Pareceres do CRLisboa

CONSULTA 18/2018

CONSULTA 18/2018

 

ENQUADRAMENTO

 

Por requerimento dirigido ao Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, que deu entrada nos serviços do Conselho em (…), veio a Exma. Senhora Dra. (…), Advogada, titular da cédula profissional n.º (…), solicitar a emissão de parecer relativamente às seguintes questões:

 

  • “Possibilidade de um advogado ser sócio de uma sociedade comercial de administração e gestão de condomínios, mantendo o seu escritório de advocacia noutro local;
  • Possibilidade de um advogado ser gerente (remunerado ou não) de uma sociedade comercial de administração e gestão de condomínios, mantendo o seu escritório de advocacia noutro local;
  • Possibilidade de um advogado ser sócio e/ou gerente (remunerado ou não) de uma sociedade comercial de administração e gestão de condomínios e ser simultaneamente assessor jurídico dessa empresa, mantendo o seu escritório de advocacia noutro local e cobrando os respetivos honorários em conformidade (em regime de avença ou noutro regime);
  • Possibilidade de um advogado ser sócio e/ou gerente (remunerado ou não) de uma sociedade comercial de administração e gestão de condomínios e prestar serviços jurídicos aos condomínios administrados e geridos por essa empresa, designadamente cobrança de dívidas e patrocínio de ações cíveis ou criminais contra empreiteiros, construtores e anteriores empresas de administração e gestão de condomínios, mediante expressa solicitação dos condomínios em causa, após eventual consulta do mercado, mantendo o seu escritório de advocacia noutro local e tramitando os referidos processos nesse escritório, com total autonomia e isenção, e cobrando os respetivos honorários enquanto advogado no âmbito da sua atividade profissional;
  • Possibilidade de um advogado ser sócio e/ou gerente (remunerado ou não) de uma sociedade comercial de administração e gestão de condomínios e prestar serviços jurídicos aos condóminos dos prédios administrados e geridos por esta, mediante solicitação expressa destes, após eventual consulta do mercado, mantendo o seu escritório de advocacia noutro local e tramitando os referidos processos nesse escritório, com total autonomia e isenção e cobrando os respetivos honorários enquanto advogado no âmbito da sua atividade profissional.
  • Formas de evitar eventuais conflitos de interesse ou angariação ilegítima de clientela”.

 

É este, ipsis litteris, o pedido que nos foi dirigido.

 

ENTENDIMENTO DO CONSELHO REGIONAL DE LISBOA

 

Antes de mais, é de toda a conveniência sublinhar que a competência material do Conselho Regional fixada no artigo 54º, n.º 1, alínea f) do EOA, se cinge, estritamente, à pronúncia abstrata sobre as questões de ética ou deontologia profissional.

 

Assim, concatenando o normativo legal em causa com o princípio da legalidade a que estamos adstritos no exercício daquelas que são as atribuições legais deste Conselho, a pronúncia a emitir apenas poderá ser feita de forma genérica e abstrata, alertando a Senhora Advogada Consulente para as normas estatutárias que poderão colidir com a atividade pretendida exercer.

 

Feita esta advertência, haverá, de seguida, que traçar as linhas gerais pelas quais a Senhora Advogada Consulente deverá nortear-se no projeto em que pretende envolver-se.

 

I -

 

Olhando para as questões que nos foram colocadas e para a forma abstrata e genérica como o foram, haverá, prima facie, que chamar à colação as normas estatutárias que contendem com a matéria das incompatibilidades para o exercício da Advocacia.

 

Trata-se de apurar se existe uma incompatibilidade, geral e abstrata, em cumular a qualidade de sócio ou de sócio gerente de uma sociedade de administração e gestão de condomínios com o exercício da Advocacia.

 

A norma basilar em matéria de incompatibilidades para o exercício da advocacia é o artigo 81º do EOA, que prescreve o seguinte:

 “1. O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

  1. O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.”

 

Portanto, diz-nos o normativo legal em causa que existirá incompatibilidade sempre que a atividade, cargo ou função pretendida exercer afete, ou possa afetar, a isenção, a independência e a dignidade da profissão ou coarte a plena autonomia técnica, a isenção, a independência e a responsabilidade que ao Advogado são exigidas quando exerce a sua profissão de interesse público, com assento constitucional.

 

Esta norma pretende assim garantir a inexistência de colisão de interesses e deveres entre a Advocacia e o exercício de qualquer outra atividade que com ela possa conflituar.

 

Por seu turno, o artigo 82º, n.º 1 do EOA especifica, de uma forma não taxativa, situações concretas de incompatibilidade que o legislar qualificou como objetivamente incompatíveis com o exercício da Advocacia.

 

Aqui chegados, haverá agora que analisar o caso concreto à luz dos normativos legais, cujo sentido e alcance, ainda que de forma perfuntória, acabamos de traçar.

 

Uma sociedade comercial de administração e gestão de condomínios tem por objeto, grosso modo, a prática dos atos necessários ao exercício das funções legalmente atribuídas ao administrador das partes comuns de um edifício em propriedade horizontal.

 

E as funções e a legitimidade do administrador de condomínio estão elencadas nos artigos 1436º e 1437º do Código Civil, e que, por facilidade de raciocínio, passamos a transcrever:

 

Artigo 1436º Funções do administrador

São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:

  1. Convocar a assembleia dos condóminos;
  2. Elaborar o orçamento das receitas e das despesas relativas a cada ano;
  3. Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;
  4. Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns;
  5. Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas;
  6. Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;
  7. Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;
  8. Executar as deliberações da assembleia;
  9. Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas;
  10. Prestar contas à assembleia;
  11. Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;

 

  1. Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.

 

Artigo 1437º Legitimidade de administrador

  1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
  2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
  3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador”.

 

Do exposto se extrai que a qualidade de sócio ou de sócio gerente de uma sociedade de administração e gestão de condomínios não consta das funções ou atividades enumeradas no artigo 82º, n.º 1 do EOA, nem a elas se subsume, direta ou indiretamente.

 

E, assim sendo, haverá que verificar, à luz do artigo 81º do EOA, que enuncia o critério (geral) em função do qual deve ser aferido se determinada atividade gera ou não impedimento para o exercício da Advocacia, se o facto de a Senhora Advogada Consulente pretender assumir as funções em causa a colocará, em abstrato, numa situação de incompatibilidade para o exercício da Advocacia.

 

Ora, olhando para aquelas que, nos termos da lei, são as concretas funções e competências de um administrador de condomínio e que, a latere, constituem o objeto social das empresas de administração de condomínio, não vislumbramos que da atividade ou funções em causa resulte perturbação no exercício da atividade de Advogado do ponto de vista da isenção, da independência e da dignidade exigíveis.

 

Em suma, diremos que não existe, à luz dos normativos legais contidos nos artigos 81º, n.ºs 1 e 2 e 82º, n.º 1, ambos do EOA, uma incompatibilidade, geral e abstrata, em cumular a qualidade de Advogado com a de sócio ou de sócio gerente de uma sociedade de administração e gestão de condomínio.

 

II -

 

Mas, muito embora se tenha concluído pela inexistência de qualquer incompatibilidade (geral e abstrata) à luz dos normativos legais que atrás analisámos, haverá que enfatizar que, ainda assim, a Senhora Advogada Consulente continua vinculada ao rigoroso cumprimento de todos (sem exceção) os deveres plasmados no EOA.

 

E é, precisamente, no cumprimento dos demais deveres estatutários que deve, a nosso ver, ser colocada a tónica desta nossa pronúncia. Pois que, será no incumprimento destes que aqueles que são os princípios basilares e norteadores da profissão poderão facilmente perigar.

 

Neste contexto, iremos aqui destacar, sem qualquer preocupação de exaustividade, as matérias que, a nosso ver e com maior enfoco, se colocam no caso submetido à nossa pronúncia.

 

A)

 

Sob a epígrafe “Exercício da advocacia em território nacional”, preceitua o artigo 66º, n.º 1 do EOA o seguinte: “Sem prejuízo do disposto no artigo 205.º[1], só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto”.

 

A Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto – Lei dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores (LAPAS) -, define o sentido e o alcance dos atos próprios dos Advogados e dos Solicitadores e veio tipificar o crime de procuradoria ilícita.

 

E a tipificação de todos esses atos próprios teve como objetivo, entre outros, claro está, defender os particulares das cada vez mais sofisticadas e existentes formas de procuradoria ilícita, a qual acarreta graves consequências para os cidadãos e a comunidade em geral por via do recurso ao apoio jurídico junto de quem não se encontra habilitado a prestá-lo.

 

A LAPAS veio assim reservar apenas aos licenciados em direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e aos Solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores a prática dos atos próprios dos Advogados e dos Solicitadores – cf. art.º 1.º, n.º 1.

 

Assim, sem prejuízo do disposto nas leis do processo, são atos próprios dos Advogados e dos Solicitadores:

  • O exercício do mandato forense, que corresponde ao mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz – cf. art. 1.º, n.º 5 e art. 2.º;
  • A consulta jurídica, qualificando-se esta como a atividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação de terceiro – cf. art. 1.º, n.º 5 e art. 3.º;
  • A elaboração de contratos e a prática de atos próprios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais – cf. art. 1.º, n.º 6, alínea a);
  • A negociação tendente à cobrança de créditos - art. 1.º, n.º 6, alínea b);
  • O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de atos administrativos ou tributários - art. 1.º, n.º 6, alínea c).

 

São ainda atos próprios, neste caso apenas dos Advogados, todos os que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade, bem como nos casos em que o processo penal determinar que o arguido seja assistido por defensor – cf. art. 1.º, n.ºs 9 e 10.

 

Da LAPAS decorre ainda que os atos reservados por lei a estas duas profissões apenas podem ser praticados por Advogado (aqui se incluindo também os Advogados Estagiários) ou Solicitador quando os serviços sejam prestados de forma isolada ou integrados em escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por Advogados, Solicitadores, Advogados e Solicitadores, Sociedades de Advogados e Sociedades de Solicitadores.

 

Fora deste contexto, a lei proíbe expressamente o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prestação de atos próprios dos Advogados e dos Solicitadores – cf. art. 6.º, n.º 1.

 

Do exposto se extrai que não é permitido a uma sociedade de administração e gestão de condomínios oferecer aos condóminos o serviço de apoio jurídico (nomeadamente, em ações judiciais, mediação de conflitos, ou outros).

 

Uma sociedade com este objeto está legalmente impedida de oferecer serviços jurídicos, ainda que esses serviços sejam prestados por Advogado e ainda que este seja sócio ou sócio gerente da sociedade em causa.

 

E se uma sociedade de administração e gestão de condomínios não pode prestar aos condóminos serviços de apoio jurídico, por maioria de razão, não poderá divulgar este tipo de serviços. 

 

Neste último caso, o Advogado que pratique este tipo de atos, ficará sujeito a responsabilidade disciplinar, sem prejuízo de outra (ou outras) responsabilidade que ao caso se aplique.

 

Particular ênfase merece, neste ponto, a assunção por parte de um Advogado da qualidade de sócio gerente de uma sociedade desta natureza, já que, consabidamente, um sócio gerente exerce a atividade para que a sociedade foi constituída.

 

B)

 

Se é verdade que, nos termos do Estatuto, nada obsta, em termos abstratos, a que um Advogado, sócio ou sócio gerente de uma sociedade de administração e gestão de condomínios, preste serviços jurídicos a essa mesma sociedade, não é menos verdade que esse mesmo Advogado continua vinculado ao cumprimento escrupuloso de todos os demais deveres que lhe são impostos estatutariamente.

 

O que significa que só uma análise casuística permitirá, neste particular, aferir do cumprimento ou incumprimento desses mesmos deveres por parte do Advogado.

 

Permitimo-nos destacar, mais uma vez, sublinhe-se, sem qualquer preocupação de exaustividade, os deveres plasmados nos seguintes artigos do Estatuto:

 

 

  • Impedimentos para o exercício do mandato forense e da consulta jurídica:

Os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa e por inconciliável disponibilidade para a profissão.

- Cfr. art.º 83º, n.º 1.

 

  • Independência:

O Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal e a terceiros.

– Cfr. art.º 89º.

 

  • Deveres para com a comunidade:

O Advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas.

 

Em especial, constituem deveres do Advogado para com a comunidade:

  • Não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação da lei ou a descoberta da verdade;
  • Recusar os patrocínios que considera injustos;
  • Recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretender abster-se de tal operação;
  • Não se servir do mandato para prosseguir objetivos que não sejam profissionais.

- Cfr. art.º 90º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), d) e g).

 

 

  • Relação com os clientes:

O Advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.

- Cfr. art.º 97º, n.º 2.

 

O Advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que atue conjuntamente com outro Advogado com competência e disponibilidade para o efeito.

- Cfr. art.º 98º, n.º 2 (dever de competência).

 

O Advogado deve dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca e não deve celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões que lhe são confiadas.

         - Cfr. art.º 100º, n.º 1, alíneas a) – primeira parte e d).

 

Verificando-se que o exercício da advocacia a favor da sociedade colide ou é suscetível de colidir (nomeadamente) com estes normativos não deverá a Senhora Advogada Consulente assumir a qualidade de Advogada da sociedade ou renunciar a tal qualidade, caso a colisão seja superveniente.

 

Maior preocupação suscita o cumprimento de todos estes deveres quando na mesma pessoa se cumulem a qualidade de Advogado e de sócio gerente da mesma sociedade.

 

Em suma:

Embora não exista uma incompatibilidade geral, à luz do EOA, em cumular a qualidade de sócio ou de sócio gerente de uma sociedade e a qualidade de Advogado dessa mesma sociedade, bem alta deve ser colocada à fasquia no que ao cumprimento de todos os demais deveres estatutários respeita.

 

  1. C)

 

No artigo 99º do EOA encontra-se regulado o denominado “Conflito de Interesses”. Aí estão plasmadas várias situações em que existe uma situação de incompatibilidade para o exercício do patrocínio.

A matéria do conflito de interesses resulta dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão e constitui expressa manifestação do princípio geral estatuído no artigo 89º do EOA, a que atrás, já tivemos oportunidade de nos referir.

O regime legal estabelecido a propósito do conflito de interesses cumpre uma tripla função[2]:

  1. Defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de atuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes;
  2. Defender o próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de atuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes;
  3. Defender a própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações.

 

Assim, estipula o artigo 99º do EOA que:

  1. O Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária – Cfr. n.º 1 da mencionada norma legal.
  2. O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado – Cfr. n.º 2 da mencionada norma legal.

Trata-se de evitar que em causas distintas (isto é, sem qualquer conexão entre si) e pendentes, o Advogado seja simultaneamente a favor de um constituinte numa delas e contra ele noutra.

  1. O Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes – Cfr. n.º 3 da mencionada norma legal.

Este impedimento pressupõe que o Advogado já representa um cliente num determinado litígio e este preceito legal impede-o de aceitar o patrocínio de um novo cliente para o representar no mesmo litígio, se este tiver um interesse conflituante com aquele outro.

  1. Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o Advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito – Cfr. n.º 4 da mencionada norma legal.
  2. O Advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente – Cfr. n.º 5 da mencionada norma legal.

 

Por fim, estipula a mencionada norma legal que, quando o Advogado exerce a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, as mencionadas situações de impedimento para o patrocínio se aplicam quer à associação quer a cada um dos seus membros – Cfr. n.º 6 da mencionada norma legal.

 

Sem prejuízo do exposto, não se poderá olvidar que, resultando a matéria do conflito de interesses dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, tal significa que a matéria em causa é, também, uma questão de consciência do próprio Advogado, não podendo ser reduzida a premissas puramente objetivas.

 

O que equivale a dizer que, ainda que do ponto de vista objetivo não exista qualquer impedimento na assunção de determinado mandato, caberá sempre ao Advogado avaliar e formular um juízo de consciência – quer ab initio, quer durante o decurso do mandato, nesta última hipótese, se em concreto tal se justificar -, sobre se a assunção daquele não colidirá com os deveres que devem nortear o exercício da profissão e cujo cumprimento escrupuloso garante a dignidade e o prestígio da profissão.

 

Outra conclusão não se pode retirar dos princípios da independência e da confiança, enquanto princípios basilares da profissão.

 

  1. D)

 

Outra norma que importa chamar à colação é a atinente à matéria da informação e publicidade do Advogado, tratada no artigo 94º do EOA.

 

O princípio geral é o de que “Os advogados e as sociedades de advogados podem divulgar a sua atividade profissional de forma objetiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos, do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência” – cf. o número 1 do mencionado preceito legal que fixa uma verdadeira cláusula geral.

 

Do exposto, podemos afirmar que, atualmente (e utilizamos este advérbio porque, consabidamente, só com a publicação do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, o nosso Estatuto se colocou em linha com a tendência liberal mais recente da advocacia continental), a divulgação da atividade profissional pode ser feita por qualquer meio ou conteúdo, desde que:

  • seja verdadeira e digna;
  • respeite os princípios deontológicos; e
  • respeite as normas gerais sobre publicidade e concorrência.

 

O número 2 da citada disposição procede à concretização daquela cláusula geral, enumerando, a título meramente exemplificativo, o que deve entender-se por “informação objetiva”.

 

Por sua vez, o número 3 enumera exemplificativamente situações que correspondem a “atos lícitos de publicidade”.

 

Por sua vez, no seu número 4, o preceito legal em análise estipula, também de forma não taxativa, o que são “atos ilícitos de publicidade”, cabendo aqui uma referência particular à restrição de atos de publicidade com conteúdos de autoengrandecimento e de comparação.

 

A excelência dos atos do Advogado não é avaliável por critérios objetivos ou quantitativos e pode ser timbre de qualquer Advogado independentemente da forma como exerce a sua profissão, seja em sociedade, em prática individual ou no âmbito de uma empresa.

 

Por isso é que a excelência não é comparável com qualquer menção a conteúdos de autoengrandecimento, constituindo estes, sempre, informação ou publicidade não objetiva e não-verdadeira.

 

Atento o regime legal em vigor e atrás elencado (ainda que de forma sintética), forçoso é concluir que os Advogados (mas também as Sociedades de Advogados – vide o número 5 da citada norma legal), não estão estatutariamente impedidos de divulgar a sua atividade profissional.

 

Deverão, contudo, fazê-lo de modo limitado e, naturalmente, que em nada coincida com uma publicidade comercial e/ou propagandística.

 

A informação e a publicidade do Advogado (e das Sociedades de Advogados) tem de ser, obrigatoriamente, objetiva, verdadeira e digna, respeitadora dos deveres deontológicos, do dever de sigilo profissional e das regras gerais da publicidade e da concorrência.

 

Assim, os deveres estatutários do Advogado em matéria de publicidade impedem-no de divulgar a sua atividade profissional, usando para o efeito a sociedade de administração e gestão de condomínios de que é sócio ou sócio gerente.

 

E)

 

E esta conclusão remete-nos para um outro dever estatutário de primordial importância para o exercício de uma profissão de verdadeiro interesse público, plasmado no artigo 90º, n.º 2, alínea h) do EOA.

 

Diz-nos o normativo legal em causa que é dever do Advogado “Não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa”.

 

Como refere Fernando Sousa Magalhães “A proibição de angariação de clientela a que alude a alínea h) do n.º 2 do artigo 90.º está intimamente associada ao princípio da escolha livre do advogado pelo mandante ou interessado, por se entender que tal forma de escolha é a única que garante a necessária relação de confiança entre o advogado e o seu cliente como impõe radicialmente o artigo 97.º, n.º 1. Assim permanece intocado o princípio da escolha livre, agora consignado nos artigos 67.º nº 2 e 98.º n.º 1 do E.O.A. [3].

 

Apenas se mostra lícita a captação de clientela decorrente da projeção do nome, saber, honestidade, conseguidos através do exercício da profissão no estrito cumprimento dos deveres impostos pelo EOA.

 

Sabemos que o exercício por Advogado das funções de sócio ou de sócio gerente deste tipo de sociedade é altamente potenciador de conduzir à angariação ilícita de clientela.

 

O uso de uma sociedade de administração e gestão de condomínios como forma de o Advogado angariar, direta ou indiretamente, clientes para si enquanto Advogado está vedado pelo Estatuto, para o que também se alerta a Senhora Advogada Consulente.

 

É este, s.m.o, o entendimento sobre a questão que nos foi colocada, no estrito cumprimento daquela que, por força da Lei, é a competência deste Conselho em matéria de parecerística.

 

Lisboa, 11 de junho de 2018.

 

 

O Vice-Presidente do Conselho Regional de Lisboa

(por delegação de poderes de 23 de fevereiro de 2017)
João Massano

 

 

 

[1] Dispõe este normativo legal que a prestação ocasional de serviços profissionais de advocacia em Portugal por Advogados da União Europeia que exerçam a sua atividade com o título profissional de origem é livre, sem prejuízo de os Advogados deverem dar prévio conhecimento desse facto à Ordem dos Advogados.

 

[2] Cfr. Parecer do Conselho Regional de Lisboa n.º 6/02, aprovado em 16.10.2002, e no qual foi relator o Senhor Advogado Dr. João Espanha.

[3] In “Estatuto da Ordem dos Advogados, anotado e comentado”, 11ª Edição, Almedina, Coimbra, janeiro de 2017, pág. 132/133.

 

João Massano

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