Pareceres do CRLisboa

Consulta 31 /2019

 Consulta 31/2019

 

Questão

 

Mediante comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados em (…) (entrada com o número de registo (…), veio a Exma. Senhora Dra. (…), Ilustre Advogada, portadora da cédula profissional n.º (…), requerer a emissão de parecer, cujo objeto se restringe à apreciação de um eventual conflito de interesses na aceitação de um novo cliente.

 

Os factos descritos pela Senhora Advogada Consulente são, em síntese, os seguintes:

 

  1. Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de (…), sob n.º (…), uma ação de anulação de deliberações aprovadas pela maioria dos condóminos do condomínio do prédio sito na (…).
  2. Esta ação foi precedida de uma providência cautelar que veio a ser, após definitivamente julgada, indeferida.
  • Quer a providência cautelar, quer a ação principal foram instauradas pelos condóminos proprietários da fração autónoma que corresponde ao 3º andar direito contra os restantes condóminos, com exceção dos proprietários do 3º andar esquerdo.
  1. No âmbito da ação principal, os condóminos Réus estão representados pela Senhora Advogada Consulente.
  2. Por deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária realizada em (…), foi aprovado por maioria dos condóminos contratar como Advogada do condomínio, a Senhora Advogada Consulente.
  3. Na referida Assembleia Geral Extraordinária opuseram-se à contratação da Senhora Advogada Consulente, os proprietários das frações autónomas correspondentes aos terceiros andares direito e esquerdo, os primeiros Requerentes e Autores nas mencionadas providência cautelar e ação para anulação das deliberações sociais.
  • A Senhora Advogada Consulente pugna pela inexistência de conflito de interesses na aceitação do mandato a conferir pela administração do condomínio.
  • Com efeito, entende a Senhora Advogada Consulente que a providência cautelar (conforme aliás foi decidido em 1ª instância e, em sede de recurso, pelo Tribunal da Relação de Lisboa) e a ação principal foram erradamente propostas contra os condóminos, quando o deveriam ter sido contra o condomínio, por este ter capacidade e legitimidade judiciárias passivas, ao abrigo da interpretação conjugada dos artigos 12.º, alínea e) do Código de Processo Civil e artigo 1436.º, alínea h), do Código Civil.
  1. O que permite à Senhora Advogada Consulente concluir que a ação principal terá o mesmo desfecho – exceção da ilegitimidade passiva dos condóminos.

 

Circunstanciados os factos, passemos à subsunção jurídica dos mesmos.

 

Opinião

 

O objeto da consulta solicitada subsume-se à matéria relativa a conflitos de interesses prevista no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (doravante apenas EOA). 

 

O artigo 99.º do EOA, sob a epígrafe “Conflito de Interesses”, determina nos seus números 1 a 6, o seguinte:

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado. 

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes. 

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito. 

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

É claro, através da análise do citado artigo, que a limitação ao exercício da advocacia, por referência a outra atividade profissional ou cliente, visa evitar a violação dos deveres de isenção, independência e, fundamentalmente, do dever de sigilo profissional.

 

Decorre desta interpretação, que não bastará concluir-se pela inexistência de posições dissemelhantes para que seja afastado o regime jurídico previsto no artigo 99.º do EOA.

 

Com efeito, a interpretação do artigo 99.º do EOA permite aferir que o conflito de interesses não se esgota na iminência ou existência de uma situação concretamente conflituante, isto é, quando se verifica que estão em causa dois ou mais interesses que se opõem ou que se excluam reciprocamente, mas que também integra todas as demais situações em que, por via da aceitação de um (novo) mandato, o Advogado se coloque numa situação em que pode beneficiar ilegitimamente o seu mandante ou pôr em causa o cumprimento do segredo profissional relativamente a um seu anterior mandante. Decorre esta interpretação, designadamente, dos transcritos números 1, 2 e 5 do artigo 99.º do EOA.

 

Voltando agora aos factos que subjazem ao pedido de parecer solicitado, haverá que referir o seguinte.

 

Antes de mais, cumpre enfatizar que, do ponto de vista jurídico, estamos perante clientes distintos. Por um lado, os condóminos enquanto pessoas singulares e, por outro lado, a pessoa coletiva condomínio, com personalidade jurídica autónoma dos seus condóminos e representada pelo Administrador do Condomínio, eleito em Assembleia Geral.

 

Também a circunstância de a Senhora Advogada Consulente prever que a decisão a proferir pelo Tribunal de 1ª Instância será de absolvição dos condóminos Réus, seus clientes, com fundamento na sua ilegitimidade, não afasta o facto de, atualmente, ser a mandatária desses condóminos. O que, desde logo, poderá suscitar questões de conflito de interesses subsumível ao disposto no artigo 99.º, n.º 2 do EOA.

 

Um exemplo simples será o de a Senhora Advogada Consulente, aceitando o mandato que o condomínio pretende conferir-lhe, ter que propor contra os seus atuais clientes, os condóminos Réus, uma ação declarativa ou executiva contra os mesmos, com o fim de obter, coercivamente, o pagamento de quotas devidas ao condomínio. Nesta hipótese, a Senhora Advogada Consulente teria, por força do invocado normativo legal, de recusar a propositura de tal ação.  

 

Crucial para compreender se na situação sub judice existe ou não conflito de interesses é ainda perceber:

  1. Se, à luz do disposto no artigo 99.º, n.º 1 – 2ª parte, a aceitação deste novo cliente – condomínio - importará a apreciação de assuntos, direta ou indiretamente, conexos com os assuntos que foram confiados à Senhora Advogada Consulente pelos condóminos que representa (ou representou, caso o mandato já tenha cessado ou venha a cessar);
  2. Se, à luz do disposto no artigo 99.º, n.º 5 do EOA, o facto de aceitar este novo cliente é suscetível de proporcionar a este vantagens ilegítimas ou injustificadas, por conhecimento de factos ligados aos condóminos Réus por força do mandato por estes conferido no âmbito da ação n.º (…); e ainda,
  3. Se, também à luz do disposto no artigo 99.º, n.º 5 do EOA, a aceitação deste novo cliente é suscetível de colocar a Senhora Advogada Consulente na hipótese, ainda que académica, de pôr em risco o dever de guardar segredo profissional a que se encontra adstrita por força dos serviços jurídicos prestados aos condóminos Réus.

 

Assim, deverá a Senhora Advogada Consulente ponderar, antes da assunção do mandato do condomínio e considerando os assuntos que este pretende confiar-lhe - e cujo âmbito, em concreto, desconhecemos -, se existe o risco, ainda que potencial, de vir a verificar-se um conflito de interesses nos termos acabados de enunciar. Existindo esse risco, deve a Senhora Advogada Consulente recusar a assunção do referido mandato.

 

É este, s.m.o., o nosso entendimento quanto à questão que nos foi colocada.

 

Lisboa, 13 de agosto de 2019.

 

A Assessora Jurídica do CRL
Sandra Barroso

 

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de agosto de 2019.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa

António Jaime Martins

 

 

 

Sandra Barroso

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