Pareceres do CRLisboa

CONSULTA 36/2018

Consulta 36/2018

 

 

I - Questão

 

Mediante comunicação escrita rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia (…) (entrada com o número de registo …), a Exma. Senhora Advogada Dra. (…), titular da cédula profissional n.º (…), veio, ao abrigo do disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 54.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, solicitar a emissão de Parecer quanto à questão cujo enquadramento factual é, em síntese, o seguinte:

 

a)A (1ª Ré) foi citada para contestar a ação com processo comum para anulação de deliberações sociais que lhe foi motiva por (…);

b) Na mencionada ação são ainda Réus (...), 2º Réu, (…), 3ª Ré, e (…), 4º Réu;

c) A fim de contestar a ação que contra si foi movida, a 1ª Ré conferiu procuração com poderes especiais a Advogadas que exercem a sua atividade profissional na Sociedade de Advogados (…), e, nomeadamente, à Senhora Advogada Consulente;

d)Os demais Réus pretendem igualmente contestar a ação e ser representados em juízo pelas mesmas causídicas.

 

Neste contexto, vem a Senhora Advogada Consulente solicitar a emissão de parecer nos termos e para efeitos do disposto no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, instruindo o seu pedido com cópia da petição inicial (e respetivos documentos).

 

II - Opinião

 

 

Como questão prévia diremos que não temos dúvidas que a questão colocada à apreciação deste Conselho se subsume a uma “questão de carácter profissional”, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 54.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante apenas EOA), que define a competência material do Conselho, pelo que há que proceder à emissão de parecer quanto à questão colocada.

 

É o que faremos de seguida.

 

A matéria sobre a qual nos debruçaremos circunscreve-se, primacialmente, à eventual aplicação do artigo 99.º do EOA.

 

Os elementos colocados à apreciação deste Conselho não nos permitem concluir de forma categórica quanto à existência (ou não) de um conflito de interesses que impeça a Senhora Advogada Consulente (e demais Colegas) de patrocinar todos os Réus no âmbito da ação para a qual a sua constituinte já foi citada.

 

Sem prejuízo, estamos em condições de traçar as seguintes linhas de orientação.

 

Não iremos aqui discorrer sobre considerações teóricas acerca do instituto jurídico- deontológico do conflito de interesses, sobejamente conhecidas pela Senhora Advogada Consulente.

 

Permitir-nos-emos apenas, e de forma sintética, traçar o âmbito do normativo legal aqui chamado à colação.

 

Assim, estipula o artigo 99º do EOA que:

 a ) O Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária – cfr. n.º 1 da mencionada norma legal.

b) O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado – cfr. n.º 2 da mencionada norma legal.

Trata-se de evitar que em causas distintas (isto é, sem qualquer conexão entre si) e pendentes, o Advogado seja simultaneamente a favor de um constituinte numa delas e contra ele noutra.

c) O Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes – cfr. n.º 3 da mencionada norma legal.

Este impedimento pressupõe que o Advogado já representa um cliente num determinado litígio e este preceito legal impede-o de aceitar o patrocínio de um novo cliente para o representar no mesmo litígio, se este tiver um interesse conflituante com aquele outro.

d) Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o Advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito – cfr. n.º 4 da mencionada norma legal.

e) O Advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente – cfr. n.º 5 da mencionada norma legal.

 

Por fim, estipula a mencionada norma legal que, quando o Advogado exerce a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, as mencionadas situações de impedimento para o patrocínio se aplicam quer à associação quer a cada um dos seus membros – cfr. n.º 6 da mencionada norma legal.

 

Traçado o quadro legal que sustentará a pronúncia a emitir, vejamos agora o seu enquadramento factual.

 

Antes de mais, importará perceber a qualidade das partes intervenientes na ação.

 

Assim, e tanto quanto nos é dado a perceber, os Autores são acionistas (minoritários) da (1ª Ré); (…) (2º Réu) e (…) (3ª Ré) são acionistas maioritários da 1ª Ré.

 

(…), 4º Réu, é administrador e presidente da mesa da Assembleia Geral da 1ª Ré.

 

A ação judicial em curso tem por objeto, tal como se encontra delineado pelos Autores:

 

  1. A impugnação de três deliberações “unânimes por escrito” do Conselho de Administração da 1ª Ré, “alegadamente” subscritas a (…).

À data dos factos, eram administradores da 1ª Ré os ora 2º e 4ª Réus.

 

  1. A responsabilidade civil dos ora 2º e 4º Réus, na qualidade de administradores da 1ª Ré, com a consequente condenação solidária pelos prejuízos que diretamente causaram aos Autores, nos termos do artigo 79.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, com a subscrição das já identificadas deliberações do Conselho de Administração e a prática dos atos e negócios que subscreveram e determinaram em suposta execução dessas deliberações, e descritos ao longo da petição inicial.

 

  1. A condenação solidária dos 2º e 3ª Ré, na qualidade de acionistas da 1ª Ré, a indemnizar os Autores, nos termos constantes do artigo 58.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, por terem aprovado, com os seus votos, a deliberação da Assembleia Geral da 1ª Ré realizada em (…).

 

A final, peticionam os Autores

a ) “Serem declaradas nulas ou, quando assim não se julgue, anuladas, as deliberações “unânimes por escrito” do conselho de administração da 1ª Ré, subscritas em (…) pelos 2º e 4º Réus;

b)
Ser declarada nula, ou quando assim não se julgue, anulada a deliberação da assembleia geral da 1ª Ré realizada em (…), no âmbito do ponto único da respetiva ordem de trabalhos conforme constante da convocatória publicada em (…);

c)
Serem condenados os 2º e 4º Réus, solidariamente, na qualidade de administradores da 1ª Ré, a pagar aos Autores valor indemnizatório não inferior a € 660.000,00, correspondente aos prejuízos por estes sofridos com a atuação dos 2º e 4º Réus naquela qualidade, e no mais que for apurado em execução de sentença;

d)
Serem condenados os 2º e 3º Réus, solidariamente, na qualidade de acionistas da 1ª Ré e nos termos constantes do n.º 3 do art. 58º do CSC, para o caso de vir a ser anulada a deliberação da assembleia geral da 1ª Ré referida em b) supra com fundamento na alínea b) do n.º 1 daquela mesma disposição legal, a ressarcir os mesmos prejuízos referidos em c);

e)
Serem condenados os Réus nos encargos da presente ação, incluindo os honorários de advogado”.

 

Delimitado que está o pedido, quer do ponto de vista factual, quer do ponto de vista do seu enquadramento estatutário, entendemos que a resposta à questão que nos foi colocada passará pela correta interpretação dos normativos legais contidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 99.º do EOA, não olvidando, claro está, o estatuído no seu n.º 6.

 

Neste conspecto, é nosso entendimento que a assunção dos novos mandatos por parte da Senhora Advogada Consulente (e demais Colegas) não é, de per si, geradora de conflito de interesses, desde que os interesses dos 2º, 3ª e 4º Réus, e 1ª Ré, no processo judicial em curso sejam, do ponto de vista processual e substantivo, coincidentes.

 

O que, atendo-nos ao objeto da ação a contestar e aos pedidos formulados pelos Autores, nos parece, em termos puramente abstratos, que será o caso.

 

Assim não sendo, está a Senhora Advogada Consulente (e demais Colegas) estatutariamente impedida de aceitar os novos mandatos.

 

Contudo, tenha-se em atenção que, se no decurso do patrocínio surgir um conflito de interesses entre os Réus, deverá a Senhora Advogada Consulente (e demais Colegas), por força da mesma disposição legal, renunciar aos mandatos, abstendo-se de patrocinar qualquer deles.

 

É evidente que, apesar de tudo o que ficou dito, deverá ainda a Senhora Advogada Consulente ter em atenção a obrigação a que está vinculada de preservar o sigilo profissional por força da relação profissional estabelecida com a 1ª Ré, relação que, tanto quanto se alcança e decorre dos elementos colocados à nossa disposição, é (muito) anterior à pendência da ação interposta pelos ora Autores.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de outubro de 2018.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

António Jaime Martins

Topo