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Consulta 18/2019

Consulta  18/2019

 

Questão

 

Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de (…), sob o n.º (…) uma ação de insolvência de pessoa singular, no caso, (…), representada em juízo pelo Exmo. Senhor Dr. (…), Ilustre Advogado.

 

Nesse mesmo processo, o Exmo. Senhor Dr. (…) era, inicial e simultaneamente, credor reclamante e Advogado em causa própria.

 

Neste conspecto, por despacho de (…), o Tribunal decidiu notificar o Senhor Dr. (…) para “esclarecer se pretende manter a Procuração junta aos autos, uma vez que, figurando o mesmo como mandatário da devedora e credor da mesma, existe um possível conflito de interesses que não pode ser ignorado pelo Tribunal (…)”.

 

Na sequência deste despacho, o Senhor Advogado Dr. (…) requereu, em (…), a junção aos autos de documento que designou de “Substabelecimento”, e que tem a seguinte redação: “(…), NIF (…), com domicílio profissional em Y, constitui seu bastante procurador o Exmo. Sr. Dr. (…), Advogado, CP (…), com domicílio profissional em Y, a quem confere, com a faculdade de substabelecer, os mais amplos poderes forenses em direito permitidos.”

 

Sem prejuízo, entende o Tribunal que “não é pelo facto do Sr. Dr. (…), Mandatário da insolvente e seu credor nos autos, substabelecer num colega a sua representação enquanto credor da insolvente, que o mesmo deixa de estar numa situação susceptível de ser enquadrada como conflito de interesses nos autos, pois que representa a devedora e é seu credor”, razão pela qual vem solicitar a pronúncia do Conselho Regional de Lisboa.

 

Circunstanciados os factos, passemos à subsunção jurídica dos mesmos.

 

Opinião

 

O objeto da consulta solicitada subsume-se à matéria relativa a conflitos de interesses prevista no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (doravante apenas EOA).  

 

O artigo 99.º do EOA, sob a epígrafe “Conflito de Interesses”, determina nos seus números 1 a 6, o seguinte:

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado. 

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes. 

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito. 

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

É claro, através da análise do transcrito artigo, que a limitação ao exercício da advocacia por referência a outra atividade profissional ou cliente visa evitar a violação dos deveres de isenção, independência e, fundamentalmente, do dever de sigilo profissional.

 

No âmbito de um processo de insolvência, mormente, como sucede no caso sub judice, depois de proferida a sentença de declaração de insolvência, é certo, o interesse dos credores e o interesse do insolvente não são, ou podem ser, semelhantes.

 

Na verdade, tratando-se de um processo de execução universal de todos os bens do insolvente com vista ao pagamento de todos os créditos reclamados, no qual se colocam, ou podem colocar, questões jurídicas cuja apreciação e eventual condenação do insolvente é do interesse dos credores – incidente de qualificação de insolvência, entre outros – e não, certamente, do interesse do devedor, não podemos senão concluir que os interesses que se discutem no âmbito de um processo de insolvência, na perspetiva dos credores e do insolvente, são dissemelhantes e antagónicos entre si.

 

O artigo 99.º, nº 3 do EOA proíbe expressamente que um Advogado represente dois ou mais clientes quando, entre si, existam interesses dissemelhantes ou conflituantes.

 

No âmbito dos autos de insolvência já acima melhor identificados, o Senhor Advogado Dr. (…) optou por ser, simultaneamente, Advogado em causa própria e mandatário da Insolvente. Razão pela qual, e bem, o Tribunal suscitou a eventual existência de um conflito de interesses na representação simultânea, pelo Senhor Advogado Dr. (…), de um interesse pessoal, na qualidade de credor, e dos interesses da Insolvente.

Ora, notificado judicialmente para pôr fim à situação de conflito de interesses, o Senhor Advogado Dr. (…) juntou aos autos uma procuração, que denominou de substabelecimento, outorgada a favor de um seu Colega de escritório (o domicílio profissional de ambos é Y), a fim de passar a ser representado, naqueles autos, pelo Exmo. Senhor Dr. (…), Ilustre Advogado.

 

Isto é, o Senhor Advogado Dr. (…) optou por continuar a ser o mandatário da Insolvente e por fazer-se representar por mandatário judicial no âmbito da reclamação do seu crédito, quando para pôr fim à situação de conflito de interesses verificada deveria ter também renunciado aos poderes conferidos pela Insolvente, o que efetivamente não fez.

 

Mas mais. É que nos termos do disposto no n.º 6 do normativo legal aqui chamado à colação “Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros”.

 

Daqui decorre que a existência de conflito de interesses que era imputável ao Senhor Advogado Dr. (…) por, simultaneamente, ser Advogado em causa própria e mandatário da Insolvente, mantém-se inalterada, uma vez que através da outorga da procuração forense a favor do Senhor Dr. (…), o Senhor Advogado Dr. (…) mais não fez do que estender a sua própria situação de conflito de interesses a outrem, sem deixar de permanecer nessa mesma situação.

 

Concluindo, a solução jurídica propugnada pelo Senhor Advogado Dr. (…) não alterou materialmente a situação de conflito de interesses existente, de acordo com a previsão contida nos invocados n.ºs 3 e 6 do artigo 99.º do EOA.

 

É este, s.m.o., o nosso entendimento sobre a questão que no foi colocada.

 

Lisboa, 31 de julho de 2019.

A Assessora Jurídica do CRL
Sandra Barroso

 

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de julho de 2019.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

 

 

 

Sandra Barroso

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