Pareceres do CRLisboa

CONSULTA 35/2018

Consulta 35/2018

 

I - Questão

 

Mediante comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia 24 de setembro de 2018 (entrada com o número de registo 26470), o Exmo. Senhor Advogado Dr. Miguel Esperança Pina, titular da cédula profissional n.º 11836 L, veio, ao abrigo do disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 54.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, solicitar a emissão de Parecer quanto à questão cujo enquadramento factual é, em síntese, o seguinte:

 

  1. A Sociedade de Advogados A, da qual o Senhor Advogado Consulente foi sócio, foi contratada para prestar assessoria ao cliente B;

 

  1. No âmbito dessa assessoria, o Senhor Advogado Consulente (e outros Advogados da Sociedade A) foi mandatado para representar o mencionado cliente B, no âmbito de uma ação judicial em que o cliente B era demandado pela entidade D, patrocinada por Advogados da Sociedade de Advogados E;

 

  1. O Senhor Advogado Consulente interveio na mencionada ação e assinou os respetivos articulados com outros Colegas da Sociedade de Advogados A;

 

  1. Quando deixou de ser sócio da Sociedade de Advogados A, o Senhor Advogado Consulente substabeleceu sem reserva os poderes que lhe haviam sido conferidos no âmbito da mencionada ação, continuando o cliente B a ser patrocinado por Advogados da Sociedade de Advogados A;

 

  1. O Senhor Advogado Consulente pretende agora tornar-se sócio da Sociedade de Advogados E, sociedade a que pertencem os Advogados que (ainda) patrocinam a entidade D no âmbito da ação a que temos vindo a fazer referência.

 

 

II - Opinião

 

A questão colocada à nossa apreciação deverá, primacialmente, ser vista sob duas vertentes, a saber, o conflito de interesses e o segredo profissional.

 

Neste conspecto, haverá aqui que chamar à colação o normativo legal contido no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (doravante apenas EOA), com especial incidência nos seus números 1, 5 e 6, que por facilidade de exposição se reproduzem:

 

“1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

(…)

5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 – Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros”.

 

  1. Da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 99.º do EOA

 

A regra geral é a de que o Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária (cfr. art.º 99.º, n.º 1 do EOA).

 

De forma a respeitar elementares regras de exercício em associação da profissão de Advogado, o nosso Estatuto esclarece que este princípio se aplica, quer à associação, quer a cada um dos seus membros (cfr. art.º 99.º, n.º 6 do EOA).

 

A ratio deste princípio é a de evitar situações promíscuas ou de transparência duvidosa no seio de uma Sociedade de Advogados, e não a de fazer perdurar a inibição para além da cessação da causa que o justifica.

 

Portanto, tal proibição só existe enquanto se mantiver o vínculo societário.

 

Grosso modo, diremos que o Advogado deve respeitar as regras destinadas a evitar conflitos de interesses mesmo no que respeita a assuntos e clientes de outros Advogados integrados em estrutura societária para os quais nunca tenha prestado serviços, mas só enquanto exercer a sua profissão integrado nessa mesma estrutura.

 

Portanto, a inibição que resulta do artigo 99.º, n.º 6 do EOA só vinculou o Senhor Advogado Consulente enquanto exerceu a sua profissão integrado na Sociedade de Advogados A, mas cessou no momento em que o Senhor Advogado Consulente deixou de exercer a sua atividade profissional nessa mesma estrutura societária.

 

Muito embora não exista a inibição imposta pelo artigo 99.º, n.º 6 do EOA, existe e continuará sempre a existir a inibição prevista no n.º 1 do normativo legal em causa, já que o Senhor Advogado Consulente representou em juízo o cliente B, tendo subscrito os articulados.

 

E, neste conspecto, o Senhor Advogado Consulente tem de estar ciente de que, após a assunção da qualidade de sócio da Sociedade de Advogados E, não poderá, em qualquer circunstância, ter intervenção, direta ou indireta, na ação judicial ainda pendente, nem em qualquer outro assunto (ainda que futuro) materialmente conexo com o objeto do litígio em que já assumiu a qualidade de Advogado de B

 

Neste ponto, permitimo-nos enfatizar que a inibição a que acabámos de nos reportar respeita quer à prática de atos judiciais, entendidos estes como a prática de atos jurídicos perante o Tribunal, quer à prática de atos não judiciais.

 

Pois que, consabidamente, o conceito de mandato forense tal qual se encontra definido na Lei dos Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores, aprovada pela Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, pressupõe e implica (ou pode implicar) a prática desses dois tipos de atos - jurídicos e não jurídicos.

 

  1. Do disposto no n.º 5 do artigo 99.º do EOA

 

A vertente que acabámos de analisar e as ilações retiradas não prejudicam a outra vertente – a do segredo profissional.

 

A regra geral é a de que o Advogado se deve abster de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou, se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

 

Esta regra deve ser interpretada de acordo com o princípio transversal de que o mandato é conferido aos Advogados e não às Sociedades nas quais aqueles se integram.

 

Mas, também deve ser interpretada tendo em conta que esta inibição não cessa com a cessação do vínculo societário.

 

E quanto a esta vertente, diremos que só o Senhor Advogado Consulente poderá, em consciência, avaliar se a assunção da qualidade de sócio da Sociedade de Advogados E fará perigar (ou não) esta inibição.

 

Sem prejuízo, não vislumbramos, pela factualidade descrita, que a simples assunção da qualidade de sócio da Sociedade de Advogados E possa, em abstrato e de per si, (i) colocar em risco o segredo profissional a que o Senhor Advogado Consulente se encontra adstrito em relação aos serviços jurídicos prestados a B, e/ou (ii) resultar vantagens ilegítimas ou injustificadas para a entidade D.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de outubro de 2018.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

António Jaime Martins

Topo