Pareceres do CRLisboa

Consulta 33 /2019

Consulta 33/2019

 

Questão

 

Mediante comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia (…) (entrada com o número de registo (…), o Exmo. Senhor Dr. (…), Ilustre Advogado, titular da cédula profissional n.º (…), veio, ao abrigo do disposto no artigo 54.º, n.º 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, solicitar a emissão de Parecer quanto à questão que passamos a enunciar.

 

O Senhor Advogado Consulente patrocinou durante cerca de uma década (…). Terminado o mandato, o Senhor Advogado Consulente apresentou a correspondente nota discriminativa e justificativa de honorários.

 

Em sequência, a nova mandatária do seu antigo constituinte, Senhora Dra. (…), Ilustre Advogada, apresentou “duas objeções para não proceder ao pagamento dos honorários apresentados”, a saber, “a nota discriminativa foi apresentada cinco anos decorridos sobre o último serviço prestado” e “a nota discriminativa apresenta um valor (16.250,00€) que corresponde a cerca de 4x (…) o valor das provisões (4.500,00€)”.  Sendo que, em ulterior comunicação veio a Ilustre Causídica a entender que os honorários “se lhe afiguram excessivos e injustificados de acordo com os parâmetros que ela própria costuma utilizar (…)”.

 

Para garantia do pagamento do seu crédito de honorários, o Senhor Advogado Consulente entendeu legítimo o exercício do direito de retenção sobre documentos que tinha na sua posse, argumentando que “havia alternativas aos documentos que retenho, quer porque de tudo o que o Cliente me entregou ou que se fez no escritório lhe foi dada fotocópia, quer porque o requerimento (…) enviado ao Presidente do AICEP também foi entregue e encontra-se nesta agência”.

 

 

Neste contexto, o Senhor Advogado Consulente sugeriu, então, à Colega que solicitasse o esclarecimento das dúvidas ou pedisse um laudo à Ordem. Na sequência dessa sugestão, a Senhora Dra. (…) terá manifestado a intenção de apresentar uma queixa junto do Conselho de Deontologia (desconhecendo o Senhor Advogado Consulente se, efetivamente, a Colega o fez), isto porque, em seu entender, pretendendo o agora seu constituinte propor uma ação cujo prazo terminará no dia 1 de setembro, o comportamento do Senhor Advogado Consulente punha em causa a tutela desse direito.

 

Ulteriormente, o Senhor Advogado Consulente veio comunicar que, no pretérito dia 30 de julho, procedeu à entrega no escritório da Colega dos documentos retidos.

 

Sem prejuízo, pretende o Senhor Advogado Consulente esclarecimentos acerca da situação descrita, ou seja, saber se podia, legitimamente, ter retido os documentos que tinha em seu poder para garantia do pagamento do seu crédito de honorários.

 

Opinião

 

É no artigo 754.º do Código Civil que encontramos os requisitos (gerais) de que depende a existência e o exercício do direito de retenção.

 

Lido o normativo legal em causa, concluímos que os requisitos em causa são:

  1. A detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem;
  2. Que aquele que pretende exercer o direto de retenção seja credor da pessoa com direito à entrega;
  3. Que o crédito daquele que pretende exercer o direto de retenção resulte de despesas com a coisa ou de prejuízos provenientes da própria coisa retida.

 

Do artigo 755.º, n.º 1, alínea g) do Código Civil, decorre ainda que o mandatário (forense ou não) goza do direito de retenção sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua atividade.

 

O regime (especial) do direito de retenção aplicável ao mandato forense está regulado no artigo 101.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante apenas EOA).

 

Nos termos n.º 2 do normativo legal em causa, quando cessa a representação do cliente, o Advogado deve restituir-lhe os valores, objetos ou documentos deste que se encontrem em seu poder.

 

Contudo, e de acordo com o n.º 3 da mesma norma legal, “O advogado, apresentada a nota de honorários e despesas, goza do direito de retenção sobre os valores, objetos ou documentos referidos no número anterior, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhe sejam devidas pelo cliente, a menos que os valores, objetos ou documentos em causa sejam necessários para prova do direito do cliente ou que a sua retenção cause a este prejuízos irreparáveis”.

 

Portanto, a norma estatutária determina que o Advogado só pode, legitimamente, exercer o direito de retenção quando, cumulativamente, se verifiquem (também) os seguintes requisitos:

  1. Quando o Advogado já tenha apresentado ao (antigo) cliente a nota de honorários e despesas;
  2. Quando o direito de retenção incidir (exclusivamente) sobre valores, objetos ou documentos do cliente;
  3. Quando os valores, objetos ou documentos retidos não forem necessários para prova do direito do cliente;
  4. Quando a retenção dos valores, objetos ou documentos não cause prejuízos irreparáveis ao cliente.

 

Da exposição que nos foi dirigida, e focando-nos naqueles que são os requisitos especiais do direito de retenção, decorre que o Senhor Advogado Consulente apresentou a nota de honorários ao antigo cliente, depois de prestados os serviços jurídicos que por aquele lhe foram solicitados.

 

 

Para que possa considerar-se preenchido o requisito da alínea a), basta que a nota de honorários (e despesas) tenha sido apresentada, não sendo necessário que o antigo cliente a tenha aprovado.

 

Tal entendimento estriba-se no facto de, após a retenção efetuada pelo Advogado, o antigo cliente poder defender-se, seja através da apresentação de um pedido de laudo, seja através da prestação de caução arbitrada pelo Conselho Regional, nos termos do artigo 101.º, n.º 4 do EOA, caso em que o Advogado deverá restituir os valores e objetos retidos, independentemente do pagamento a que tenha direito.

 

Neste ponto, permitimo-nos enfatizar que é dever do Advogado informar o antigo cliente dos dois mecanismos que lhe permitem afastar o direito de retenção do Advogado, ainda que legitimamente exercido.

 

Continuando, concluímos que tudo indica que também se mostre preenchido o requisito da alínea b). De facto, o direito de retenção foi exercido sobre documentos do antigo cliente e a que o Senhor Advogado Consulente teve acesso por força e no âmbito dos serviços jurídicos àquele prestados.

 

Quanto aos requisitos elencados nas alíneas c) e d), os elementos colocados à nossa disposição pelo Senhor Advogado Consulente não nos permitem verificar se se mostram, ou não, devidamente preenchidos.

 

Concluindo, apenas se também cumulativamente estivessem verificados os requisitos das alíneas c) e d), poderia, legitimamente, o Il. Colega Consulente ter sido exercido o direito de retenção sobre os documentos do antigo cliente que tinha na sua posse, o que não nos é possível verificar como já referido.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 13 de agosto de 2019.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

António Jaime Martins

Topo