Pareceres do CRLisboa

Consulta nº23/2014

CONSULTA N.º 23/2014

Informação Sintética

Através de comunicação escrita, registada com o n.º - , e recebida no dia 15 de Abril de 2014, nos Serviços do Conselho Distrital de Lisboa, a Senhora Advogada Dra. A, titular da cédula profissional n.º -, veio solicitar a pronúncia do Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados quanto à questão que passamos a enunciar.

Entre 2010 e os três primeiros meses de 2013, a Senhora Advogada Consulente foi mandatária do “ X ” em diversas acções judiciais.

Findo o mandato, a Senhora Advogada Consulente apresentou a respectiva conta de honorários no valor global de x € .

No momento da apresentação da conta de honorários, a Senhora Advogada Consulente entendeu fazer um abatimento de x% sobre o valor global dos seus honorários, justificando aquele, em email dirigido ao antigo cliente, nos seguintes termos:

“…”

Volvido um ano após a conta ter sido apresentada, a mesma não foi ainda paga, tendo, nesse hiato de tempo, sido trocada entre as partes diversa correspondência, na qual o antigo constituinte põe em causa os serviços prestados pela Senhora Advogada Consulente, bem como a sua honestidade, verticalidade e integridade.

Pretendendo reclamar em juízo o crédito de que é titular, vem a Senhora Advogada Consulente questionar se poderá agora peticionar o valor global dos seus honorários, já que entende que “…”.

Vejamos então.

Principiaremos por enfatizar que a competência material prevista no artigo 50º n.º 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro)[1], deve ser entendida sem prejuízo da competência específica atribuída a outros órgãos em determinadas matérias, e desde logo, e para o que no caso presente releva, em matéria de laudos sobre honorários e acção disciplinar.

A pronúncia a emitir ao abrigo da mencionada normal legal, mais não constitui de que um mero acto opinativo de natureza pericial e, no caso presente, de carácter não obrigatório, e não vinculativo.

Cabe-nos, portanto, nesta sede, emitir uma mera opinião de natureza jurídico-deontológica sobre a questão que nos foi colocada.

Começaremos por referir que o contrato de mandato forense é uma forma especial do contrato de mandato civil, o qual, nos termos do disposto no artigo 1158º do Código Civil, se presume oneroso.

Os requisitos ou factores valorativos determinantes para a quantificação dos honorários são, única e exclusivamente, os previstos no artigo 100º do Estatuto, subordinados a um princípio geral de adequação dos honorários.

Com base nestes[2], a Senhora Advogado Consulente fixou os seus honorários em X, montante que, ao abrigo da liberdade contratual, a Senhora Advogada Consulente entendeu reduzir em X%, com base num determinado pressuposto que, entretanto, deixou de se verificar.

Situação que, do ponto de vista do direito civil, poderá enquadrar-se nos chamados vícios na formação da vontade.

A questão que se coloca é a de saber se, neste contexto, será do ponto de vista deontológico admissível que a Senhora Advogada Consulente agora peticione em juízo o valor global constante da conta de honorários.

Avancemos então na nossa análise.

Para além dos interesses privados, o Advogado serve o interesse público, pois participa, desempenhando uma função essencial, na realização da justiça, como decorre do artigo 208º da Lei Fundamental.

E essa função de indesmentível interesse público exige e pressupõe que o Advogado paute o seu comportamento por um conjunto de exigentes regras ético-jurídicas que constituem a chamada Deontologia Profissional.

“A Deontologia é o conjunto de regras ético-jurídicas pelas quais o advogado deve pautar o seu comportamento profissional e cívico. (...) O respeito pelas regras deontológicas e o imperativo da elevada consciência moral, individual e profissional, constitui timbre da advocacia.” – António Arnaut, Iniciação à Advocacia – História – Deontologia – Questões Práticas, p. 49 e 50, 3ª Edição, Coimbra Editora, 1996.

O Advogado, no exercício da sua profissão está, assim, vinculado ao cumprimento de um conjunto de deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda àqueles que a lei, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhe impõem. O cumprimento escrupuloso e pontual de todos esses deveres garante a dignidade e o prestígio da profissão.

Nestes termos, dispõe o n.º 1 do artigo 83º do Estatuto, que o advogado deve “ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem”.

O Advogado tem, em qualquer circunstância, de ser, e parecer, sério.

O Advogado no exercício da profissão está sujeito a regras concretas de comportamento que, a não serem observadas, implicam sanções disciplinares, como resulta do artigo 110º do Estatuto.

São grandes princípios gerais da deontologia, entre outros, a integridade, a honestidade, a probidade, a rectidão, a sinceridade.

E, desde já se diga que, em termos puramente abstractos, não vemos que o facto da Senhora Advogada Consulente vir a peticionar o valor global dos honorários ponha em causa qualquer destes princípios.

A redução da conta de honorários assentou num determinado pressuposto que, pura e simplesmente, deixou de se verificar.

Sendo agora legítimo que a Senhora Advogada requerente pretenda peticionar o valor que entendeu justo e adequado apresentar ao cliente por força dos serviços jurídicos prestados.

Sem prejuízo, não podemos olvidar que constituem também princípios essenciais específicos das relações com o cliente, o princípio da confiança (recíproca) e o princípio da informação, previstos, respectivamente, nos artigos 92º n.º 1 e 95º n.º 1, alínea a)[3], ambos do Estatuto.

E, concatenando estes dois princípios, e no que em particular respeita ao princípio da informação por interpretação extensiva da mencionada norma legal, é nosso entendimento que, antes da agir judicialmente contra o antigo constituinte, deverá a Senhora Advogada Consulente informá-lo de que na acção a instaurar será peticionado o valor global da conta de honorários apresentadas em xx.xx.2013, explicitando as razões que subjazem a tal decisão.

É esta a nossa opinião sobre a questão que nos foi colocada.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014.

A Assessora Jurídica do CDL
Sandra Barroso

Concordo e homologo a Informação Sintética que precede, nos precisos termos e limites aí fundamentados.

Notifique-se.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014.

O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
António Jaime Martins 



[1] Nos termos do qual compete ao Conselho Distrital, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional.

[2] E que, sublinhe-se mais uma vez, não nos cabe, neste sede, apreciar, já que está em causa matéria da exclusiva competência das secções do Conselho Superior, como decorre do artigo 43º n.º 3, alínea e) do Estatuto.

[3] Quanto ao princípio da informação, preceitua o artigo 95º n.º 1, alínea a), nomeadamente, que é dever do Advogado prestar informação sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado.

Sandra Barroso

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