Pareceres do CRLisboa

Consulta nº 36/2014

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CONSULTA N.º 36/2014


    Requerente:  
            

Assuntos:
•    Mediação Imobiliária
•    Procuradoria Ilícita
•    Elaboração de Contratos por Advogado a favor de clientes de Agência de Mediação Imobiliária

 
CONSULTA


Por Ofício que deu entrada no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no passado dia 27 de Junho de 2014 com o nº-, solicitou a Exma. Sra. - que este Conselho se pronunciasse sobre um pedido de informação apresentado por Advogado com escritório em local abrangido pela competência territorial dessa Delegação.
A questão colocada pelo requerente consiste em saber se pode um Advogado “patrocinar Agências Imobiliárias, elaborando contratos de qualquer natureza para essas imobiliárias, contratos esses subscritos pelos clientes dessas agências imobiliárias, isto é, por pessoas que procuram os serviços dessas agências imobiliárias.”  


PARECER


Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.


Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.


Isto quer dizer, por outras palavras, que as matérias sobre as quais a Ordem se deve pronunciar para efeitos do referido artigo deverão circunscrever-se à matéria relacionada com o exercício da profissão.


Ora, não obstante o pedido de informação ter um carácter algo genérico, entendemos que o mesmo configura uma “questão de carácter profissional”, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), que define a competência material do Conselho, uma vez que, conforme é referido pelo Advogado que apresentou o de pedido informação, “a dúvida em concreto, se circunscreve à  [- ] ou ao exercício de colegas da  - ],  pelo que há que proceder à emissão de parecer quanto à questão colocada.”


Ainda assim, não poderemos deixar de alertar que o sentido do nosso parecer não poderá deixar de ser tido como tendo um alcance genérico, não correspondendo a qualquer tipo de apreciação de determinada conduta por Advogado ou Advogados que possam estar envolvidos, para a qual existem órgãos e procedimentos específicos.


Feitas estas considerações prévias, haverá agora que proceder à emissão do solicitado Parecer.


Conforme tivemos oportunidade de já no passado abordar , o Decreto-Lei nº49/2004 de 24 de Agosto (doravante denominada por LAP) veio, pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional, regular e definir aquilo que são os actos próprios da profissão de Advogado e de Solicitador, salvaguardando a prática de determinado tipos de actos aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e aos solicitadores inscrito na Câmara dos Solicitadores (art. 1, nº1 da LAP).


A Lei elenca ainda no seu art. 1, nºs 5 e 6 os actos cuja prática reserva aos Advogados e aos Solicitadores quando exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de uma actividade profissional (excepto quando a lei estabeleça o contrário). São eles:

a) O exercício do mandato forense;
b) A consulta jurídica.
c) A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;
d) A negociação tendente à cobrança de créditos;
e) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários.


Os referidos actos apenas podem ser praticados por escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados, por solicitadores ou por advogados e solicitadores, as sociedades de advogados, as sociedades de solicitadores e os gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores, sendo proibido o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e dos solicitadores (art. 6º da LAP).


Por outro lado, e quanto à actividade de mediação imobiliária, esta verifica-se legalmente enquadrada, nos termos do art. 2º da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro (doravante denominada por LMI), como sendo aquela que consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.


Apesar da LMI dar a possibilidade às empresas de mediação imobiliária de obterem documentação e informação necessários à concretização dos negócios objecto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem (art. 2º, nº4), encontra-se fora do âmbito legal da sua actividade a negociação (ou assessoria na negociação) de contratos que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis (bem como a permuta, trespasse ou arrendamento dos mesmos, ou a cessão de posição em contratos que tenham por objecto bens imóveis).


Isto significa que a prestação de serviços de negociação (ou assessoria na negociação) em questões jurídicas relacionadas com os referidos contratos encontra-se vedada às empresas de mediação imobiliária – o que inclui, naturalmente a redacção ou facilitação de minutas de contratos.


Outra questão prende-se com a possibilidade de contratação de Advogados para a prestação deste tipo de actos para clientes de uma empresa de mediação. É verdade que nada impede que um Advogado intervenha na redacção e negociação de contratos em que a empresa, sua cliente, é parte. Contudo, questão bem diferente se trata quando essa intervenção é solicitada para a redacção e negociação de contratos em que são partes clientes da empresa (e não esta) e/ou outros terceiros, com os quais o Advogado não tem qualquer tipo de relação profissional.


À primeira vista poder-se-ia dizer que sendo o acto em si praticado por quem tem competência legal para o fazer, isto é, pelo Advogado, a questão estaria resolvida. Contudo, assim não sucede. É que a Lei, na leitura conjugada do art. 1º, nº6. a) e art. 6º da LAP, não permite que as empresas de mediação imobiliária ofereçam ou pratiquem esse tipo de serviços aos clientes, que são necessariamente prestados no interesse dos seus clientes e no âmbito da actividade profissional da empresa.

E não se poderá invocar que os mesmos são prestados na prática e de forma mediata por Advogado, uma vez que nesse tipo de situações a relação material subjacente não deixará necessariamente de ser estabelecida entre a empresa e os clientes desta – e é a este nível a que questão deve ser encarada.


Para além da violação da LAP, a prática, por um Advogado, de actos a terceiros que são clientes da empresa de mediação imobiliária para a qual presta serviços de Advocacia (não sendo esses terceiros seus clientes), e no que concerne ao Advogado em si mesmo, entra em colisão com o cumprimento de outros deveres deontológicos, quais sejam a dignidade e independência do Advogado (art.s 82 e 83 do EOA), o dever de segredo profissional a que está sujeito (art. 87º do EOA), bem como propicia o aparecimento de situações de conflitos de interesses (art. 94º do EOA) e angariação de clientela (art. 85º do EOA) .


Em conclusão:


1.    De acordo com o art. 6º Decreto-Lei nº49/2004 de 24 de Agosto do mesmo diploma legal, é proibido o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e dos solicitadores;
2.    A elaboração de contratos (ou a prestação de aconselhamento jurídico na elaboração dos mesmos) por uma empresa de mediação imobiliária no exercício da sua actividade para os seus clientes, e em que aquela empresa não é parte, constitui uma prática ilegal, por serem actos que, nos termos do art. 1, nºs 5 e 6 do referido diploma, são da competência reservada dos Advogados e Solicitadores;
3.    É irrelevante o facto dos referidos actos em si serem praticados por um Advogado contratado pela empresa de medição imobiliária, uma vez que nesse tipo de situações a relação material subjacente não deixará necessariamente de ser estabelecida entre a empresa e os clientes desta – e é a este nível a que questão deve ser encarada.
4.    Acresce que a elaboração de contratos (ou a prestação de aconselhamento jurídico na elaboração dos mesmos) a solicitação de uma empresa de mediação imobiliária no exercício da sua actividade para os clientes desta – não sendo a empresa parte nesses contratos, entra em colisão com o cumprimento de outros deveres deontológicos, quais sejam a dignidade e independência do Advogado (art.s 82 e 83 do EOA), o dever de segredo profissional a que está sujeito (art. 87º do EOA), bem como propicia o aparecimento de situações de conflitos de interesses (art. 94º do EOA) e angariação de clientela (art. 85º do EOA).

 

Lisboa, 24 de Novembro de 2014


(O Assessor Jurídico do CDL)


Rui Souto


Aprovado em Sessão Plenária do Conselho Distrital de Lisboa de 26 de Novembro de 2014

 

Rui Souto

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