Pareceres do CRLisboa

Consulta 9/2018

 CONSULTA 9/2018

Questão

 

Através de comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia (…), o Exmo. Senhor Advogado Dr. (…), titular da cédula profissional n.º (…), veio, ao abrigo do disposto no artigo 54.º, n.º 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, solicitar a emissão de Parecer sobre a seguinte questão:

 

  • Pode, segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados, um Advogado ser cônsul honorário de outro Estado? No caso, cônsul honorário da República de São Marino em Portugal.

 

Opinião

 

Começaremos por enquadrar a atividade de “cônsul honorário”.

 

Para tanto, haverá que percorrer as disposições da Convenção sobre Relações Consulares, concluída em Viena em 24 de abril de 1963 (cfr. Decreto-Lei n.º 183/72, de 17 de maio).

 

Para efeitos da mencionada Convenção, entende-se por “funcionário consular”, toda a pessoa, incluindo o chefe do posto consular, encarregada nesta qualidade do exercício de funções consulares – cfr. art.º 1.º, n.º 1, alínea d).

 

Nos termos do n.º 2 do citado normativo legal, existem duas categorias de funcionários consulares: os funcionários consulares de carreira e os funcionários consulares honorários.

 

Acrescenta ainda o citado normativo legal que “As disposições do capítulo II da presente Convenção aplicam-se aos postos consulares dirigidos por funcionários consulares de carreira; as disposições do capítulo III aplicam-se aos postos consulares dirigidos por funcionários consulares honorários”.

 

Nos termos do art.º 1.º, n.º 3, “a situação peculiar dos membros dos postos consulares que são nacionais ou residentes permanentes do Estado receptor rege-se pelo artigo 71.º da presente Convenção”.

 

As funções consulares estão elencadas no art.º 5.º da Convenção:

 

“A) Proteger no Estado receptor os interesses do Estado que envia e dos seus nacionais, pessoas singulares ou colectivas, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional;

B) Fomentar o desenvolvimento das relações comerciais, económicas, culturais e científicas entre o Estado que envia e o Estado receptor e promover por quaisquer outros meios as relações amistosas entre eles dentro do espírito da presente Convenção;


C) Informar-se, por todos os meios lícitos, das condições e da evolução da vida comercial, económica, cultural e científica do Estado receptor, informar a esse respeito o Governo do Estado que envia e fornecer informações às pessoas interessadas;

D) Emitir passaportes e documentos de viagem para os nacionais do Estado que envia, assim como vistos e documentos apropriados às pessoas que desejarem viajar para o Estado que envia;

E) Prestar socorro e assistência aos nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, do Estado que envia;


F) Agir na qualidade de notário de conservado do registo civil e exercer funções similares, assim como certas funções de carácter administrativo, desde que não contrariem as leis e os regulamentos do Estado receptor;

G) Salvaguardar os interesses dos nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, do Estado que envia, nos casos de sucessão verificados no território do Estado receptor, de acordo com as leis e os regulamentos do estado receptor;

H) Salvaguardar, dentro dos limites impostos pelas leis e regulamentos do Estado receptor, os interesses dos menores e dos incapazes nacionais do Estado que envia, particularmente quando para eles for requerida a instituição da tutela ou curatela;

I) Representar, de acordo com as práticas e procedimentos que vigoram no Estado receptor, os nacionais do Estado que envia e tomar as medidas convenientes para a sua representação apropriada perante os tribunais e outras autoridades do Estado receptor, de forma a conseguir a adopção de medidas provisórias para a salvaguarda dos direitos e interesses destes nacionais quando, por estarem ausentes ou por qualquer outra causa, não possam os mesmos defendê-los em tempo útil;

J) Transmitir os actos judiciais e extrajudiciais e dar cumprimentos a cartas rogatórias em conformidade com os acordos internacionais em vigor, ou, na sua falta, de qualquer outra maneira compatível com as leis e regulamentos do Estado receptor;

K) Exercer, em conformidade com as leis e regulamentos do Estado que envia, os direitos de fiscalização e de inspecção sobre as embarcações, tanto marítimas como fluviais, que tenham a nacionalidade do Estado que envia e sobre as aeronaves matriculadas neste Estado, bem como sobre as suas tripulações;

l) Prestar assistência às embarcações e aeronaves a que se refere a alínea k) do presente artigo, assim como às suas equipagens, receber as declarações sobre as viagens dessas embarcações, examinar e visar os documentos de bordo e, sem prejuízo dos poderes das autoridades do Estado receptor, abrir inquéritos sobre os incidentes ocorridos durante a travessia e resolver qualquer litígio que possa surgir entre o capitão, os oficiais e os marinheiros, sempre que assim o autorizem as lis e regulamentos do Estado que envia;

M) Exercer todas as demais funções confiadas ao posto consultar pelo Estado que envia, que não sejam proibidas pelas leis e regulamentos do Estado receptor, ou às quais este não se oponha, ou ainda as que lhe sejam atribuídas pelos acordos internacionais em vigor entre o Estado que envia e o Estado receptor”.

 

O Capítulo III (art.ºs 58.º a 68.º) consagra o regime (especial) aplicável aos funcionários consulares honorários e aos postos consulares por eles regidos, regime esse que aqui damos por integralmente reproduzido.

 

 O artigo 71.º da Convenção versa sobre a situação em que o funcionário consular seja nacional (como é o caso do Senhor Advogado Consulente) ou residente permanente do Estado recetor e dispõe o seguinte:

 

“1. Salvo se o Estado receptor conceder outras facilidades, privilégios e imunidades, os funcionários consulares que sejam nacionais ou residentes permanentes desse Estado só beneficiarão de imunidade de jurisdição e de inviolabilidade pessoal pelos actos oficiais realizados no exercício das suas funções e do privilégio previsto no parágrafo 3 do artigo 44.º [1]. Pelo que respeita a esses funcionários consulares, o Estado receptor deverá igualmente cumprir a obrigação previsto no artigo 42.º [2]. Se um processo penal for instaurado contra esses funcionários consulares, as diligências deverão ser conduzidas, salvo se o interessado estiver preso ou detido, de modo que se perturbe o menos possível o exercício das funções consulares.

2.
Os demais membros do posto consultar que sejam, nacionais ou residentes permanentes do Estado receptor e os membros da sua família, assim como os membros da família dos funcionários consulares mencionados no parágrafo 1 do presente artigo, só gozarão de facilidades, privilégios e imunidades na medida em que o estado receptor lhos reconheça. Todavia, o Estado receptor deverá exercer a sua jurisdição sobre as pessoas de maneira a não perturbar indevidamente o exercício das funções consulares.”

 

Percorridas as normas da Convenção com (maior) relevância para a questão que nos ocupa, começaremos por sublinhar que desconhecemos o regime legal aplicável à carreira diplomática e consular da República de São Marino, pelo que o que aqui for dito, naturalmente, não afasta alguma norma que possa existir no regime legal em causa e que, desde logo, impeça a cumulação das funções.

 

Neste conspecto, a apreciação da questão que nos foi colocada sê-lo-á, estritamente, à luz da Convenção e do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (doravante apenas EOA).

 

Vejamos então.

 

Num primeiro momento, haverá que chamar à colação as normas estatutárias que contendem com a matéria das incompatibilidades para o exercício da Advocacia.

 

Trata-se de apurar se existe uma incompatibilidade, geral e abstrata, em cumular a qualidade de cônsul honorário de outro Estado (que não o português) com o exercício da Advocacia.

 

A norma basilar em matéria de incompatibilidades para o exercício da advocacia é o artigo 81º. do EOA, que prescreve o seguinte:

 “1. O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

2.
O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.”

 

Portanto, diz-nos o normativo legal em causa que existirá incompatibilidade sempre que a atividade, cargo ou função pretendida exercer afete, ou possa afetar, a isenção, a independência e a dignidade da profissão ou coarte a plena autonomia técnica, a isenção, a independência e a responsabilidade que ao Advogado são exigidas quando exerce a sua profissão de interesse público, com assento constitucional.

 

Esta norma pretende assim garantir a inexistência de colisão de interesses e deveres entre a Advocacia e o exercício de qualquer outra atividade que com ela possa conflituar.

 

Por seu turno, o artigo 82.º, n.º 1 do EOA especifica, de uma forma não taxativa, situações concretas de incompatibilidade que o legislar qualificou como objetivamente incompatíveis com o exercício da Advocacia.

 

Aqui chegados, haverá agora que analisar o caso concreto à luz dos normativos legais, cujo sentido e alcance, ainda que de forma perfuntória, acabamos de traçar.

 

A qualidade de cônsul honorário de outro Estado não consta das funções ou atividades enumeradas no artigo 82.º, n.º 1 do EOA, nem a elas se subsume, ainda que por interpretação extensiva (única admissível, já que estamos perante uma norma excecional).

 

E, assim sendo, haverá que verificar, à luz do artigo 81.º do EOA, que enuncia o critério (geral) em função do qual deve ser aferido se determinada atividade gera ou não impedimento para o exercício da Advocacia, se o facto de o Senhor Advogado Consulente pretender assumir as funções em causa o colocará, em abstrato, numa situação de incompatibilidade para o exercício da Advocacia.

 

Ora, olhando para aquelas que, nos termos da Convenção, são as concretas funções de um cônsul honorário não vislumbramos que da atividade ou funções em causa resulte perturbação no exercício da atividade de Advogado do ponto de vista da isenção, da independência e da dignidade exigíveis.

 

Em suma, diremos que não existe, à luz dos normativos legais contidos nos artigos 81º., n.ºs 1 e 2 e 82.º, n.º 1, ambos do EOA, uma incompatibilidade, geral e abstrata, em cumular a qualidade de Advogado com a de cônsul honorário de outro Estado.

 

Mas, muito embora se tenha concluído pela inexistência de qualquer incompatibilidade (geral e abstrata) à luz dos normativos legais que atrás analisámos, haverá que enfatizar que, ainda assim, o Senhor Advogado Consulente continua vinculado ao rigoroso cumprimento de todos (sem exceção) os deveres plasmados no EOA.

 

E é, precisamente, no cumprimento dos demais deveres estatutários que deve, a nosso ver, ser colocada a tónica desta nossa pronúncia. Pois que, será no incumprimento destes que aqueles que são os princípios basilares e norteadores da profissão poderão facilmente perigar.

 

Vejamos então.

 

O desenvolvimento concreto da atividade de cônsul honorário pode evoluir para realidades muitos diversas e heterogéneas.

 

O cônsul honorário, por regra, parece nada receber em troca da sua atividade, que se apresenta, originariamente, como “honorífica”.

 

O seu papel é, muitas vezes, o de encaminhar processos para as respetivas embaixadas e representar o país em cerimónias oficiais.

 

Mas pode, casuisticamente, ter um papel fundamental em situações de grande sensibilidade política (por exemplo, no caso de grande movimento de imigrantes do país representado, na libertação de situações que envolvam reféns de um país representado).

 

Na prática, pode defender em Portugal interesses de um outro país, tal como os cônsules de carreira.

 

Pode intervir para resolver questões variadíssimas, desde os passaportes perdidos por turistas no Algarve, à resolução de incidentes provocados por marinheiros em portos portugueses.

 

O governo português em situações delicadas aproveita esses canais, porque são pessoas livres do “espartilho” da carreira diplomática. Um cônsul honorário pode ser mais útil e eficaz do que muitos meios diplomáticos oficiais.

 

Para países com poucos recursos é uma forma mais económica de implementar, noutros países, mecanismos de cuidado pelos seus interesses, uma das razões pelas quais o seu número tem crescido todos os anos, como uma “magistratura de influências”, com “espírito de missão", por regra sem remuneração.

 

O “prestígio do título” e os objetivos humanitários serão, nestes casos, remuneração suficiente.

 

No entanto, esta diplomacia pode também ser económica e, por essa via, fica aberto o caminho para a celebração ou intermediação de negócios.

 

As possibilidades de negócios que passam por um consulado podem ser imensas. Há quem considere que fazer negócios neste contexto é contra o estatuto diplomático firmado pela ONU. No entanto, a Convenção de Viena não proíbe expressamente esta prática, que é reputada de muito antiga.

 

Assim, o cúmulo destas duas atividades só será concebível se, à luz do Estatuto, forem afastados todos os fatores que com ele possam conflituar. O que impõe, sempre e em qualquer circunstância, uma análise casuística (caso a caso), já que só esta permitirá aferir do cumprimento ou incumprimento de todos os deveres impostos ao Advogado pelo seu Estatuto profissional.  

 

Não obstante, haverá, mas sem preocupações de exaustividade, que enfatizar o seguinte.

 

Desde logo não parece possível que um posto consular honorário possa funcionar no mesmo local que um escritório de Advocacia.

 

O escritório de Advocacia, o local onde o Advogado tem o seu domicílio profissional, ou onde desenvolve a sua atividade de Advogado, está deontologicamente sujeito a diversos requisitos [3].

 

Este corresponde ao domicílio escolhido como centro da sua vida profissional, que deve ser um espaço adequado ao exercício da profissão e que assegure o cumprimento dos deveres deontológicos, uma vez que, da sua inaptidão para esse efeito pode resultar que o Advogado não cumpra diversos deveres e obrigações, nomeadamente, o dever de decoro e de segredo profissional [4].

 

O Advogado está sempre ligado, em qualquer local onde exerça a profissão, ao acervo de regras deontológicas – direitos e deveres – que enformam a profissão e o seu exercício e que decorrem, tanto do Estatuto da Ordem dos Advogados, como dos usos e praxes profissionais[5].

 

Por outro lado, para além de separação física, deve haver uma total separação funcional de qualquer serviço prestado na qualidade de cônsul honorário e de Advogado.

 

O mesmo se diga relativamente ao pessoal e colaboradores usados pelo Advogado. Não podem estes funcionários e colaboradores, quando afetos à prestação de serviços jurídicos de Advogado, também serem afetos à prestação de serviços jurídicos no âmbito da atividade consular honorífica.

 

Esta questão da separação física e funcional entre ambas as atividades remete-nos, também e desde logo, para o dever guardar segredo profissional que sobre o Advogado recai no exercício da sua atividade profissional, por força do disposto no art.º 92.º do EOA, dever este que se estende a todas as pessoas que com ele colaboram no exercício da sua atividade profissional – cfr. n.º 7 da norma legal em causa.

 

E, neste ponto, não podemos olvidar que a simples presença do cliente ou potencial cliente no escritório, só por si, já impõe (ou pode impor) ao Advogado total reserva.

 

O exercício de atividade consular honorária pode funcionar como uma forma de diplomacia económica, ficando aberto o caminho para a celebração ou intermediação de negócios.

 

As possibilidades de negócio que podem passar por um cônsul honorário podem ser imensas, do que pode resultar uma violação do dever estatutário para com a comunidade de não solicitação de clientes, por si ou por interposta pessoa, nos termos do art.º 90.º, alínea h) do EOA.

 

Como refere Fernando Sousa Magalhães “A proibição de angariação de clientela a que alude a alínea h) do n.º 2 do artigo 90.º está intimamente associada ao princípio da escolha livre do advogado pelo mandante ou interessado, por se entender que tal forma de escolha é a única que garante a necessária relação de confiança entre o advogado e o seu cliente como impõe radicialmente o artigo 97.º, n.º 1. Assim permanece intocado o princípio da escolha livre, agora consignado nos artigos 67.º nº 2 e 98.º n.º 1 do E.O.A. [6].

 

Apenas se mostra lícita a captação de clientela decorrente da projeção do nome, saber, honestidade, conseguidos através do exercício da profissão no estrito cumprimento dos deveres impostos pelo EOA.

 

Importante é também ter presente, nesta sede, que o Advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente, ou por outro Advogado em representação do cliente, ou se não tiver sido nomeado para o efeito, por entidade legalmente competente, nos termos do art.º 98.º, n.º 1 do EOA. 

 

O desempenho das funções de Advogado em simultâneo com as de cônsul honorário pode colocar o Advogado nesta posição “confusa” de prestar serviços a clientes cuja origem lhe advém do exercício de funções consulares honoríficas.

 

Ademais, o exercício de funções consulares pode pressionar o Advogado português a ter de defender interesses de países terceiros, devendo este não esquecer que, em território nacional, ele é um elemento auxiliar da administração da justiça, desenvolvendo livremente a sua atividade de forma livre e independente, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros, conforme decorre do artigo 89.º do EOA.

 

Importa ainda realçar que, de acordo com o disposto no artigo 99.º do EOA:

  1. O Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária – cfr. n.º 1.
  2. O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado – Cfr. n.º 2.

Trata-se de evitar que em causas distintas (isto é, sem qualquer conexão entre si) e pendentes, o Advogado seja simultaneamente a favor de um constituinte numa delas e contra ele noutra.

  1. O Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes – cfr. n.º 3 da mencionada norma legal.

Este impedimento pressupõe que o Advogado já representa um cliente num determinado litígio e este preceito legal impede-o de aceitar o patrocínio de um novo cliente para o representar no mesmo litígio, se este tiver um interesse conflituante com aquele outro.

  1. Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o Advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito – cfr. n.º 4.
  2. O Advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente – cfr. n.º 5.

 

Os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa e por inconciliável disponibilidade para a profissão - cfr. art.º 83. º, n.º 1.

 

Nos termos do n.º 2 do citado normativo legal, o Advogado está impedido de praticar atos profissionais e de mover qualquer influência junto de entidades, públicas ou privadas, onde desempenhe ou tenha desempenhado funções cujo exercício possa suscitar, em concreto, uma incompatibilidade, se aqueles atos ou influências entrarem em conflito com as regras deontológicas contidas no EOA, nomeadamente, os princípios gerais enunciados no art.º 81.º, n.ºs 1 e 2.

 

Nos termos do disposto no art.º 90.º, n.º 1 do EOA, o Advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas.

 

Em especial, constituem deveres do Advogado para com a comunidade:

  • Não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação da lei ou a descoberta da verdade;
  • Recusar os patrocínios que considera injustos;
  • Recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretender abster-se de tal operação;
  • Não se servir do mandato para prosseguir objetivos que não sejam profissionais.

- cfr. art.º 90º, n.º 2, respetivamente, alíneas a), b), d) e g).

 

O Advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas – cfr. art.º 97.º, n.º 2.

 

O Advogado deve dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca e não deve celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões que lhe são confiadas - cfr. art.º 100.º, n.º 1, alíneas a) – primeira parte e d).

 

É este, s.m.o, o nosso entendimento sobre a questão que nos foi colocada, no estrito cumprimento daquela que, por força da Lei, é a competência deste Conselho em matéria de parecerística.

 

Em suma:

 

Embora não exista, à luz do Estatuto Profissional, uma incompatibilidade geral e abstrata em cumular o exercício da Advocacia com as funções de cônsul honorário de outro Estado, bem alta deve ser colocada à fasquia no que ao cumprimento de todos os demais deveres estatutários respeita.

 

Lisboa, 23 de julho de 2018.

 

A Assessora Jurídica do CRL
Sandra Barroso

 

 

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de julho de 2018.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

 

 

[1] Dispõe o normativo legal em causa que “Os membros de um posto consular não serão obrigados a depor sobre factos relacionados com o exercício das suas funções nem a exibir correspondência ou documentos oficiais que a elas se refiram. Poderão, igualmente, recusar-se a depor na qualidade de peritos sobre as leis do Estado que envia.”

[2] Decorre do normativo legal em causa que “Em caso de prisão, de detenção de um membro do pessoal consular ou de instauração contra o mesmo de processo penal, o Estado receptor deverá notificar imediatamente o chefe de posto consultar. Se este último for o objecto de tais medidas, o Estado receptor levará o facto ao conhecimento do Estado que envia por via diplomática.”

 

[3] Ver art.º 92.º, alínea g) do Estatuto.

[4] Ver sobre esta matéria o Parecer do Conselho Geral n.º 29/PP/2011, de 16 de fevereiro de 2012, in www.dgsi.pt.

[5] Consulta do Conselho Regional de Lisboa n.º 30/2011, de 31 de julho de 2012, in www.oa.pt.

 

[6] In “Estatuto da Ordem dos Advogados, anotado e comentado”, 11ª Edição, Almedina, Coimbra, janeiro de 2017, pág. 132/133.

Sandra Barroso

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