Pareceres do CRLisboa

Consulta 6/2018

CONSULTA 6/2018

 

Questão

 

Mediante comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa em (…), a Exma. Senhora Advogada Dra. (…) solicita a emissão de parecer sobre as seguintes questões:

 

  • A diligência de arbitramento prevista no artigo 309.º do Código do Processo Civil, determinada judicialmente no âmbito de um incidente de verificação do valor de uma ação de reivindicação, quando efetuada em local onde funciona parte de um escritório de Advogados, enquadra-se na previsão do artigo 75.º do Estatuto da Ordem dos Advogados?
  • Em caso negativo, quais as medidas, obrigações e condicionantes que devem ser impostas ao perito em causa?

Do Escritório do Advogado

Entendemos crucial começar por caraterizar o escritório do Advogado, por forma a percebermos se estamos perante um espaço público em sentido estrito, ou se, ao invés, e atenta a natureza da Advocacia e atentos os particulares interesses que lhe estão subjacentes, o mesmo deve ser caraterizado de outro modo.

A este respeito, repristinamos aqui o que foi dito no Parecer n.º 9/PP/08-G, do Conselho Geral das Ordem dos Advogados, e em que foi Relator o Exmo. Senhor Advogado Dr. Nuno Lucas, que tinha por objeto saber se o Advogado está legalmente vinculado a disponibilizar no seu escritório o livro de reclamações[1].

 

No mencionado Parecer, e para o que aqui releva, pode ler-se o seguinte:

“(…) Apesar de não descrever, em concreto, quais as características obrigatórias de um escritório de advogado, o EOA estabelece, na alínea h), do seu art. 86.º, que constitui um dever do advogado para com a Ordem “Manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, nos termos de regulamento a aprovar pelo Conselho Geral”.

Compete, então, ao Conselho Geral, definir quais os meios essenciais ao exercício da actividade que devem estar reunidos no “centro da vida profissional” do advogado, sendo necessário aguardar pela aprovação do respectivo regulamento para que os possamos conhecer detalhadamente.

Ainda assim a disposição citada fornece-nos, por si só, um elemento de extrema utilidade na caracterização que nos ocupa.  Dela resulta que a aptidão essencial de um escritório de advogado é permitir aos profissionais da advocacia cumprirem os deveres deontológicos a que estão adstritos.

(…) Este aspecto original, próprio de uma profissão que exerce “uma actividade privada, mas de interesse público” e cuja dimensão de elemento indispensável à Administração da Justiça está consagrada na Lei e decorre da própria Constituição, constitui, quanto a nós, um elemento diferenciador relativamente aos “estabelecimentos” da maioria das actividades económicas privadas”.

(…) Ora, a advocacia não funciona segundo uma lógica de convite ao consumo de “bens jurídicos”, mediante condições preestabelecidas e iguais para todos. Isto é, o público em geral não tem um direito genérico de admissão de qualquer escritório de advogado para solicitar a prestação de serviços jurídicos.

Esta diferenciação relativamente ao comércio em geral e às demais actividades económicas resulta da circunstância dos serviços do advogado não estarem livremente disponíveis no mercado. A sua “aquisição” não depende apenas da vontade do adquirente e do pagamento de um preço.

 

(…) Para o advogado, a decisão de aceitar um patrocínio ou de prestar um qualquer serviço profissional implica necessariamente uma avaliação das características do caso face ao complexo de deveres a que está sujeito. Está muito longe de corresponder a uma mera transacção comercial. Donde se justifica não estar o advogado obrigado a disponibilizar os seus serviços ao público em geral.

A caracterização do escritório de advogado como local de acesso reservado é, aliás pacífica, na jurisprudência da Ordem dos Advogados:

“(…) De facto embora o acesso ao escritório de um advogado não seja equivalente ao de uma habitação, completamente privada e dependente da vontade casuística do seu possuidor, não é também público, no sentido de que todos podem entrar, aceder sem reservas, apenas com a restrição dos usos e costumes gerais. Não, o escritório de um advogado é semi-público, ou semi-privado, tem o seu acesso e servidão limitada pela vontade arbitrária do dono e pelas regras inerentes à profissão que exerce (…)” Parecer do CDP, relatado pelo Dr. Pedro Almeida e Sousa (…).

“De facto, ao invés do estabelecimento comercial afecto ao exercício do comércio, local aberto ao público para a venda, mais ou menos generalizada, de bens ou serviços, o escritório do Advogado não tem carácter público, em que todos podem entrar ou aceder sem reservas.” Parecer do CDC, relatado pelo Dr. Leite da Silva (…)”.

 

Entendimento do Conselho Regional de Lisboa

 

Escritório de Advocacia é o espaço onde está localizada a organização de meios utilizados pelo Advogado no exercício da sua profissão e que, normalmente, corresponde ao domicílio escolhido como centro da sua vida profissional.

 

 

Nos termos do disposto no artigo 91.º, alínea h) do EOA, é dever do Advogado manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos deveres deontológicos.

 

E, é precisamente, porque o escritório do Advogado é um local de acesso reservado, cuja aptidão é, em primeira linha, permitir ao Advogado o cumprimento dos deveres que o seu Estatuto lhe impõe, que se justifica e impõe a previsão do artigo 75.º do EOA.

 

O normativo legal em causa recai, expressamente, sobre a imposição de selos [2], arrolamentos [3], buscas [4] e diligências equivalentes [5].

 

No entanto, o referido dispositivo estatutário também se destina à proteção dos espaços relacionados, direta ou indiretamente, com o exercício da profissão, nomeadamente, mas não só, para efeitos de arquivo [6], situação que inclui a sua residência ou, “in limine”, por exemplo, a própria pasta onde o Advogado transporta documentos relativos ao exercício da profissão.

 

Neste conspecto, todas estas diligências em escritórios ou sociedade de Advogados previstas no artigo 75.º do EOA só podem ser decretadas e presididas pelo Juiz competente, conforme aí se exige.

 

A diligência de arbitramento prevista no artigo 309.º do Código do Processo Civil não está expressamente elencada no dispositivo estatutário citado.

 

A diligência em causa não visa, diretamente, o conteúdo existente em qualquer local onde se exerça a Advocacia, ou a implementação de medida que impeça o acesso ao mesmo. A decisão de arbitramento é unicamente determinada para possibilitar a avaliação imobiliária, necessária à fixação do valor de uma ação judicial de reivindicação.

 

A medida de arbitramento não implica mexer, analisar ou apreender qualquer bem, objeto ou documento existente no interior desse espaço, mas unicamente avaliar o imóvel, em si mesmo considerado.

 

Para além das diligências expressamente previstas no preceito estatutário, também por ele estão abrangidas as diligências que se devam considerar equivalentes, isto é, quaisquer diligências suscetíveis de causar devassa do domicílio profissional do Advogado – entendido em sentido lato -, na medida em que ponham em causa o cumprimento dos deveres a que o Advogado está vinculado no exercício da sua atividade profissional.

 

Nessa medida, a diligência de arbitramento poderá ser abrangida pela previsão normativa do artigo 75.º do EOA, na medida em que possa ter este resultado, ou ser suscetível de o ter.

 

Nesta medida, a execução da diligência ordenada pelo douto Tribunal não pode pôr em causa o direito/dever de segredo profissional que impende sobre a Senhora Advogada Consulente, que é uma garantia legal de qualquer Advogado, com dignidade constitucional.

E, neste ponto, não podemos olvidar que a simples presença do cliente ou potencial cliente no escritório, só por si, já impõe (ou pode impor) ao Advogado total reserva.

 

Nestes termos, liminarmente se considera que, relativamente a qualquer espaço, perfeitamente delimitado e identificado, dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos deveres deontológicos, onde o Advogado exerça a sua profissão ou onde faça arquivo, não deve ser permitido o acesso ao Senhor Perito indicado pelo Tribunal.

 

Esta proibição, nos termos da consulta que nos foi remetida, recai perfuntoriamente, sobre o gabinete da Senhora Advogada Consulente e sobre qualquer local onde a Senhora Advogada consulente faça arquivo profissional nesse imóvel, que deve estar perfeitamente identificado e protegido.

 

Qualquer indício que seja que aponte no sentido da existência, num determinado espaço, de um escritório de Advogado, ou que aí exista um arquivo desse mesmo Advogado, é, quanto a nós, suficiente para levar à aplicação dos procedimentos legais estabelecidos no artigo 75.º do EOA.

 

 

CONCLUSÕES:

 

  • A Senhora Advogada Consulente deve promover o envio para os autos de elementos suficientes que informem o Tribunal de quais os locais do imóvel sujeito à diligência de arbitramento, afetos à sua atividade profissional de Advogada;

 

  • Dada a natureza da diligência processual de arbitramento, a priori não nos parece essencial o acesso pelo Senhor Perito indicado pelo Tribunal aos locais do imóvel afetos à atividade profissional da Senhora Advogada Consulente para que este possa proceder à avaliação do valor do imóvel para efeitos de determinação do valor da ação;

 

  • Contudo, caso tal seja considerado necessário pelo Tribunal o acesso a esses locais, essa diligência deve ser feita com respeito pelos procedimentos legais estabelecidos no artigo 75.º do EOA.

 

 

Lisboa, 9 de maio de 2018.

 

A Assessora Jurídica do CRL
Sandra Barroso

 

 

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de maio de 2018.

  

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

 

[1] A final, concluiu-se que, atenta a natureza do escritório de Advogados, não existe obrigação legal de disponibilizar o livro de reclamações, estando, assim, o escritório de Advogados excluído do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro.

 

[2] Artigo 407.º do Código de Processo Civil.

[3] Artigos 406.º a 409.º do Código de Processo Civil.

[4] Artigos 174.º a 177.º do Código de Processo Penal.

[5] A doutrina considera que são diligências equivalentes as apreensões reguladas pelos artigos 178.º a 186.º do CPP, o arresto previsto nos artigos 391.º a 396.º e a penhora de bens móveis regulada nos artigos. 764.º a 772.º, estes últimos dispositivos todos do CPC. Neste sentido, ORLANDO GUEDES DA COSTA, in “Direito Profissional do Advogado”, 2015, 8ª edição, Almedina, pág. 145.

[6] Neste sentido o Parecer do Conselho Geral 29/PP/2011-G, de 16 de fevereiro de 2012, in www.oa.pt.

Sandra Barroso

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