Pareceres do CRLisboa

Consulta 22/2017

 CONSULTA N.º 22/2017

 

Questão

 

Veio a Senhora Advogada Dra. (….) colocar a questão de saber se a situação que passaremos a descrever se enquadra no artigo 92º, n.º 4, ou, no artigo 93º, n.º 2, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (doravante apenas EOA), requerendo a respetiva autorização, se tal se impuser.

 

A Ilustre Colega pretende publicar um livro “tratando de histórias e do percurso familiar ancestral de quatro clientes que obtiveram a nacionalidade portuguesa como descendentes de sefarditas de origem portuguesa e que consentiram na publicação”.

 

Na projetada publicação (cujo resumo anexa), estará em causa a divulgação de dois tipos de factos, a saber:

 

  1. Por um lado, factos históricos relativos a pessoas já falecidas, ou seja, os antepassados recentes mas, sobretudo, remotos dos clientes, factos esses que foram conhecidos pela Ilustre Colega por via da pesquisa histórica ou de genealogistas e através da consulta de arquivos de consulta pública – como sejam, o arquivo nacional da Torre do Tombo, onde se encontram os processos da inquisição, ou os arquivos civis de vários países europeus, ou ainda, os arquivos das congregações judaicas sefarditas espalhadas pelo mundo.
  2. Por outro lado, factos relacionados com a pessoa dos clientes e com a decisão de se tornarem cidadãos portugueses.

 

 

Outro dado relevante para a pronúncia a emitir prende-se com o facto de a Ilustre Colega referir que apenas pretende versar no projetado livro casos já decididos em que, portanto, os clientes já adquiriram a nacionalidade portuguesa.

 

Questionada sobre a sua intenção de, na projetada publicação, divulgar o nome dos clientes veio a Ilustre Colega esclarecer que “não é essencial (ou seja, posso comprometer-me a não) utilizar os nomes reais dos meus clientes mas terei de revelar os nomes das respetivas famílias (…)”.  

 

Pronúncia do Conselho Regional de Lisboa

 

Adiante-se, desde já, que é para nós evidente que a situação descrita pela Ilustre Colega não se subsume à norma legal contida no artigo 93º do EOA.

 

Basta para tanto atentar no escopo do preceito legal em causa.

 

De facto, o que o normativo legal contido no artigo 93º do EOA pretende é que os assuntos confiados ao Advogado sejam apenas tratados em sede própria, isto é, nos Tribunais e que, desde modo, não sejam transferidos para a comunicação social.

 

Neste contexto, o artigo 93º, n.º 1 do EOA veda ao Advogado, em regra, a pronúncia pública, na imprensa ou noutros meios de comunicação social, apenas sobre questões profissionais pendentes.

 

No caso concreto, estando os processos administrativos de aquisição da nacionalidade portuguesa já findos (e pretendendo a Ilustre Colega apenas versar no projetado livro casos já decididos), é evidente que a realidade descrita pela Ilustre Colega não se subsume à mencionada norma estatutária.

 

Prossigamos então.

 

Antes de tudo o mais, saliente-se que a nossa pronúncia apenas poderá ser emitida de forma genérica e abstrata, atendendo, estritamente, aos elementos colocados à nossa disposição, e sem que a mesma constitua, claro está, uma pronúncia sobre o conteúdo concreto do livro, o qual desconhecemos.  

 

Feita a advertência, haverá, de seguida, que traçar as linhas gerais pelas quais a Ilustre Colega deverá nortear-se no projeto em que pretende envolver-se.

 

Pretende a Ilustre Colega publicar um livro onde serão relatados assuntos em que interveio no exercício da sua atividade profissional e respeitantes a quatro clientes, assuntos esses que, concretamente, respeitam à concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, a esses mesmos clientes, descendentes de judeus sefarditas portugueses, nos termos previstos na Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro.

 

Feito este enquadramento fáctico, entendemos que a questão colocada remete-nos, primacialmente, para a área da informação e publicidade do Advogado, tratada no artigo 94º do EOA.

 

Nesta matéria, o princípio geral é o de que “Os advogados e as sociedades de advogados podem divulgar a sua atividade profissional de forma objetiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos, do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência” – cf. o número 1 do mencionado preceito legal que fixa uma verdadeira cláusula geral.

 

Do exposto, podemos afirmar que, atualmente (e utilizamos este advérbio porque, consabidamente, só com a publicação do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, o nosso Estatuto se colocou em linha com a tendência liberal mais recente da advocacia continental), a divulgação da atividade profissional pode ser feita por qualquer meio ou conteúdo, desde que:

 

 

  • seja verdadeira e digna;
  • respeite os princípios deontológicos; e
  • respeite as normas gerais sobre publicidade e concorrência.

 

O número 2 da citada disposição procede à concretização daquela cláusula geral, enumerando, a título meramente exemplificativo, o que deve entender-se por “informação objetiva”.

 

Por sua vez, o número 3 enumera exemplificativamente situações que correspondem a “atos lícitos de publicidade”.

 

Mais especificamente, estipula na sua alínea h), que constitui uma forma de publicidade lícita:

“A menção a assuntos profissionais que integrem o currículo profissional do advogado e em que este tenho intervindo, não podendo ser feita referência ao nome do cliente, salvo, excecionalmente, quando autorizado por este, se tal divulgação for considerada essencial para o exercício da profissão em determinada situação, mediante prévia deliberação do conselho geral”.   

 

Por sua vez, no seu número 4, o preceito legal em análise estipula, também de forma não taxativa, o que são “atos ilícitos de publicidade”, cabendo aqui uma referência particular à restrição de atos de publicidade com conteúdos de autoengrandecimento e de comparação.

 

A excelência dos atos do Advogado não é avaliável por critérios objetivos ou quantitativos e pode ser timbre de qualquer Advogado independentemente da forma como exerce a sua profissão, seja em sociedade, em prática individual ou no âmbito de uma empresa.

 

Por isso é que a excelência não é comparável com qualquer menção a conteúdos de autoengrandecimento, constituindo estes, sempre, informação ou publicidade não objetiva e não-verdadeira.

 

Atento o regime legal em vigor e atrás elencado (ainda que de forma sintética), forçoso é concluir que os Advogados (mas também as Sociedades de Advogados – vide o número 5 da citada norma legal), não estão estatutariamente impedidos de divulgar a sua atividade profissional.

 

Deverão, contudo, fazê-lo de modo limitado e, naturalmente, que em nada coincida com uma publicidade comercial e/ou propagandística.

 

A informação e a publicidade do Advogado (e das Sociedades de Advogados) tem de ser, obrigatoriamente, objetiva, verdadeira e digna, respeitadora dos deveres deontológicos, do dever de sigilo profissional e das regras gerais da publicidade e da concorrência.

 

No que ao caso interessa, haverá que, primacialmente, chamar à colação o disposto no artigo 94º, n.º 3, alínea h) do EOA.

 

O normativo em causa considera como ato lícito de publicidade a menção a assuntos profissionais, desde que não seja divulgado o nome do cliente, a não ser nas situações excecionais aí expressamente previstas. O que facilmente se alcança, se tivermos em conta a particular ligação desta alínea com o dever de segredo profissional a que o Advogado está adstrito no exercício da profissão, consagrado no artigo 92º do EOA.

 

Traçado este quadro, e aplicando as premissas elencadas ao caso que ora nos ocupa, importa agora aferir se a situação descrita pela Ilustre Colega – e atendendo, estritamente, à forma como a nossa pronúncia foi solicitada e aos elementos que subjazem à mesma -, pode ser, ou não, entendida como um “ato lícito de publicidade”.

 

 Para tanto será necessário, por um lado, determinar se estamos ou não perante uma informação objetiva, depurada de conteúdos persuasivos, comparativos, ideológicos ou de autoengrandecimento e, por outro, verificar se o meio escolhido para veicular tal informação é, também ele, um meio digno, proporcionado em face do objetivo pretendido e que se coaduna com o decoro e defesa da dignidade da profissão.

 

Olhando para a primeira questão, diremos, em abstrato, que – porque outra pronúncia não nos é possível emitir atentos os elementos disponibilizados para a consulta -, desde que a informação veiculada no projetado livro seja objetiva e se contenha dentro dos limites estabelecidos no artigo 94º do EOA, somos de opinião de que constitui um ato lícito de publicidade a publicação de um livro nos termos anunciados pela Ilustre Colega, desde que, enfatize-se mais uma vez, o mesmo não contenha conteúdos persuasivos, comparativos, ideológicos ou de autoengrandecimento, estes sim proibidos pelo Estatuto e classificados como “atos ilícitos de publicidade”. 

 

Dito por outras palavras, diremos que o livro projetado pela Ilustre Colega não poderá (nem deverá) ultrapassar os limites estabelecidos no EOA quanto ao que é publicidade permitida e informação objetiva.

 

Quanto ao veículo escolhido pela Ilustre Colega para a divulgação da informação pretendida, não nos parece – face à fundamentação que nos foi apresentada -, que o mesmo seja um meio indigno, desproporcionado ou que, no limite, ponha em causa o decoro e/ou a dignidade da profissão.

 

Sem prejuízo do exposto, não poderá a Ilustre Colega olvidar que a publicidade na Advocacia é suscetível de bulir com outras disposições estatutárias, nomeadamente, as atinentes ao dever de segredo profissional, à proibição da angariação (direta ou indireta) de clientela, às relações entre Advogado/Cliente, ao exercício especializado da Advocacia, que também deverão ser escrupulosamente respeitadas, só assim se assegurando o decoro e a dignidade do exercício da uma profissão de interesse público, com assento constitucional.  

 

É este, s.m.o., o nosso entendimento quanto à questão que nos foi colocada.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de julho de 2017.
O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

 

 

 

 

António Jaime Martins

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