Consulta 9/2020
Questão
Mediante requerimento rececionado nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa em 20.02.2020 (entrada com o número de registo), a Exma. Senhora Advogada Dra., titular da cédula profissional n.º, veio solicitar a emissão de parecer, com o enquadramento factual que é circunstanciado pela Senhora Advogada Consulente do seguinte modo:
i. Em 10 de fevereiro de 2020, recebeu uma mensagem de correio eletrónico subscrita pelo Senhor Advogado Dr., através da qual este lhe comunicava que tinha sido contacto por e para dar seguimento ao assunto que, até à data, lhe estava confiado, solicitando-lhe ainda a entrega de determinados documentos.
ii. Em 12 de fevereiro de 2020, porque a Senhora Advogada Consulente não respondeu àquela mensagem, o Senhor Dr. remeteu-lhe uma nova mensagem de correio eletrónico a reiterar o teor da comunicação enviada em 10 de fevereiro.
iii. Em 14 de fevereiro de 2020, o Senhor Dr. remeteu à Senhora Advogada Consulente uma nova mensagem de correio eletrónico, através da qual lhe comunica que e lhe deram conhecimento de uma carta que, entretanto, lhes foi remetida pela Senhora Advogada Consulente e reitera, em representação daqueles, que o assunto que a esta estava confiado passou a estar-lhe confiado.
iv. A Senhora Advogada Consulente afirma que e não revogaram o mandato que lhe haviam conferido.
v. Afirma ainda que não renunciou, ou pretende renunciar, ao mandato.
vi. Concluindo, no seu entendimento, que os concretos factos descritos não se subsumem ao disposto no n.º 2, do artigo 112.º do EOA e que o envio ao Senhor Dr. dos documentos por este solicitados determinaria a violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 92.º do EOA.
A matéria acima vertida subsume-se, grosso modo, ao mandato conferido a Advogado, às eventuais vicissitudes que podem ocorrer no seu exercício e ao modo e fundamentos para a sua cessação.
Referir-nos-emos, ainda, à invocada subsunção da descrição de factos e envio de documentos a Advogado, sucessor no tratamento de um determinado assunto, como suscetível de violar o disposto no artigo 92.º do EOA.
No Estatuto, o mandato forense encontra-se mencionado em diversos artigos, desde logo no artigo 67.º que prevê, sob a epígrafe “Mandato forense”, nos seus n.ºs 1, alíneas a) a c) e 2, o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, considera-se mandato forense:
a) O mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;
b) O exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas;
c) O exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas coletivas públicas ou respetivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.
2 - O mandato forense não pode ser objeto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.”
O artigo 97.º, n.º 1 do EOA estipula que “A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca.”
Também o artigo 98.º, n.º 1 do EOA prevê que “O advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente, ou por outro advogado, em representação do cliente, ou se não tiver sido nomeado para o efeito, por entidade legalmente competente”.
Por sua vez, o artigo 100.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2 do EOA determina que “nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado” (…) “e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas”, e “2 - Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.”
Também a Lei dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores – Lei 49/2004, de 24 de agosto -, no seu artigo 2.º preceitua que “Considera-se mandato forense o mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz.”
O regime jurídico do contrato de mandato encontra-se previsto nos artigos 1157.º e ss. do Código Civil (doravante CC).
Importa ainda aqui chamar à colocação o disposto nos artigos 1170.º e 1171.º do CC.
Nos termos do disposto no artigo 1170.º, n.º 1 do CC, “O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação”.
No que ao mandatário diz respeito, existe, de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados, a limitação que decorre do disposto na alínea e), do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 100.º, a qual tem de ser interpretada conjuntamente com o mencionado artigo 1170.º, n.º 1 do CC. Isto é, a renúncia por parte do mandatário tem de ser justificada e, ainda que haja justificação para que assim proceda, o Advogado renunciante tem de garantir que o seu cliente possa, em tempo útil, constituir outro mandatário.
Por sua vez, determina o artigo 1171.º do CC que “A designação de outra pessoa, por parte do mandante, para a prática dos mesmos actos implica revogação do mandato, mas só produz este efeito depois de ser conhecida pelo mandatário”.
Importa, por último, referir que o contrato de mandato não tem, necessariamente, de ser reduzido a escrito, o que decorre do regime jurídico já anteriormente enunciado e ainda do disposto nos artigos 43.º, alínea b) e 44.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil.
Aqui chegados, facilmente se conclui que se os constituintes da Senhora Advogada Consulente procuraram um novo Advogado para dar seguimento aos assuntos anteriormente a si confiados, tal significa que terão, certamente, revogado tacitamente o mandato que anteriormente lhe haviam conferido.
Este facto, aliás, resulta claro, quando é certo que os seus constituintes, depois de receberem uma carta que foi por si remetida a entregaram ao Senhor Dr., isto é, ao seu novo mandatário para que este respondesse em conformidade.
Assim, parece-nos, que a comunicação que foi remetida, em 10 de fevereiro de 2020, pelo Senhor Dr. à Senhora Advogada Consulente cumpre integralmente o disposto no artigo 112.º, n.º 2 do EOA.
Passemos, agora, à análise da questão atinente ao dever de sigilo que a Senhora Advogada Consulente suscita caso, em seu entender, faculte ao Senhor Dr. os documentos que se encontram na sua posse relativos ao assunto que lhe estava confiado.
O artigo 92.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados determina que “O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: …”
O advérbio “designadamente” indica-nos, em termos interpretativos, que as diversas alíneas constantes do invocado normativo legal são meramente exemplificativas e não taxativas.
Ora, se aplicarmos este dispositivo legal à relação que se estabelecerá entre a Senhora Advogada Consulente e o Senhor Dr. poderemos assegurar que os factos e documentos que a primeira der a conhecer ao segundo subsumem-se à cláusula geral contida artigo 92.º, n.º 1 do EOA. Por outras palavras, o Senhor Dr. fica, do mesmo modo que a Senhora Advogada Consulente, obrigado a guardar segredo profissional sobre esses mesmos factos e documentos, não se colocando aqui qualquer questão de eventual violação do dever de sigilo que à Senhora Advogada Consulente, em primeira linha, vincula.
Em jeito de conclusão diremos que nada impede que um constituinte (por razões que a ele digam respeito) revogue unilateralmente o mandato conferido a Advogado.
É este, s.m.o., o nosso entendimento sobre a questão que nos foi colocada.
Lisboa, 8 de maio de 2020.
A Assessora Jurídica do CRL
Sandra Barroso
Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados.
Notifique-se.
Lisboa, 8 de maio de 2020.
O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
João Massano
Sandra Barroso
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