Pareceres do CRLisboa

Consulta 41/2019

Questão

 

Veio o Exmo. Senhor Advogado Dr., titular da cédula profissional n.º L, solicitar a emissão de parecer com o enquadramento factual que abaixo será melhor circunstanciado, e cujo objeto se reconduz à questão de esclarecer se uma testemunha arrolada no âmbito de um processo de natureza civil pode exigir o seu acompanhamento por Advogado e qual o fundamento legal que sustenta o exercício desse direito.

 

É o seguinte o enquadramento factual:

1)     No âmbito de procedimento cautelar que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de – Juiz, sob o n.º, foi arrolado como testemunha.

2)     A identificada testemunha solicitou ao Senhor Advogado Consulente que o acompanhasse no decurso da sua inquirição, o que este fez.

3)     Embora o Meritíssimo Juiz titular do processo tivesse admitido a sua presença, o Senhor Advogado Consulente teve de sentar-se na bancada destinada ao público, com a advertência de que não poderia fazer qualquer intervenção.

 

Com base neste circunstancialismo, solicita o Senhor Advogado Consulente resposta às seguintes questões que formula:

 

“Em procedimento de natureza civil, incluindo procedimento cautelar, assiste a uma testemunha o direito de se fazer acompanhar pelo seu advogado?

Em caso afirmativo, pode esse direito e o disposto no artigo 61º, nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados ser restringido e em que condições?”

 

Entendimento do Conselho Regional de Lisboa

 

Antes de mais, sublinhamos que não iremos aqui discorrer sobre considerações jurídico-teóricas que possam estar subjacentes às questões concretas colocadas. Não será esse o nosso objetivo aqui. Iremos, estritamente, focar-nos, de forma concisa e direta, nas respostas a dar a essas mesmas questões.

 

Consabidamente, o artigo 20.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa estabelece que “Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.(1)”

 

O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa está integrado na Parte I da Constituição que define os “Direitos e Deveres Fundamentais”, dispondo o seu artigo 18.º, n.º 1 que “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.”

 

Portanto, eventuais limitações legais da extensão e do alcance deste preceito constitucional só podem ser ditadas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e limitadas ao estritamente necessário para salvaguarda desses mesmos direitos ou interesses. 

 

Do exposto, infere-se, sem mais e independentemente de a lei processual civil, ou outra, dispor concretamente sobre a possibilidade de qualquer cidadão se fazer acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade (independentemente da sua natureza jurídica), este direito assiste-lhe porquanto está constitucionalmente consagrado e se aplica diretamente a todas as entidades públicas e privadas, onde se incluem, naturalmente, os Tribunais.

 

Muito embora se possa discutir se a lei ordinária pode ou deve regulamentar o direito ao acompanhamento por Advogado, até para garantir o seu efetivo gozo por todos, a verdade é que o direito ao acompanhamento por Advogado é um direito que decorre diretamente da lei fundamental, sendo, portanto de aplicação direta na medida em que pode ser exercido sem necessidade de intervenção do legislador ordinário.  

 

Também a Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, no seu artigo 26.º, n.º 2 consagra o direito ao acompanhamento por Advogado perante qualquer autoridade.

 

Não há dúvidas que o Código de Processo Civil (doravante CPC) não contém qualquer artigo similar ao artigo 132.º do Código de Processo Penal (CPP), no qual se prevê a faculdade de a testemunha ser acompanhada por Advogado, que poderá intervir no seu depoimento, aconselhando-a a não prestar mais declarações. Prende-se esta previsão específica com a suscetibilidade de a testemunha poder, face às declarações que se encontra a prestar, ser constituída arguida, e, neste caso poder, de imediato, remeter-se ao silêncio no cumprimento do direito que a lei processual penal concede aos arguidos.

 

Todavia, e sem prejuízo de a restante legislação processual não prever especificamente a possibilidade de outros sujeitos processuais, ainda que de intervenção incidental, poderem fazer-se acompanhar de Advogado, existem dois artigos específicos no Estatuto que materializam tal direito ou prerrogativa de todos os cidadãos.

 

Desde logo, o artigo 66.º, n.º 3 do EOA que estipula que “O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza”.

 

Também o artigo 69.º do EOA, sob a epígrafe “Liberdade de Exercício” estipula que “Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 66.º (que respeita à competência dos Advogados Estagiários) os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada, de praticar atos próprios da advocacia”.

 

E, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 9 da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto – Lei dos Atos Próprios -, determina que “São também actos próprios dos advogados todos aqueles que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.”

 

Destarte, resulta da conjugação dos invocados normativos legais que, por um lado, o cidadão tem o direito a fazer-se acompanhar de Advogado perante qualquer autoridade e, por outro, que o Advogado tem consignado o direito correspondente de acompanhar qualquer cidadão perante autoridade, pública ou privada. E, por estar em causa um ato próprio da profissão e porque o Advogado quando acompanha determinada testemunha, está, incontornavelmente, no exercício da profissão, tem aplicação plena, por analogia, o plasmado no artigo 72.º do EOA que, sob a epígrafe “Garantias em geral”, dispõe:

“1 – Os magistrados, agentes de autoridade e trabalhadores em funções públicas devem assegurar aos advogados, aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato.

2 – Nas audiências de julgamento, os advogados dispõem de bancada própria e podem falar sentados”.

 

Mas se é verdade que o acompanhamento físico de cidadão que, em determinado processo ou procedimento a decorrer perante qualquer entidade pública ou privada assuma qualidade de testemunha, por um Advogado não pode ser limitado por qualquer meio, a intervenção do Advogado só será possível, se outra coisa não resultar da lei ordinária como sucede com o já invocado artigo 132.º do CPP, para informar e aconselhar a testemunha acerca dos direitos que lhe assistem, sempre que achar necessário, não podendo, contudo, intervir ou participar na inquirição. 

 

Lisboa, 29 de maio de 2020.

 

A Assessora Jurídica do CRL

Sandra Barroso

 

 

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados.

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de maio de 2020.

 

O Presidente do Conselho Regional de Lisboa

João Massano

 

 

 

(1) Foi a Lei Constitucional n.º 1/97, que aprovou a Quarta Revisão Constitucional, que aditou ao artigo 20.º, n.º 2 a expressão “e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”.

Sandra Barroso

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