Pareceres do CRLisboa

Consulta 21 /2019

Consulta  21/2019

 

Questão

 

Mediante comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados em (…) (entrada com o número de registo (…), veio a Exma. Senhora Dra. (…), Ilustre Advogada, portadora da cédula profissional n.º (…), solicitar a emissão de parecer, cujo objeto se restringe à apreciação de um eventual conflito de interesses na aceitação de novos clientes.

 

Os factos descritos pela Senhora Advogada consulente são, em síntese, os seguintes:

  1. A Senhora Advogada consulente foi mandatária de uma trabalhadora, no litígio que a opôs a duas sociedades comerciais, no ano de 2017.
  2. Esse litígio terminou por acordo entre as partes.
  • Em 27 de fevereiro de 2019, a Senhora Advogada consulente acompanhou a trabalhadora, ouvida na qualidade de testemunha, em processo instaurado contra as referidas sociedades comerciais pelo Instituto da Segurança Social, I.P.
  1. Entretanto, as sociedades comerciais contactaram a Senhora Advogada consulente para que esta passasse a patrociná-las, judicial e extrajudicialmente.
  2. Refere a Senhora Advogada consulente que os atos que praticará na qualidade de Advogada das duas sociedades comerciais nada têm a ver com a situação jurídica relativa à trabalhadora.

 

Uma vez que da análise dos factos descritos no seu pedido de parecer, era possível suscitar-se a dúvida sobre se a Senhora Advogada consulente era ainda mandatária da antiga trabalhadora das sociedades para as quais pretende agora prestar serviços de advocacia, solicitou-se este esclarecimento, ao qual a Senhora Advogada consulente respondeu negativamente, por mensagem de correio eletrónico datada de 6 de junho de 2019.

 

Circunstanciados os factos, passemos à subsunção jurídica dos mesmos.

 

Opinião

 

O objeto da consulta solicitada subsume-se à matéria relativa a conflitos de interesses prevista no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (doravante apenas EOA). 

 

O artigo 99.º do EOA, sob a epígrafe “Conflito de Interesses”, determina nos seus números 1 a 6, o seguinte:

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado. 

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes. 

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito. 

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

 

 

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

É claro, através da análise do citado artigo, que a limitação ao exercício da advocacia, por referência a outra atividade profissional ou cliente, visa evitar a violação dos deveres de isenção, independência e, fundamentalmente, do dever de sigilo profissional.

 

Decorre desta interpretação, que não bastará concluir-se pela inexistência de posições dissemelhantes para que seja afastado o regime jurídico previsto no artigo 99.º do EOA.

 

Com efeito, a interpretação do artigo 99.º do EOA permite aferir que o conflito de interesses não se esgota na iminência ou existência de uma situação concretamente conflituante, isto é, quando se verifica que estão em causa dois ou mais interesses que se opõem ou que se excluam reciprocamente, mas que também integra todas as demais situações em que, por via da aceitação de um (novo) mandato, o Advogado se coloque numa situação em que pode beneficiar ilegitimamente o seu mandante ou pôr em causa o cumprimento do segredo profissional relativamente a um seu anterior mandante. Decorre esta interpretação, designadamente, dos transcritos números 1, 2 e 5 do artigo 99.º do EOA.

 

Voltando agora aos factos que subjazem ao pedido de parecer solicitado, haverá que referir o seguinte.

 

A questão que se coloca é a de saber se, não obstante ter efetivamente cessado o mandato da Senhora Advogada consulente relativamente à trabalhadora, esta circunstância, só por si e ipso facto, a impede de aceitar o mandato que as duas sociedades comerciais, onde a antiga constituinte exercia a sua atividade laboral, pretendem agora conferir-lhe. 

 

E não podemos deixar de responder negativamente à questão colocada. Bastará, para tanto, atentar no quadro normativo que acabamos de traçar.

 

De facto, referindo a Senhora Advogada consulente que não existe qualquer conexão (material) entre os assuntos que anteriormente lhe foram confiados e os assuntos que as sociedades comerciais agora pretendem confiar-lhe, não vislumbramos – enfatize-se, do ponto de vista estritamente objetivo -, como possa existir qualquer impedimento na assunção dos novos mandatos.

 

Sem prejuízo do exposto, não se poderá olvidar que a matéria do conflito de interesses resulta dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão. O que significa que a matéria do conflito de interesses é, também, uma questão de consciência do próprio Advogado, não podendo ser reduzida a premissas puramente objetivas.

 

O que equivale a dizer que, ainda que do ponto de vista objetivo não exista qualquer impedimento na assunção de determinado (s) mandato (s), caberá sempre ao Advogado avaliar e formular um juízo de consciência – quer ab initio, quer durante o decurso do (s) mandato (s), nesta última hipótese, se em concreto tal se justificar -, sobre se a assunção daquele (s) não colidirá com os deveres que devem nortear o exercício da profissão, mormente o dever de sigilo, e cujo cumprimento escrupuloso garante a dignidade e o prestígio da profissão.

 

Outra conclusão não se poderia retirar dos princípios da independência e da confiança, enquanto princípios basilares da profissão.

 

E, diga-se que, só o Advogado estará em posição de fazer essa avaliação.

 

É este, s.m.o., o nosso entendimento quanto à questão que nos foi colocada.

 

Lisboa, 12 de agosto de 2019.

 

A Assessora Jurídica do CRL
Sandra Barroso

 

 

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de agosto de 2019.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

Sandra Barroso

Topo