Pareceres do CRLisboa

Consulta nº7/2015


Consulta n.º 7/2015

Assunto:    

•    Segredo Profissional – Artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro).


OBJECTO

Veio a Exma. Senhora Juiz titular do processo n.º - , pendente no Tribunal da Comarca de Lisboa, Lisboa - Instância Central, - Secção Cível, -, solicitar a pronúncia do Conselho Distrital de Lisboa em matéria de sigilo profissional.

Pretende a Exma. Senhora Juiz ver esclarecida a questão de saber se os documentos juntos pela Senhora Advogada Dra. A com a Petição Inicial sob os n.ºs 5, 6 e 7, consubstanciam, ou não, violação do dever de sigilo a que a Senhora Advogada em causa possa, eventualmente, estar vinculada.


COMPETÊNCIA CONSULTIVA DO CONSELHO DISTRITAL DE LISBOA


Nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante apenas Estatuto), compete aos Conselhos Distritais pronunciarem-se sobre questões de carácter profissional que se suscitem no âmbito da sua competência territorial.

A competência consultiva dos Conselhos Distritais está, assim, limitada pelo Estatuto a questões inerentemente estatutárias, isto é, as que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que regulam e orientam o exercício da profissão, maxime as que decorrem das normas do EOA, do regime jurídico das sociedades de advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido pela lei aos órgãos da Ordem dos Advogados.

Ora, a matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma questão de carácter profissional nos termos descritos, pelo que há que proceder à emissão de parecer nos termos solicitados.


ANÁLISE E ENQUADRAMENTO ESTATUTÁRIO

A prossecução da Justiça e do Direito, verdadeiros objectivos da profissão de Advogado, implicam necessariamente que qualquer pessoa que tenha de recorrer aos serviços de um Advogado disponha de total confiança para que possa a este revelar os seus segredos, os seus interesses, sem qualquer receio de revelação dos mesmos (revelação essa que, a ser permitida, poderia colocar esses mesmos interesses em causa).

O regime do segredo profissional encontra-se, em larga medida, desenhado no artigo 87º do Estatuto.

O n.º 1 deste artigo contém aquilo que poderá caracterizar-se como a verdadeira regra geral do instituto jurídico-deontológico.

Aí se pode ler que “ O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.

Pode até afirmar-se, em certa medida, que as demais regras previstas nas diversas alíneas do n.º 1 são sobretudo explicitações ou pormenorizações daquela, que terão sido incluídas no Estatuto para salientar situações mais marcantes ou de maior dificuldade de interpretação.

Mas, o que seja segredo tem de ser aferido por três vias:
1.    pela forma como o conhecimento do facto chegou ao Advogado, quem o revelou e em que quadro fáctico;
2.    pelo teor do facto, que ajuda a perceber se tem ou não a natureza de segredo, pois nem tudo o que é revelado ao Advogado
é, em si, um segredo;
3.    pelas próprias circunstâncias do conhecimento e da revelação.

A análise feita através deste triplo crivo, ajuda a discernir o que é e o que não é segredo.

Contudo, e apesar de a tutela dos interesses do cliente ser um dos fundamentos do sigilo profissional, a verdade é que a latitude deste dever deontológico transcende a mera relação Advogado-cliente, estendendo-se, no que tange ao Advogado, a:

1.    factos que, por força de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados, qualquer colega, obrigado quanto aos mesmos factos ao segredo profissional, lhe tenha comunicado – alínea b);
2.    factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração – alínea c);
3.    factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do cliente ou pelo respectivo representante  - alínea d);
4.    factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise por termo ao diferendo em litígio – alínea e);
5.    factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, e em que tenha intervindo – alínea f).

O conceito de “factos” para efeitos do sigilo profissional é um conceito amplo e compreende não só os factos materiais susceptíveis de alegação, como os próprios documentos onde esses mesmos factos materiais estão contidos, como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 87º do Estatuto.

O que facilmente se alcança se tivermos em conta que o sigilo profissional se reporta a factos.

Do exposto se extrai que não é a mera circunstância de determinada correspondência se mostrar subscrita ou dirigida a Advogado que só por si, e ipso facto, a submete ao regime do sigilo profissional.

A correspondência subscrita ou dirigida a Advogado só ficará sujeita ao regime do sigilo profissional se contiver factos, em si mesmos, sigilosos.

Traçadas as linhas gerais que irão orientar o nosso pensamento, passemos de seguida à questão que ora nos ocupa, atendendo, estritamente, aos elementos que foram colocados à nossa disposição. 

Analisados os elementos colocados à nossa disposição, concluímos que os documentos juntos com a Petição Inicial sob os n.ºs
5, 6 e 7 são os que passamos a elencar:

1.    Doc. n.º 5: Carta datada de 8 de Junho de 2012, dirigida pelo ora Autor à ora Ré.
2.    Doc. n.º 6: Carta datada de 7 de Setembro de 2012, subscrita pela então Advogada da ora Ré, Senhora Dra. B, e dirigida
ao ora Autor.
3.    Doc. n.º 7: Carta datada de 27 de Setembro de 2012, subscrita pelo ora Autor e dirigida à Senhora Dra. B.
E estarão estes documentos abrangidos pela esfera de protecção do sigilo profissional?

Começaremos a nossa análise pelo Doc. n.º 5.

Este documento consubstancia uma mera interpelação directamente dirigida pelo ora Autor à ora Ré e, como tal, evidentemente não abrangida pelo dever de sigilo plasmado no artigo 87º do Estatuto, já que este apenas vincula os
Advogados e não as partes. 

Vejamos agora o Doc. n.º 6.

O documento em causa consubstancia uma mera resposta da Ré, por intermédio da sua Advogada, à interpelação que lhe foi dirigida pelo Autor.

Destina-se a mesma, exclusivamente, a marcar a posição, a manifestação de vontade e os fundamentos, no plano do direito, do seu remetente face ao destinatário. Incontestavelmente, a carta objecto do pedido não tem carácter negocial, nem encerra qualquer proposta negocial.

Pelo que, não existindo, quanto a esta comunicação, qualquer exigência de confidencialidade e de secretismo que o instituto jurídico-deontológico do sigilo profissional pressupõe, conclui-se não estar a mesma abrangida pela esfera de protecção do sigilo profissional. 

Vejamos, por último, do Doc. n.º 7.

Não temos dúvidas de que a comunicação em causa encerra, nomeadamente, uma verdadeira proposta negocial – proposta esta feita numa fase pré-judicial -, caindo, portanto, directamente na previsão da norma legal contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 87º do Estatuto.

O que significa que a Senhora Advogada Dra. B (destinatária da mesma) está quanto à comunicação em causa obrigada a sigilo, pelo que não poderá, em qualquer circunstância, revelá-la sem estar munida da autorização prévia prevista no artigo 87º n.º 4 do Estatuto.

E, neste contexto, estará a Senhora Advogada Dra. A, quanto a essa mesma comunicação, obrigada a sigilo?

Em tese, a Senhora Dra. A terá tomado conhecimento da correspondência em causa por duas vias: (1) ou, directamente, por via do seu constituinte, (2) ou, por qualquer outra via, mas por força do exercício da profissão (ou por força da sua qualidade de Advogada).

Portanto, a Senhora Dra. A, numa ou noutra situação, tomou conhecimento da correspondência objecto do presente pedido no exercício da Advocacia e por força desse mesmo exercício, e como tal está, também ela, nos termos da cláusula geral contida no n.º 1 do artigo 87º do Estatuto, obrigada a sigilo quanto àquela.

O princípio de justa e ética igualdade, quer dos Advogados, quer das partes, assim o exige.

Seria inconcebível que a primitiva detentora do sigilo não pudesse divulgar em juízo a mencionada correspondência sem estar munida da competente autorização prévia, mas já o pudesse qualquer outro Advogado só porque dela teve conhecimento mais tarde, ainda que no exercício da profissão.

O que nos leva a concluir que a Senhora Dra. A carecia da autorização prévia prevista no artigo 87º n.º 4 do Estatuto para poder juntar à Petição Inicial a carta junta sob o n.º 7.

O que não sucedeu.

Assim, com rigor processual, o mencionado documento está sujeito à cominação prevista no n.º 5 do artigo 87º do Estatuto, não podendo, consequentemente, fazer prova em juízo.

Contudo, é aos Tribunais que pertence a função jurisdicional e, por isso, a capacidade de julgar em definitivo se uma prova é ou não válida.

E, frise-se, desde já, que nunca poderá ser concedida uma autorização a posteriori, isto é, depois de a revelação em juízo já ter tido lugar.

É este, s.m.o., o nosso entendimento quanto à questão que nos foi colocada.


Lisboa, 27 de Maio de 2015. 

 

A Assessora Jurídica do CDL
Sandra Barroso

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

Notifique-se.

Lisboa, 27 de Maio de 2015.

O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
António Jaime Martins


Sandra Barroso

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