Pareceres do CRLisboa

Consulta nº37/2014

INFORMAÇÃO SINTÉTICA

Analisada a questão que nos foi colocada pelo Senhor Advogado Dr. A (entrada com o número de registo -), concluímos que o que lhe está subjacente é a Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto – Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores.

Vejamos então.

A Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores corresponde a algo que a advocacia reclamava desde há muito tempo: a definição do sentido e do alcance dos actos próprios do Advogado. E isto com dois objectivos claros.

Por um lado, a necessidade de caracterização do que é o núcleo fundamental de serviços prestados por Advogados, para uma melhor compreensão do que é a Advocacia, bem como o seu papel e importância para a sociedade. E, por outro, a defesa dos particulares das cada vez mais sofisticadas e diversificadas formas de procuradoria ilícita, a qual acarreta graves consequências para os cidadãos e para a comunidade em geral, por via do recurso ao apoio jurídico junto de quem não se encontra legal e praticamente habilitado a prestá-lo.

Assim, veio reservar-se apenas aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e aos solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores a prática dos actos próprios dos Advogados e dos Solicitadores – cf. art. 1º, n.º 1 e artigo 61º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro).

Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são actos próprios da profissão:

    O exercício do mandato forense, que corresponde ao mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz (art. 1º, n.º 5 e art. 2º);
    A consulta jurídica, qualificando-se esta como a actividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação de terceiro (art. 1º, n.º 5 e art. 3º);
    A elaboração de contratos e a prática de actos próprios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais (art. 1º, n.º 6, al. a);
    A negociação tendente à cobrança de créditos (art. 1º, n.º 6, al. b);
    O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários (art. 1º, n.º 6, al. c).

São ainda actos próprios, neste caso apenas dos Advogados, todos os que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade, bem como nos casos em que o processo determinar que o arguido seja assistido por defensor (art. 1º, n.ºs 9 e 10).

Os actos reservados por lei a estas duas profissões apenas podem ser praticados por Advogado ou Solicitador quando os serviços sejam prestados de forma isolada ou integrados em escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados, solicitadores, advogados e solicitadores, sociedades de advogados e sociedades de solicitadores, bem como por gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores.

Fora deste contexto, a lei proíbe expressamente o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e dos solicitadores (art. 6º, n.º 1).

Existem, contudo, algumas excepções a este princípio geral, previstas quer na própria Lei n.º 49/2004 quer também em lei especial (o que, para o caso vertente, não releva).

Na Lei n.º 49/2004, encontra-se legalmente prevista a possibilidade de prestação de consulta jurídica:

    Por juristas de reconhecido mérito, mestres e doutores em direito inscritos para o efeito na Ordem dos Advogados – cf. artigo 1º, n.º 2.
    Por docentes das faculdades de direito através de pareceres escritos – cf. artigo 1º, n.º 3.
    Pelos sindicatos e associações patronais, desde que os actos praticados o sejam para defesa exclusiva dos interesses comuns e, em concreto, individualmente exercidos por Advogado, Advogado Estagiário ou Solicitador – cf. artigo 6º, n.º 3.


A lei admite, ainda, a possibilidade da prestação de actos qualificados como próprios da Advocacia e da Solicitadoria por entidades sem fins lucrativos, que requeiram o estatuto de utilidade pública, desde que, nomeadamente:

    No pedido de atribuição se submeta a autorização específica a prática de actos próprios de Advogados e Solicitadores.
    Os actos próprios praticados por estas entidades sem fins lucrativos devem ter como escopo a defesa exclusiva dos interesses comuns em causa, e nunca interesses individuais – cf. art.º 6. n.º 4, al. b).
    Os actos próprios assim praticados têm de ser individualmente exercidos por Advogado, Advogado Estagiário ou solicitador – cf. art.º 6. n.º 4, al. c).



E que dizer no caso vertente?

Estritamente de acordo com os elementos que foram colocados à nossa disposição, diremos que o “ X ” pretende prestar aconselhamento jurídico aos seus associados.

Como resulta do pedido formulado, o “ X ” é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, portanto, sem qualquer finalidade lucrativa.

Lidos os Estatutos do Centro, conclui-se que não está prevista no seu objecto social a prestação de aconselhamento jurídico.

Nos termos do disposto no artigo 6º n.º 4 da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, poderá o Centro solicitar autorização para a prática de actos próprios de advogados e solicitadores, desde que se mostrem reunidos os pressupostos exigidos pela norma legal em causa.

Contudo, a nosso ver, o aconselhamento jurídico que se pretende implementar dirige-se à satisfação de interesses individuais e não à “defesa exclusiva dos interesses comuns em causa”, entendidos estes como sendo os interesses comuns a todos os associados.

Fora do condicionalismo previsto no artigo 6º da Lei dos Actos Próprios dos Advogados, o Centro não poderá prestar o aconselhamento jurídico pretendido, estando-lhe tal actividade vedada por lei, consubstanciando, inclusive, um crime de procuradoria ilícita, tipificado no artigo 7º da Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores.

Mas, também os Advogados que fora deste enquadramento legal venham a prestar a consulta jurídica pretendida pelo Centro poderão incorrer em responsabilidade disciplinar, já que, embora esteja em causa a prática de um acto para o qual estão indubitavelmente habilitados, tal acto seria praticado de forma claramente ilegal. Isto, sem prejuízo, da violação dos demais deveres plasmados no Estatuto, como será desde logo o caso do dever plasmado na alínea h) do n.º 2 do artigo 85º, que estipula que constitui dever do Advogado para a comunidade “Não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa”.

Sem prejuízo do exposto, permitimo-nos referir o seguinte.

As situações de carência económica que condicionem ou impossibilitem o recurso aos serviços de um Advogado têm acolhimento no sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, actualmente regulado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.

Regula-se nos artigos 14º e seguintes da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a forma como deve ser efectivada, em concreto, a prestação da consulta jurídica a quem reúna as condições legais para usufruir deste benefício.

Deste regime, decorrem os seguintes princípios axiomáticos:


    A consulta jurídica será prestada em gabinetes de consulta jurídica ou nos escritórios dos Advogados que adiram ao sistema de acesso ao direito (art.º 15º, n.º 1).
    Este serviço deverá, tendencialmente, cobrir todo o território nacional (art.º 15, n.º 2).
    A criação de gabinetes de consulta jurídica, bem como as suas regras de funcionamento, serão objecto de aprovação por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ouvida a Ordem dos Advogados (art.º 15, n.º 3).
    Os gabinetes de consulta jurídica podem abranger a prestação de serviços por solicitadores em moldes a acordar entre a Câmara dos Solicitadores, a Ordem dos Advogados e o Ministério da Justiça (art.º 15º, n.º 4).


A alteração que a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sofreu por força da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, veio, contudo, trazer uma inovação de grande importância ao sistema consagrado, porventura devido à constatação das dificuldades sentidas pelo Estado no que respeita à obrigação que lhe incumbe de criar de gabinetes de consulta jurídica em número suficiente a assegurar adequadamente a cobertura das necessidades sociais.

Assim, o n.º 5 do artigo 15º daquele diploma dispõe que a prestação da consulta jurídica, nos moldes atrás descritos, não obsta à sua prestação por outras entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, fora do regime do Acesso ao Direito, nos termos da lei (entre as quais as que se prevêem na Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores, conforme já vimos) ou a definir por protocolo celebrado entre estas entidades e a Ordem dos Advogados, sujeito a homologação pelo Ministério da Justiça.

Notifique-se.

Lisboa, 25 de Setembro de 2014.

O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
António Jaime Martins 

A Jaime Martins

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