Pareceres do CRLisboa

Consulta 51 /2019

 Consulta 51/2019

 
Questão



Por requerimento que deu entrada no Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados no passado dia (…), com o n.º (…), veio a Exma. Senhora Advogada Dra. (…), sócia da Sociedade de Advogados A, solicitar a emissão de parecer sobre a seguinte situação:

  1. A Ilustre Colega assume há longa data o patrocínio judicial da Universidade (…);
  2. Em 2007, a Ilustre Colega integrou a A, data a partir da qual os mandatos forenses em todos os processos, mesmo os já existentes, passaram a ser assumidos por todos os sócios da Sociedade de Advogados;
  3. Nesta data, encontram-se em curso os processos judiciais identificados no pedido de consulta apresentado pela Ilustre Colega, para o qual se remete.
  4. Em (…), terá sido eleita Reitora da Universidade (..) a Professora Doutora (…), irmã da Ilustre Colega, a quem cabe, nos termos da lei, representar a instituição em juízo ou fora dele;
  5. É entendimento da Ilustre Colega que, nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo, e a partir da tomada de posse da Reitora da Universidade (…), estará vedada a contratação da A pela Universidade;
  6. Porém, a Universidade (..) terá manifestado interesse em que fosse mantido o patrocínio judicial nos processos em curso.

Neste contexto, vem a Ilustre Colega solicitar parecer sobre a “existência de eventual impedimento à manutenção dos mandatos forenses em nome de todos os sócios da Sociedade de Advogados A, nos processos em curso, “nos termos do nº 6 do art. 83º do Estatuto da Ordem dos Advogados”.

 

Opinião

 

Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 54.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) em vigor, que cabe a cada um dos Conselhos Regionais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.

 

Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do EOA e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.

 

Isto quer dizer, por outras palavras, que a matéria sobre a qual o Conselho Regional de Lisboa se deve pronunciar para efeitos do referido artigo deverá circunscrever-se à relacionada com o exercício da profissão.

 

Ora, não temos dúvidas de que a questão colocada à apreciação deste Conselho configura uma “questão de carácter profissional”, nos termos e para efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 54.º do EOA, que define a competência material do Conselho, pelo que há que proceder à emissão de parecer quanto à questão colocada.

 

Vejamos então.

 

Começaremos por sublinhar que o enquadramento (estatutário) que daremos ao Parecer solicitado será um pouco diverso do enquadramento feito pela Ilustre Colega.

 

De facto, a Ilustre Colega coloca a questão ao nível da matéria das incompatibilidades e impedimentos, regulada nos artigos 81.º e ss. do EOA, que se reportam aos cargos, funções e atividades que, de modo geral, contendem com o exercício da Advocacia.

 

De forma simplista, diremos que o artigo 82.º do EOA especifica, de uma forma não taxativa, situações concretas de incompatibilidade, pretendendo, assim, garantir a inexistência de colisão de interesses e deveres entre a Advocacia e o exercício de qualquer outra atividade.

 

O normativo legal ínsito no artigo 81.º do EOA enuncia, digamos, os princípios gerais à luz dos quais se afere se determinados cargos, funções e atividades, não tipificados no artigo 82.º do EOA, são incompatíveis com o exercício da Advocacia.

 

Por seu turno, o artigo 83.º do EOA reporta-se às situações em que, muito embora não exista uma incompatibilidade absoluta para o exercício da Advocacia à luz dos artigos 81.º e 82.º, o legislador, ainda assim, impôs restrições ao exercício do mandato forense.

 

Na situação sub judice, o que a Ilustre Colega pretende saber é se a circunstância de a recentemente eleita Reitora da Universidade (…) ser sua irmã, a impede, e a latere os demais sócios da A, de continuar a patrocinar a Universidade (…) nos processos judiciais no âmbito dos quais detém mandato.  

 

Resposta que, a nosso ver, terá que ser dada à luz daqueles que são os princípios gerais da profissão, os deveres para com a comunidade em geral, e para com os Clientes em particular.

 

Neste conspecto, permitimo-nos chamar à colação, e sem qualquer preocupação de exaustividade, os deveres plasmados nos seguintes artigos do Estatuto:

  • Integridade:

O Advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.  

- Cfr. artigo 88.º, n.º 1.

 

  • Independência:

O Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu Cliente, aos Colegas, ao Tribunal e a terceiros.

– Cfr. art.º 89.º.

 

  • Deveres para com a comunidade:

O Advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas.

 

Em especial, constituem deveres do Advogado para com a comunidade:

  • Não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação da lei ou a descoberta da verdade;
  • Recusar os patrocínios que considera injustos;
  • Recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretender abster-se de tal operação;
  • Não se servir do mandato para prosseguir objetivos que não sejam profissionais.

- Cfr. art.º 90.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), d) e g).

 

  • Relação com os clientes:

O Advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do Cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.

- Cfr. art.º 97.º, n.º 2.

 

O Advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que atue conjuntamente com outro Advogado com competência e disponibilidade para o efeito.

- Cfr. art.º 98.º, n.º 2 (dever de competência).

O Advogado deve dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o Cliente invoca e não deve celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões que lhe são confiadas.

            - Cfr. art.º 100.º, n.º 1, alíneas a) – primeira parte e d).

 

Aqui chegados cabe referir que, do ponto de vista objetivo e tal como se encontra recortado o pedido de parecer, não nos parece que o facto de a irmã da Ilustre Colega ter sido eleita e ter assumido funções de Reitora da Universidade (…), por si só, impeça a Ilustre Colega e/ou os demais sócios da A de continuem a exercer o mandato forense nos processos judiciais em curso em representação da Universidade (…), já que tal não colidirá com os princípios gerais e com os deveres que devem nortear o exercício da profissão e cujo cumprimento escrupuloso garante a dignidade e o prestígio da profissão, mormente os atrás enunciados.

 

Sem prejuízo, sempre caberá à Ilustre Colega e demais mandatários avaliar e formular um juízo de consciência sobre se a manutenção dos mandatos assumidos em representação da Universidade (…) permitirá o cumprimento, livre e sem constrangimentos, de tais princípios e deveres.

 

Sendo esse juízo de consciência positivo, nada obstará, de acordo como elementos que nos foram dados a conhecer, à manutenção dos mandatos assumidos em representação da Universidade (…).

 

É este, s.m.o., o nosso entendimento sobre a questão que nos foi colocada.

 

Lisboa, 16 de dezembro de 2019.

 

O Vice-Presidente do Conselho Regional de Lisboa

(por delegação de poderes de 23 de fevereiro de 2017)
João Massano

 

João Massano

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