Pareceres do CRLisboa

Consulta nº 20/2014

CONSULTA N.º 20/2013


Informação Sintética


A Exma. Senhora Dra. -, Adjunta e Substituta da Directora do Estabelecimento Prisional de - veio solicitar a emissão de Parecer quanto a uma situação de eventual impedimento de manutenção de mandato, que subsume ao disposto no artigo 78º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, (de ora em diante designado Estatuto).


A factologia subjacente ao presente pedido de Parecer é a que passamos a enunciar.


Em 18.03.2013, o recluso X recebeu a visita do seu Advogado, Senhor Dr. A, titular da cédula profissional n.º -.


Terminada a visita, o recluso foi de imediato submetido a uma revista por desnudamento, tendo-se verificado que ele tinha, escondidos nos boxers, cinco telemóveis da marca Samsung.


Em sequência, a Exma. Senhora Directora do Estabelecimento Prisional determinou a abertura de processo disciplinar comum, nos termos do disposto no artigo 165º do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, tendo o recluso sido constituído arguido.


Paralelamente, foi mandado instruir processo de inquérito contra o Senhor Dr. A, na qualidade de visado, com vista à eventual proibição de visita, nos termos do artigo 65º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade.


Foi agendada a data para o interrogatório do recluso arguido, que declarou pretender ser assistido pelo Senhor Dr. A.


Contudo, existindo dúvidas sobre a compatibilidade de defesa por parte do Senhor Advogado em causa, foi o recluso arguido notificado de que deveria indicar outro Advogado, a fim de ser marcada nova data para audição, sendo ainda informado que findo aquele prazo, sem nada dizer, o processo seguiria os seus trâmites sem a sua audição, uma vez que lhe foi facultado o direito de ser assistido por Advogado e não o exerceu.


Em sequência, o Senhor Dr. A pronunciou-se, solicitando a marcação de nova data para interrogatório, mantendo a sua pretensão de continuar a ser Advogado do recluso arguido, invocando estarem a ser colocados em causa os direitos de defesa do arguido.


Considerando o exposto, é solicitada a nossa pronúncia quanto à questão de saber se, face ao estatuído no artigo 78º do Estatuto, o Senhor Dr. A se poderá manter, ou não, como Advogado do recluso arguido no processo disciplinar comum.


Opinião


O valor da confiança – plasmado no artigo 92º do Estatuto –, constitui, sem dúvida, um dos pilares essenciais da deontologia, nele se alicerçando o interesse público da profissão, já que sem ele jamais poderiam os Advogados garantir a função social que lhes está cometida como representantes dos cidadãos perante a administração da justiça, o que implica o reconhecimento pleno do seu papel como confidentes necessários.


A relação de confiança entre cliente e Advogado dever considerar-se condição “sine qua non” da representação profissional do Advogado.


O Advogado deve sempre manter e aprofundar a relação de confiança com o cliente, cumprindo escrupulosamente todos os deveres deontológicos impostos pelos artigos 93º a 102º do Estatuto.


O princípio da escolha livre e directa do Advogado pelo mandante ou interessado, consignado no artigo 93º n.º 1 do Estatuto[1], é a única que garante a necessária relação de confiança entre o Advogado e o seu cliente


Ao arguido assegura a Lei Fundamental no seu artigo 32º todas as garantias de defesa.


De entre elas, consagra a Lei Fundamental o direito do arguido escolher defensor e a ser por ele assistido, aplicável no caso presente por força do n.º 10 do artigo 32º.


Qualquer limitação desse direito sem suporte legal, enfermará inevitavelmente de ilegalidade por violação, quer da Constituição da República Portuguesa, quer da lei ordinária e, nomeadamente, do Estatuto.


De resto, e tal como a questão nos é colocada, julgamos que o que se pretende é apurar a eventual violação de normas estatutárias por parte do Senhor Dr. A, impeditiva da continuação do mandato que lhe foi conferido pelo recluso.


A verificação dos factos que são imputados, ou que se pretende ver imputados, ao Senhor Dr. A implicaria necessariamente uma pronúncia sobre a sua responsabilidade (ou não) disciplinar o que, manifestamente, extravasa a competência material que por lei nos é atribuída, já que tal matéria é da estrita competência dos Conselhos de Deontologia, conforme decorre da alínea b) do artigo 54º do Estatuto.


Quanto a este ponto em particular, refira-se que a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Serviço de Auditoria e Inspecção (Delegação XXX ), já apresentou a competente participação junto do Conselho de Deontologia de XXXX.


Na comunicação que nos foi dirigida, informa ainda a Senhora Adjunta e Substituta Legal da Directora que “Paralelamente, foi mandado instruir processo de inquérito, em que o Sr. Dr. A irá ser interrogado na qualidade de visado, a fim de se decidir da eventual proibição de visita, nos termos do art.º 65º do CEP”.


E quanto a este ponto, permitimo-nos referir o seguinte.


O regime de visitas do recluso está consagrado no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade[2] e no Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais[3].


Sob a epígrafe “Não autorização e proibição de visita”, preceitua o n.º 1 do artigo 65º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade o seguinte:


“O director do estabelecimento prisional pode não autorizar a visita quando não se verifiquem os pressupostos previstos no presente capítulo e pode proibir a visita de pessoas que ponham em perigo a segurança e ordem do estabelecimento ou possam prejudicar a reinserção social do recluso”.


Não obstante, preceitua o n.º 6 dessa mesma norma legal que a não autorização e proibição de visita não se aplica, nomeadamente, às visitas previstas no artigo 61º, ou seja, às visitas de Advogados.


Face a esta norma excepcional expressa, entendemos que escapa ao poder da Directora do Estabelecimento Prisional de  XXXX impedir o Senhor Dr. A de visitar o seu constituinte.


Sem prejuízo, obviamente, do direito que assiste ao recluso de impugnar junto do Tribunal de Execução de Penas a legalidade da decisão de não autorização que eventualmente possa vir a ser tomada sobre esta questão.

 

Lisboa, 10 de Outubro de 2014.

 

A Assessora Jurídica do CDL


Sandra Barroso

 

Concordo e homologo a Informação Sintética que precede, nos precisos termos e limites aí fundamentados.


Notifique-se.


Lisboa, 10 de Outubro de 2014.


O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa

António Jaime Martins


[1] Vide também, a contrario sensu, o artigo 85º n.º 2, alínea h) do Estatuto.

[2] Aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, posteriormente alterada e aditada pelas Leis n.ºs

40/2010, de 3 de Setembro e 21/2013, de 21 de Fevereiro.

[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de Abril.

Sandra Barroso

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