconhecida legitimidade activa para solicitar, se assim o entender, dispensa do dever segredo.

 

As leis processuais penal e civil, porém, consagram um regime de excepção. De harmonia com este regime, que será o relevante no caso ora em apreço, a regra continua a ser a de o Advogado poder (e, à luz do EOA, “dever”) escusar-se a depor sobre factos abrangidos pelo dever de segredo profissional. Deduzida a escusa perante o Juiz ou perante a autoridade judiciária que presidir ao acto, poderão suscitar-se dúvidas, que deverão ser fundadas, acerca da legitimidade da invocação do sigilo profissional e da escusa em depor que o mesmo fundamenta – cfr. n.º 2 do artigo 135º do CPP. Quando tal acontecer, como no caso vertente, o Juiz decide sobre a legitimidade da escusa depois de ouvida a Ordem dos Advogados – cfr. n.º 4 do artigo 135º do CPP.

 

Nesta sede, o que terá de se aferir é se o Advogado está ou não a invocar correctamente o dever de segredo profissional, o que implica que os factos sobre os quais se pretende que venha a depor deverão constituir matéria abrangida no âmbito do sigilo.

 

Cumprirá, pois, indagar se os factos acerca dos quais deverá incidir o pretendido depoimento do Senhor Advogado Dr. - se deverão ter por abrangidos pela esfera de protecção do sigilo profissional.

 

Estipula o n.º 1 do artigo 87º do EOA que o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

Ou seja, a obrigação de guardar sigilo profissional recai apenas sobre os factos que sejam praticados ou de que o Advogado tome conhecimento quando está a exercer a sua profissão, quando pratica um qualquer acto próprio da profissão.

Fora deste contexto, não existe sigilo profissional a proteger.

No caso vertente, os elementos que foram colocados à nossa disposição pelo Tribunal nem permitem, só por si, concluir com o rigor que a matéria exige concluir pela existência, ou não, de sigilo profissional.

 

Contudo, considerando que a continuação da audiência de discussão e julgamento se encontra agendada para o próximo dia 14 de Janeiro, tendo, por conseguinte, sido solicitada urgência na nossa resposta, sempre diremos o seguinte. 

 

O exercício das estritas funções de instrutor de um processo disciplinar laboral não constitui acto próprio de Advogado.

O Advogado que pratique actos de instrução num processo disciplinar laboral não está no exercício da profissão.

Que não é um acto próprio da Advocacia, pode concluir-se desde logo do simples cotejo da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, que define o sentido e o alcance dos actos próprios dos Advogados.

E mais ainda.

De acordo com o artigo 356º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, a instrução do processo disciplinar pode ser feita pelo próprio empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, que poderá ser um Advogado ou não.

E, o instrutor do processo disciplinar, ainda que Advogado, fica apenas sujeito aos deveres que resultam do Código do Trabalho.

 

Quando um Advogado assume as funções de instrutor num determinado processo disciplinar não actua em representação de alguém, nesta situação concreta não há cliente do Advogado.

Nestes casos, o papel desempenhado pelo Advogado consiste unicamente na recolha de factos com vista à elaboração de um relatório final que determine a existência, ou não, de um ilícito disciplinar.

Ora, não se podendo qualificar a actividade do Advogado instrutor como actividade própria da advocacia, não poderão os factos conhecidos nas estritas funções de instrutor ser enquadrados nas situações previstas no artigo 87º do EOA.

 

Contudo, tal entendimento, isto é, a não-sujeição a sigilo, está restrita à literalidade documental e à regularidade procedimental dos factos constantes do processo disciplinar.

 

Assim, um Advogado instrutor de um processo disciplinar laboral já estará sujeito a sigilo quanto aos factos (i) cuja fonte de conhecimento directo ou indirecto seja exterior ao processo instruído; (ii) que lhe tenham sido transmitidos no âmbito da sua actividade de Advogado e/ou por causa dessa sua qualidade; (iii) que não sejam do conhecimento público ou que lhe tenham sido transmitidos pelo empregador ou terceiros.

E, frise-se, que esta sujeição a sigilo nos termos enunciados em (i), (ii) e (iii) supra mantém-se mesmo que esses factos sigilosos constem também do processo disciplinar laboral.

 

Lisboa, 9 de Janeiro de 2014.


A Assessora Jurídica do C.D.L.

  

Sandra Barroso


Concordo e homologo o Despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Janeiro de 2014.  

 

O Vice-Presidente do Conselho Distrital de Lisboa

(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)

 

António Neves Laranjeira

Sandra Barroso

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