Pareceres do CRLisboa

Consulta nº19/2015

CONSULTA N.º 19/2015

Requerente: […………………..]

Assuntos:
•    Deveres com o cliente
•    Renúncia ao mandato

CONSULTA

Por Ofício que deu entrada no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no passado dia 29 de Maio de 2015 com o nº 18385, veio a Sra. Advogada consulente solicitar emissão de parecer sobre a seguinte questão:

a)    Em Janeiro de 2014, terá sido constituída mandatada por um cliente para o patrocinar no pedido de regulação das responsabilidades parentais, de modo a requerer a guarda e o poder paternal da sua filha;
b)    Tendo sido inicialmente atribuída a guarda da menor ao seu cliente, no âmbito de um regime provisório decretado pelo Tribunal, aquela acabou por ser entregue à mãe, sem que o seu cliente tivesse informado a mandatária de tal facto (e do qual apenas veio a ter conhecimento através do requerimento de alegações da mandatária da mãe em Abril de 2015);
c)    Encetado contacto telefónico com o seu constituinte, a Sra. Advogada consulente terá tomado conhecimento que o mesmo iria trabalhar para fora do país, razão pela qual havia entregue a guarda da menor à mãe;
d)    Nessa data, a Sra. Advogada consulente terá solicitado o agendamento de uma reunião com o seu constituinte de forma a poderem determinar qual a posição a adoptar no processo de regulação de poder paternal.
e)    Apesar de ter concordado com a realização da reunião, o seu cliente não chegou a agendá-la nem terá feito qualquer contacto nesse sentido;
f)    Tendo sido notificada da conferência de pais, que foi agendada para o próximo dia 1 de Julho de 20154, a Sra. Advogada consulente terá tentado entrar em contacto telefónico com o seu cliente, mas deparou-se com um número desligado.
g)    Igualmente terá enviado um email, do qual não obteve resposta;
h)    Acresce que, no âmbito do mesmo mandato, a Sra. Advogada consulente patrocina uma acção de impugnação de perfilhação de outra menor, da qual o seu cliente alega não ser o seu pai biológico.

Assim, e atenta à sensibilidade do tipo de processos e interesses em causa, em face dos factos descritos e sendo a Sra. Advogada consulente detentora de uma Procuração com poderes especiais, vem solicitar parecer do Conselho Distrital quanto à “possibilidade/necessidade de apresentar renúncia ao mandato em ambos os processos judiciais”

INFORMAÇÃO SINTÉTICA

Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.

Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.

Isto quer dizer, por outras palavras, que as matérias sobre as quais a Ordem se deve pronunciar para efeitos do referido artigo deverão circunscrever-se à matéria relacionada com o exercício da profissão.

Entendemos pois que o pedido apresentado pela Sra. Advogada consulente configura uma “questão de carácter profissional”, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), havendo assim que responder à questão colocada.

Chame-se, não obstante, a atenção, que a presente apreciação tem como latitudes limitativas de análise os factos que foram indicados pela Sra. Advogada consulente, e pela forma que o foram.

Cumpre, pois, apreciar.

A relação que se estabelece entre um Advogado e o seu cliente tem como paradigma o contrato de mandato, do qual não emergem apenas deveres para o Advogado.

É verdade que o Advogado está vinculado a deveres especiais que decorrem da natureza específica da sua profissão, que o impedem de, livremente e a qualquer momento, revogar o mandato – e quanto a isto, diz-nos o nº1 do art. 95º do EOA, na sua alínea e), que o Advogado não deve “cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão confiadas.”

Mas também o cliente está obrigado a deveres adstritos a essa relação que incluem, nomeadamente, o dever de colaboração, lealdade, informação e pagamento de honorários e despesas do seu Advogado, quando solicitadas. E, naturalmente, falhando o cliente no cumprimento de alguns destes deveres (ou de outros que tenham especificamente sido estabelecidos contratualmente entre as partes), existirá “motivo justificado” para que o Advogado possa terminar a relação contratual.

Contudo, a decisão da existência, ou não, de condições para continuar a assegurar o mandato, terá de ser, antes de mais, uma decisão da consciência do próprio Advogado em face de eventuais falta de cumprimento de deveres do seu cliente para com aquele. E para essa decisão inevitavelmente contarão também variáveis subjectivas, para além das objectivas, sobre as quais a Ordem dos Advogados não tem capacidade para se pronunciar. É, por isso, ao Advogado que cabe concluir se entende existirem ou não condições, em manter o patrocínio, em virtude das dificuldades de contacto.

Sem prejuízo do que foi dito no anterior parágrafo, e numa situação em que um Advogado tenha procurado, sem sucesso, contactar um seu cliente, dentro de uma lógica de “melhores esforços” e através dos números de telefone e moradas de correio electrónico que lhe foram facultados, com vista a obter informações e instruções sobre a condução do mandato relativo aos processos judiciais pendentes, aceita-se (num plano meramente objectivo) que o mesmo entenda não ter condições para manter o patrocínio assumido.

O que não poderá ser esquecido pelo Advogado em causa, e pretendendo renunciar ao mandato, é que, ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, ele não poderá fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro Advogado (art. 95º, nº2 do EOA). E, para além disso, deverá ainda ter em conta as regras processuais aplicáveis, quanto aos termos e condições de produção dos efeitos da renúncia nos autos, e que por certo serão do conhecimento da Sra. Advogada consulente.

Em Conclusão:

a)    A decisão, por um Advogado, da existência, ou não, de condições para continuar a assegurar o mandato conferido pelo seu cliente , terá de ser, antes de mais, uma decisão da consciência do próprio Advogado em face de eventuais faltas de colaboração do seu cliente, de lealdade, de prestação de informações ou de pagamento de valores em dívida (ou de outros deveres que tenham sido especificamente acordados entre as Partes);
b)    Para essa decisão inevitavelmente contarão também variáveis subjectivas, para além das objectivas, sobre as quais a Ordem dos Advogados não tem capacidade para se pronunciar num pedido de parecer;
c)    Num plano meramente objectivo, em situações em que um Advogado tenha tentado, sem sucesso, contactar por diversas vezes um seu cliente, através dos números de telefone e moradas de correio electrónico que lhe foram facultados, com vista a obter informações e instruções sobre a condução do mandato relativo aos processos judiciais pendentes, aceita-se que um Advogado conclua pela inexistência de condições para continuar a assumir o patrocínio;
d)    Existindo motivo justificado para a cessação do patrocínio, o Advogado não poderá fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro Advogado (art. 95º, nº2 do EOA) devendo ainda ter em conta as regras processuais aplicáveis.

Lisboa, 19 de Junho de 2015

 

(O Assessor Jurídico do CDL)

Rui Souto

Concordo e homologo o presente Parecer, nos precisos termos e limites acima fundamentados.

Lisboa, 19 de Junho de 2015

(O Vice-Presidente do CDL)

Por delegação de poderes de 5 de Fevereiro de 2014

João Massano

Rui Souto

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