Pareceres do CRLisboa

Consulta nº52/2011

Consulta n.º 52/2011


OBJECTO


Veio o Senhor Advogado Dr. A solicitar, nos termos do disposto no artigo 50º n.º 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro), a emissão de Parecer quanto à questão que passamos a enunciar.


Até meados de Abril de 2010, o Senhor Advogado Consulente exercia a sua actividade profissional na Sociedade de Advogados “ X ”, da qual era sócio.


Neste contexto, o Senhor Advogado Consulente patrocinou judicialmente a sociedade comercial denominada “ B.”, C, gerente da B, e cônjuge, D, em diversas acções.


Em Abril de 2010, o Senhor Advogado Consulente cedeu a sua quota na “ X ”, passando a exercer a sua actividade profissional em prática isolada.

Após a saída da “ X ”, o patrocínio da B, de C e de D, mormente, no âmbito dos processos n.º -  e n.º - , passou a ser assegurado, exclusivamente, pelo Senhor Advogado Consulente.

Em Novembro de 2011, os constituintes do Senhor Advogado Consulente solicitaram-lhe o patrocínio, nomeadamente, no âmbito da acção actualmente pendente no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais – Instância Local, Secção Cível,- , sob o n.º -, em que é Autora a Sociedade de Advogados “ X ”.

Nesta acção, peticiona a Autora, designadamente, o pagamento dos honorários por referência às prestações de serviços no âmbito das acções n.º -  e - .

Neste contexto, tem o Senhor Advogado Consulente dúvidas quanto à admissibilidade da aceitação/continuação de tal patrocínio “uma vez que o ora Consulente, ao tempo da execução de algumas das prestações de serviço, agora objecto da acção de honorários, ainda era sócio da referida Sociedade de Advogados, agora Autora (…)”.

Em sede de esclarecimentos complementares, foi o Senhor Advogado Consulente notificado para esclarecer “se teve alguma intervenção nos serviços jurídicos prestados quando ainda era sócio da Sociedade de Advogados X  aos clientes em causa e cujo pagamento é agora reclamado em juízo”.

Em sequência, veio o Senhor Advogado Consulente esclarecer o seguinte: “Do que percebo da acção de honorários interposta pela sociedade de Advogados X, enquanto foi sócio da referida Sociedade, apenas intervim no âmbito de um dos processos (processo n.º - , do -  Juízo Cível de Cascais), sendo que, relativamente a todos os outros, não tive qualquer intervenção e, em alguns deles, sequer conhecimento”.

Sublinhe-se que, aquando da apresentação do presente pedido de Parecer, o Senhor Advogado Consulente solicitou “a máxima urgência”, uma vez que havia sido requerida (e deferida) a suspensão da instância pelo prazo máximo de 30 (trinta) dias.
Neste contexto, e procurando responder atempadamente ao solicitado, foi o Senhor Advogado Consulente informado, por contacto telefónico, da posição do então Senhor Vogal responsável pela Parecerística, de que estava estatutariamente impedido de continuar a representar os Réus, em virtude de ter tido intervenção num dos processos cujos honorários são agora peticionados em juízo.

A presente pronúncia mais não do que representa que a formalização daquele entendimento.

 

Da competência consultiva do Conselho Distrital de Lisboa

Nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante Estatuto), compete aos Conselhos Distritais pronunciarem-se sobre questões de carácter profissional, que se suscitem no âmbito da sua competência territorial.

A competência consultiva dos Conselhos Distritais está, assim, limitada pelo Estatuto a questões inerentemente estatutárias.

Isto é, as que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que regulam e orientam o exercício da profissão, maxime as que decorrem das normas do Estatuto, do regime jurídico das Sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido pela lei aos órgãos da Ordem dos Advogados.

A matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma questão de carácter profissional nos termos descritos, pelo que haverá que proceder à emissão de Parecer quanto à questão que nos foi colocada.


ANÁLISE E ENQUADRAMENTO ESTATUTÁRIO

A Advocacia tem uma origem nobre, no verdadeiro sentido da palavra: nasceu pela necessidade moral de defender os fracos e os justos.

Aos Advogados está reservado o exercício do patrocínio forense e este encontra-se constitucionalmente consagrado como indispensável e essencial à Administração da Justiça – cf. artigo 208º da Constituição da República Portuguesa.

A lei positivou este princípio ao postular que “o advogado é indispensável à administração da justiça” (cf. artigo 83º n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2015, de 26 de Janeiro) e conferiu-lhe um conjunto de direitos e deveres sem os quais ficaria desamparado no exercício de tão importante função.

Sem Advocacia não há plena cidadania, nem administração da justiça, nem realização do Estado de Direito.

Os Advogados participam na administração da justiça e, por tal razão, devem assumir um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função, cumprindo os deveres consignados no seu Estatuto e demais impostos por lei, pelos usos, pelos costumes e pelas tradições da profissão.

A dignidade, a nobreza, a elevação, a honestidade, a liberdade, a probidade, a rectidão, a lealdade, a cortesia, a sinceridade e a independência são alguns dos predicados que integram as obrigações profissionais do Advogado.

A Advocacia é uma actividade de natureza liberal, mas que prossegue um notório e determinante interesse público.
Neste sentido, é detentora de uma função de grande relevância social.

Enquanto cidadãos e Advogados devemos participar activa e construtivamente no nosso desígnio constitucional e legal de pilares essenciais na administração da justiça, da realização do Estado de Direito e defensores dos direitos dos cidadãos.

O Advogado deve mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que são inerentes ao exercício de tão nobre quão humanista profissão, bem como “fazer por merecer” pertencer a uma classe profissional independente e liberal.

Até à perda irremediável da imagem de nobreza, dignidade, respeito, rectidão, solidariedade e lealdade, que devem estar associados ao Advogado e ao exercício da Advocacia e sem os quais esta não sobreviverá, vai um pequeno passo.

O Advogado tem, em qualquer circunstância, de ser, e parecer, sério.

Exige-se que, no exercício da profissão, o Advogado mantenha – sempre e em qualquer circunstância – a maior autonomia técnica, independência e isenção, de acordo com o preceituado nos artigos 76º e 83º do Estatuto.

À luz das considerações anteriormente expostas e dos princípios gerais atrás enunciados, diremos que, in casu, a mera circunstância do Senhor Advogado Consulente ter exercido a sua actividade profissional na “ X”, da qual foi sócio, não é, de per si, apta a pôr em causa a independência e a dignidade da profissão.

Está em causa uma mera questão de consciência do Senhor Advogado Consulente, a quem cabe ponderar se lhe repugna ou não litigar contra a Sociedade de Advogados da qual já foi sócio.

Contudo, no caso vertente, o Senhor Advogado Consulente teve intervenção nos serviços jurídicos prestados no âmbito de um dos processos cujos honorários são agora peticionados em juízo (processo n.º - , do - Juízo Cível de Cascais).

E, neste contexto, entendemos que existe um conflito com as regras deontológicas contidas no Estatuto, nomeadamente, os princípios gerais enunciados no artigo 76º n.ºs 1 e 2.

De facto, aquela circunstância é apta a pôr em causa a isenção, a independência e a dignidade da profissão, na medida em que esta situação factual pode criar perante terceiros a convicção (ainda que sob a forma de suspeita), do aproveitamento dos conhecimentos de que o Senhor Advogado Consulente obteve aquando da sua intervenção nos serviços jurídicos agora em causa nos autos.

E, refira-se que basta a mera suspeita, não sendo necessário que esse aproveitamento se verifique em concreto, já que a mens legis das normas estatutárias é necessariamente preventiva.

Por último, sublinhe-se que a pronúncia ora emitida ao abrigo do artigo 50º n.º 1, alínea f) do Estatuto, mais não constituiu de que um mero acto opinativo de natureza pericial, uma mera opinião de natureza jurídico-deontológica, de carácter não obrigatório, e não vinculativo.

E, assim sendo, não passível de recurso.


Lisboa, 27 de Maio de 2015.

A Assessora Jurídica do CDL
Sandra Barroso

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

Notifique-se.

Lisboa, 27 de Maio de 2015. 


O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
António Jaime Martins

 

Sandra Barroso

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