Pareceres do CRLisboa

CONSULTA 17/2018

 CONSULTA 17/2018

 

Questão

 

A (…) veio solicitar a emissão de parecer quanto à questão de saber se o Sindicato (…) “se encontra abrangido pela excepção do artigo 6º nº3 da Lei nº 49/2004 de 24 de Agosto – LAPAS e qual o alcance de “… para defesa exclusiva dos interesses comuns em causa …”, conforme disposto naquele preceituado legal”.

 

É este ipsis litteris o concreto âmbito do pedido de parecer que nos foi dirigido.

 

Entendimento do Conselho Regional de Lisboa

 

A Lei dos Atos Próprios, aprovada pela Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto (doravante apenas LAPAS), veio definir o sentido e alcance dos atos próprios do Advogado. E isto com dois objetivos claros. Por um lado, a necessidade de caracterização do que é o núcleo fundamental de serviços prestados por Advogados, para uma melhor compreensão do que é a Advocacia, bem como o seu papel e importância para a sociedade. E, por outro, a defesa dos particulares das cada vez mais sofisticadas e diversificadas formas de procuradoria ilícita, a qual acarreta graves consequências para os cidadãos e para a comunidade em geral, por via do recurso ao apoio jurídico junto de quem não se encontra legal e praticamente habilitado a prestá-lo.

 

A enumeração e a caraterização de um conjunto de atos como exclusivos do Advogado decorre diretamente da Lei Fundamental que configura o Advogado como elemento essencial à administração da justiça (cfr. artigo 208.º).

 

O legislador reservou, assim, aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados a prática dos atos próprios da profissão de Advogado (cfr. artigo 66.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados e artigo 1.º, n.º 1 da LAPAS).

 

Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são atos próprios da profissão de Advogado:

  • O exercício do mandato forense, que corresponde ao mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz (artigos 1.º, n.º 5, al. a) 2.º da LAPAS e artigo 67.º do EOA);
  • A consulta jurídica, qualificando-se esta como a atividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação de terceiro (artigos 1.º, n.º 5, al. b) e 3.º da LAPAS e artigo 68.º do EOA);
  • A elaboração de contratos e a prática de atos próprios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais (artigo 1.º, n.º 6, al. a) da LAPAS);
  • A negociação tendente à cobrança de créditos (artigo 1.º, n.º 6, al. b) da LAPAS);
  • O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de atos administrativos ou tributários (artigo 1.º, n.º 6, al. c) da LAPAS).

 

São ainda atos próprios do Advogado todos os que resultem do exercício do direito de os cidadãos se fazerem acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade, bem como nos casos em que o processo determinar que o arguido seja assistido por defensor (artigo 1.º, n.ºs 9 e 10 da LAPAS).

 

Os atos cometidos em exclusivo ao Advogado apenas podem ser praticados por Advogado quando os serviços sejam prestados de forma isolada ou integrados em escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por Advogados e Sociedades de Advogados, bem como por gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados.

 

Fora deste contexto, a lei proíbe expressamente o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de atos próprios do Advogado (artigo 6.º, n.º 1 da LAPAS).

 

Contudo, existem exceções a este princípio geral previstas quer na própria LAPAS, quer em lei especial (o que, para o caso vertente, não releva).

 

Desde logo, a LAPAS consagra a possibilidade de os sindicatos e de as associações patronais praticarem atos próprios, desde que os atos praticados o sejam para defesa exclusiva dos interesses comuns e, em concreto, individualmente exercidos por Advogado ou Advogado Estagiário – cf. artigo 6.º, n.º 3.

 

Portanto, a possibilidade de prestação de atos qualificados como próprios da Advocacia apenas é legalmente admissível, desde que, cumulativamente:

  1. Os atos próprios sejam praticados por sindicatos ou por associações patronais;
  2. Os atos próprios praticados por estes sindicatos ou associações patronais tenham por escopo a defesa exclusiva dos interesses comuns em causa;
  3. Os atos próprios assim praticados pelos sindicatos ou pelas associações patronais sejam individualmente exercidos por Advogado ou Advogado Estagiário.

 

Cotejando o regime legal atrás elencado, conclui-se que a possibilidade de os sindicatos praticarem atos próprios da profissão constitui uma verdadeira exceção à regra geral contida no artigo 1.º, n.º 1 da LAPAS, só sendo admissível no estrito condicionalismo previsto no artigo 6.º, n.º 3 da LAPAS.

 

Desde logo, e considerando a forma com o pedido de parecer se encontra recortado, quando os atos próprios praticados pelos sindicatos tenham por escopo a “defesa exclusiva dos interesses comuns em causa”.

 

Mas qual o sentido e alcance da expressão “defesa exclusiva dos interesses comuns em causa”?

 

Estamos no domínio da associação de interesses, pelo que esta permissão normativa se reporta apenas à defesa dos interesses comuns a todos os sócios. Ou seja, os atos próprios a praticar pelos sindicatos não podem ter por escopo a satisfação de interesses particulares de cada associado (ou até de terceiros), mas apenas e tão-só a defesa exclusiva dos interesses comuns em causa, ou seja, dos interesses comuns dos associados corporizados no objeto do próprio sindicato.

 

Portanto, os atos próprios praticados pelos sindicatos só serão lícitos, à luz da LAPAS, caso os mesmos visem a defesa dos interesses comuns a todos os associados.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de dezembro de 2019.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

António Jaime Martins

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