CONSULTA 32/2018
Consulta 32/2018
Questão
Mediante comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia (…) (entrada com o número de registo …), a Exma. Senhora Advogada Dra. (…), titular da cédula profissional n.º (…), veio, ao abrigo do disposto no artigo 54.º, n.º 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, solicitar a emissão de Parecer quanto à questão de saber se poderá reter uma quantia que tem em seu poder (€ 42.750,00), para pagamento do seu crédito de honorários e despesas (no valor de € 67.620,00).
Opinião
É no artigo 754º do Código Civil que encontramos os requisitos (gerais) de que depende a existência e o exercício do direito de retenção.
Lido o normativo legal em causa, concluímos que os requisitos em causa são:
- A detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem;
- Que aquele que pretende exercer o direto de retenção seja credor da pessoa com direito à entrega;
- Que o crédito daquele que pretende exercer o direto de retenção resulte de despesas com a coisa ou de prejuízos provenientes da própria coisa retida.
Do artigo 755º, n.º 1, alínea g) do Código Civil, decorre ainda que o mandatário (forense ou não) goza do direito de retenção sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua atividade.
O regime (especial) do direito de retenção aplicável ao mandato forense está regulado no artigo 101º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante apenas EOA).
Nos termos n.º 2 do normativo legal em causa, quando cessa a representação do cliente, o Advogado deve restituir-lhe os valores, objetos ou documentos deste que se encontrem em seu poder.
Contudo, e de acordo com o n.º 3 da mesma norma legal, “o advogado, apresentada a nota de honorários e despesas, goza do direito de retenção sobre os valores, objetos ou documentos referidos no número anterior, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhe sejam devidas pelo cliente, a menos que os valores, objetos ou documentos em causa sejam necessários para prova do direito do cliente ou que a sua retenção cause a este prejuízos irreparáveis”.
Portanto, a norma estatutária determina que o Advogado só pode, legitimamente, exercer o direito de retenção quando, cumulativamente, se verifiquem (também) os seguintes requisitos:
- Quando o Advogado já tenha apresentado ao (antigo) cliente a nota de honorários e despesas;
- Quando o direito de retenção incidir (exclusivamente) sobre valores, objetos ou documentos do cliente;
- Quando os valores, objetos ou documentos retidos não forem necessários para prova do direito do cliente;
- Quando a retenção dos valores, objetos ou documentos não cause prejuízos irreparáveis ao cliente.
Da exposição que nos foi dirigida, e focando-nos naqueles que são os requisitos especiais do direto de retenção, decorre que a Senhora Advogada Consulente apresentou a nota de honorários e despesas ao cliente, depois de prestados os serviços jurídicos que por aquele lhe foram solicitados.
Para que possa considerar-se preenchido o requisito da alínea a), basta que a nota de honorários e despesas tenha sido apresentada, não sendo necessário que o cliente a tenha aprovado.
Tal entendimento estriba-se no facto de, após a retenção efetuada pelo Advogado, o cliente pode defender-se, seja através da apresentação de um pedido de laudo, seja através da prestação de caução arbitrada pelo Conselho Regional, nos termos do art.º 96º, n.º 4 do EOA, caso em que o Advogado deverá restituir os valores e objetos retidos, independentemente do pagamento a que tenha direito.
Neste ponto, permitimo-nos enfatizar que é dever do Advogado informar o cliente que lhe assiste a faculdade de requerer ao Conselho Regional de Lisboa a fixação de caução, mecanismo que lhe permite afastar o direito de retenção do Advogado (ainda que legitimamente exercido), e/ou que poderá requerer um laudo sobre honorários ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
Continuando, concluímos que tudo indica que também se mostre preenchido o requisito da alínea b). De facto, a quantia retida corresponde ao direito de crédito que a cliente da Senhora Advogada Consulente está a exercer no âmbito de um processo executivo, ainda em curso.
E, neste contexto, o pagamento efetuado pela devedora foi transferido para a conta bancária da Senhora Advogada Consulente já que era o seu NIB que constava do processo, “como sempre foi habitual nos processos executivos”, conforme refere.
Quanto ao requisito elencado na alínea c), e considerando o objeto sobre o qual foi exercido o direito de retenção, também nos parece mostrar-se devidamente preenchido, pois que o valor retido não é necessário para prova do direito da cliente.
Já quanto ao requisito da alínea d), os elementos colocados à nossa disposição pela Senhora Advogada Consulente não nos permitem verificar se se mostra, ou não, devidamente preenchido.
Portanto, apenas se também se verificar o requisito da alínea d), a Senhora Advogada Consulente poderá, legitimamente, exercer o direito de retenção sobre o valor que foi transferido para a sua conta bancária, valor, de resto, inferior, ao valor constante da nota de despesas e honorários.
Não obstante, enfatize-se que a Senhora Advogada Consulente apenas é titular de um direito de retenção, direito este que serve de garantia de que, no futuro, o seu crédito será satisfeito.
O que implica, necessariamente, que a Senhora Advogada Consulente tenha de recorrer aos Tribunais para exercer o direito aos honorários que entende serem-lhe devidos [1].
Não está aqui em causa um direito de compensação, ou seja, o direito de a Senhora Advogada Consulente se fazer pagar com o valor retido, mas, simplesmente, e passe-se a redundância, retê-lo, fixando um prazo dentro do qual a sua antiga cliente deverá liquidar o valor constante da nota de honorários e despesas apresentada.
Realce-se que, por forma a garantir o pagamento dos honorários que lhe são devidos, também a Senhora Advogada Consulente poderá fazer uso da faculdade prevista no art.º 96º, n.º 4 do EOA, solicitando ao Conselho Regional de Lisboa que seja arbitrada caução.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de julho de 2018.
O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins
[1] Neste ponto, permitimo-nos alertar para o disposto no artigo 92º, n.º 4 do EOA, que exige uma autorização prévia para divulgação de factos sigilosos (ainda que versados em documentos).
António Jaime Martins
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