Pareceres do CRLisboa

Consulta nº20/2015

Consulta n.º 20/2015

Requerente:

Assuntos:
 

  • Sigilo Profissional

    Consulta


Por carta que deu entrada no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no passado dia 4 de Junho de 2015, veio o Exmo. Sr. […………………..], Advogado titular da cédula profissional nº [……………], solicitar a emissão de parecer sobre a seguinte questão:

O Sr. Advogado consulente terá sido, durante um determinado período de tempo, mandatário de uma das Partes (pai) em processo de regulação de responsabilidades parentais;
 

  1. Ora, o Sr. Advogado consulente foi recentemente convocado pela PSP de Lisboa para, na qualidade de testemunha, prestar declarações em processo de inquérito que corre termos no DIAP de Vila Franca de Xira;
     
  2. Neste processo é denunciado o seu (ex-)cliente e denunciante aquela que figurava como contraparte no processo de regulação de responsabilidades parentais;
     
  3. Pretender-se-ia que o Sr. Advogado consulente prestasse declarações a propósito da seguinte factualidade:

    Saber se a denunciante remeteu ao Sr. Advogado consulente documentação referente a despesas efectuadas no âmbito do exercício das responsabilidades parentais;
     
  1. Saber se o Advogado consulente terá dado conhecimento do recebimento de tal documentação ao denunciado;
  1. O Sr. Advogado consulente, por entender que tal matéria estaria sujeita a sigilo profissional, escusou-se a depor sobre a mesma ao abrigo do previso no art. 135º do Código de Processo Penal.

    Pretende o Sr. Advogado consulente, agora, que seja esclarecido sobre se a factualidade acima referida está coberta pelo dever de guardar sigilo profissional e se a escusa deduzida se conforma com as normas legais aplicáveis. 

    INFORMAÇÃO SINTÉTICA

    Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.

    Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.

    Isto quer dizer, por outras palavras, que as matérias sobre as quais a Ordem se deve pronunciar para efeitos do referido artigo deverão circunscrever-se à matéria relacionada com o exercício da profissão.

    Ora, em face da questão colocada, não temos dúvidas de que a questão colocada à apreciação deste Conselho Distrital, estritamente ligada à apreciação sobre se determinado Advogado estará ou não abrangido pelo sigilo profissional configura uma “questão de carácter profissional”, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), que define a competência material do Conselho.

    Alerte-se, contudo, que a apreciação aqui efectuada corresponde apenas a uma análise dos factos apresentados pelo Advogado consulente como constam delimitados nas als. d.i) e ii) do relatório de consulta acima.

    Assim, cumpre proceder à emissão de parecer quanto à questão colocada.

    Nunca é de mais repetir que o segredo profissional constitui um dos elementos estruturantes da profissão.

    O princípio do dever de guardar segredo profissional consolidou-se ao longo dos tempos, não só nas leis que a consagram, como na importância que assume o elo de confiança entre o cliente e o advogado, o qual conforma a opção do legislador.

    Defendê-lo e preservá-lo é uma obrigação primeira da Advocacia, sob pena de se ver desfigurado aquilo que é a essência da profissão.

    Como se tem escrito sempre que os órgãos desta Ordem são chamados a pronunciar-se sobre os fundamentos e o alcance do instituto do sigilo profissional, se ao Advogado não fosse reconhecido o direito de guardar para si, e só para si, o conhecimento de tudo quanto o cliente, directamente ou por via de terceiros, lhe confiou, ou não fosse obrigado a reservar a informação que obteve no exercício do mandato, então não haveria autêntica advocacia.

    O segredo profissional representa a blindagem normativa e a garantia legal inamovível contra as tentações de se obter confissão por interposta pessoa e contra a violação do direito à intimidade. É a garantia de existência de uma advocacia que para ser autêntica, tem de ser livre e independente.[1] Bem a propósito, o Dr. António Arnaut, Ilustríssimo Advogado, frisa esta ideia por nós também partilhada, ao escrever que “o dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade[2].

    Segundo entendimento já adoptado por anterior Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados[3], existem três grandes ordens de razões que estão na origem da consagração estatutária do dever do Advogado guardar segredo profissional sobre factos e documentos, dos quais tome conhecimento no exercício da profissão:

    a) a indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o Advogado e o cliente;

    b) o interesse público da função do Advogado enquanto agente activo da administração da justiça;

    c) a garantia do papel do Advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social.”

    O segredo profissional é, pois, um direito e uma obrigação fundamental e primordial do advogado. É parte essencial da função do advogado ser o depositário dos segredos do seu cliente e o destinatário de informações baseadas na confiança. E, sem a garantia de confidencialidade não pode existir confiança[4].

    Diz-nos o art. 87, nº1 do EOA que um Advogado encontra-se sujeito ao dever de sigilo sobre todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. O mesmo será dizer que, um Advogado (ainda que exerça outras actividades) estará abrangido por esse dever de ordem profissional, quanto a todos os factos que:

    - cheguem ao seu conhecimento no exercício das suas funções (de Advogado); ou

    - na prestação de serviços (de Advocacia).

    Sendo certo que, e com importância para a questão em análise, o EOA esclarece ainda que tal dever abrange ainda “documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.” (art. 87º, nº4 do EOA).

    Ora, é nosso entendimento, em face do disposto, que os contactos mantidos com um Advogado pela contraparte, incluindo pagamentos que lhe foram (ou não) entregues, bem como o conhecimento que terá dado, ou não, ao seu cliente, são matérias que estão protegidas pelo sigilo profissional.


    E apenas poderá o Advogado ser desvinculado do sigilo profissional a que se encontra sujeito quando tal “seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio Advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Distrital respectivo, com recurso para o Bastonário” (nº5 do art. 87º do E.O.A.).

    Sendo que, cabe exclusivamente ao Advogado, de acordo com a leitura que fará dos factos e norteado pela sua consciência, a decisão de solicitar ou não a dispensa do sigilo.

    Assim, se um Advogado for indicado como testemunha de factos de que teve conhecimento no exercício da profissão terá de, antes de mais, e se pretender depor sobre os mesmos, obter autorização por parte da Ordem dos Advogados para os revelar.

    Não requerendo autorização ou não sendo esta concedida, o Advogado terá de escusar-se a depor sobre os factos sujeitos a sigilo profissional, sob pena de, caso não o faça, poder vir a ser responsabilizado pela respectiva violação.

    Aliás, a possibilidade do Advogado poder escusar-se a depor com fundamento no seu dever de sigilo tem acolhimento legal, em matéria de processo criminal no art. 135º do Código de Processo Penal.

    A questão da legitimidade da escusa como requisito da escusa deduzida, como tem sido interpretado pelos órgãos das Ordem dos Advogados[5], prende-se apenas com a existência ou não de factos sujeitos a sigilo profissional. O que, na nossa opinião, como já vimos, entendemos existir quanto aos factos relatados pelo Sr. Advogado consulente.

    Em Conclusão:

     
  2. Se um Advogado for indicado como testemunha em processo-crime para depor sobre factos de que teve conhecimento no exercício da profissão sujeitos a sigilo terá de, antes de mais, e se pretender depor sobre os mesmos, obter autorização para os revelar, nos termos do art. 87º, nº4 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
     
  3. Cabe exclusivamente ao Advogado, de acordo com a leitura que fará dos factos e norteado pela sua consciência, a decisão de solicitar ou não a dispensa do sigilo.
     
  4. Não requerendo autorização ou não sendo esta concedida, o art. 135º do Código Processo Penal, permite ao Advogado escusar-se a depor desde que tal escusa seja legítima, isto é, desde que os factos quanto aos quais se pretende ouvir um Advogado sejam sigilosos nos termos do art. 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
     
  5. A revelação em juízo, da recepção, ou não, pelo Sr. Advogado Consulente, de documentação alegadamente entregue pela contraparte referente a despesas efectuadas no âmbito do exercício de responsabilidades parentais e conhecimento que o Sr. Advogado consulente terá (ou não) dado ao seu cliente da mesma, é matéria que, em nosso entendimento, se encontra protegida pelo dever de sigilo.
     

Lisboa, 16 de Junho de 2015

(O Assessor Jurídico do CDL)

Rui Souto

Lisboa, 16 de Junho de 2015

(O Vice-Presidente do CDL)

Por delegação de poderes de 5 de Fevereiro de 2014

João Massano




[1] Parecer do Conselho Distrital de Lisboa nº 2/02, aprovado em 6.2.2002, e no qual foi relator o Dr José Mário Ferreira de Almeida.

[2] “Introdução à Advocacia: História – Deontologia, Questões Práticas”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 1996, p. 65

[3] Parecer do Conselho Distrital de Lisboa nº 02/01, no qual foi relator o Dr José Ferreira de Almeida, e aprovado em sessão plenária no dia 13.03.2003

[4] Cfr Código de Deontologia dos Advogados Europeus (versão portuguesa aprovada pela Deliberação do Conselho Geral n.º 2511/2007), 2.3.1

[5] Cfr. Consulta 8/11 no qual fomos relatores, disponível para consulta em www.oa.pt

Rui Souto

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