Pareceres do CRLisboa

Consulta 35/2017

Consulta n.º 35/2017

 

Dos factos

 

Mediante comunicação rececionada nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados em (……) do corrente (entrada com o número do registo (….) ), o Senhor (…..) na qualidade de Chefe (…….), veio solicitar a pronúncia do Conselho Regional de Lisboa quanto ao direito de os Advogados solicitarem informação, examinar processos e pedir fotocópia ou certidão, sem necessidade de exibir procuração.

 

No decorrer da sua exposição, refere o Senhor (….) que, e passamos a citar, “Em concreto, se é claro o direito a requerer certidões de documentos, que não tenham carácter reservado ou secreto dos processos, sem necessidade de exibir procuração já não se afigura claro se esse direito se estende ao requerimento de certidões da data de edificação de um prédio (vulgo certidão do RGEU) ou da constituição do regime de compropriedade, isto porque, embora o documento emitido pela autarquia seja uma certidão essa certidão não corresponde a uma certidão de documento ou acto existente em processo mas sim ao resultado de um requerimento para uma acção, avaliação e decisão sobre determinado prédio para a qual, entendemos, tem legitimidade o proprietário ou quem demonstre um modo de legitimidade juridicamente válida”.

 

A final, coloca o Senhor (….) a seguinte questão: “Nestes casos deverá o Advogado juntar procuração que confira a legitimidade para requerer os referidos actos/certidões?”.

 

 

Conteúdo e Alcance do artigo 79.º, n.º 1 do Estatuto

 

Começaremos a nossa exposição por uma pequena incursão pelas normas do nosso ordenamento jurídico que nos ajudarão, a latere, a chegar ao sentido e alcance do normativo legal contido no artigo 79.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (doravante apenas EOA).

 

Olhando para os normativos legais em vigor em matéria de acesso aos documentos da Administração Pública, intuitivamente concluímos que o ordenamento jurídico-administrativo consagra o princípio da administração aberta (ou do arquivo aberto).

 

Os direitos à informação administrativa procedimental e não procedimental (ou extra-procedimental), são direitos com assento constitucional.

 

O direito à informação procedimental está consagrado no artigo 268.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual estatui que os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles foram tomadas.

 

Por sua vez, dispõe o n.º 2 da citada norma legal que os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, consagrando, portanto, o direito à informação não procedimental.

 

Grosso modo, e de uma forma simplista, diremos que, enquanto o direito à informação procedimental se concebe no quadro subjetivo de um procedimento administrativo concreto, tal como se encontra definido no artigo 1.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, o direito à informação não procedimental, pelo contrário, não pressupõe a existência de qualquer procedimento administrativo concreto. 

Este último é um direito mais geral, que se traduz no direito de qualquer cidadão, participe ou não num procedimento concreto, ter acesso aos arquivos e registos documentais administrativos, direito este que apenas cede perante documentos classificados, reservados ou secretos, conforme explicitado pela Constituição[1].

 

Mas, também a lei ordinária concretiza este princípio. Desde logo, o Código de Procedimento Administrativo (CPA) em vigor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, no seu artigo 17.º.

 

A (nova) inserção sistemática do artigo 17.º (que corresponde ao artigo 65.º do CPA de 1991) não deixa dúvidas de que o que o legislador pretendeu foi consagrar o princípio da administração aberta enquanto princípio conformador de toda a atividade administrativa e não apenas do procedimento.

 

Assim, sob a epígrafe “Princípio da administração aberta”, diz-nos o normativo legal em causa:

“1 – Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.

2 – O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei”.

 

Chegados a este ponto, e olhando para os elementos colocados à nossa disposição, concluímos, com meridiana clareza, que a questão que nos foi colocada contende com o exercício do direito à informação não procedimental de acesso aos arquivos e registos administrativos.

 

O acesso aos arquivos e registos administrativos é atualmente regulado pela Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA), aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.

 

Percorridas as normas da LADA, importa, antes de mais, enfatizar que, também aqui, o princípio da administração aberta mereceu concretização, mais precisamente no seu artigo 2.º.

 

O direito de acesso aos documentos administrativos abrange, tal como decorre do artigo 5.º da LADA, os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.

 

Sob a epígrafe “Pedido de acesso”, diz-nos o artigo 12.º da LADA que o acesso aos documentos administrativos deve ser solicitado por escrito, mas que, não obstante, a entidade requerida pode aceitar pedidos verbais, devendo fazê-lo nos casos em que a lei o determine expressamente.

 

Quanto à forma do acesso, diz-nos o artigo 13.º do mesmo diploma legal que o direito de acesso aos documentos administrativos se exerce através (i) de consulta gratuita, eletrónica ou efetuada presencialmente no serviço que detém o documento administrativo; (ii) de reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico ou (iii) mediante a obtenção de certidão do documento administrativo.

 

Já o artigo 14.º, fala-nos dos encargos inerentes à reprodução por fotocópia e à emissão de certidão.

 

Posto isto, haverá que concatenar o disposto na Lei de Acesso aos Documentos da Administração com as demais normas do ordenamento jurídico, mormente, as que contendem com o exercício da profissão.

 

O Advogado é acometido, por lei ordinária e pela Constituição, de uma verdadeira «missão de interesse público». Basta, para tanto, atentar nas diversas alíneas do artigo 3.º e no artigo 90.º, n.º 1, ambos do EOA.

 

São, assim, os Advogados garantes de importantes funções do Estado com consagração constitucional e constituem “elemento essencial da administração da justiça” como resulta do artigo 208.º da CRP, sendo-lhes com esse propósito conferidas garantias e imunidades no exercício do mandato forense (artigo 150.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), num claro e inequívoco reconhecimento da relevante função social de interesse público da profissão.

 

Atente-se, aliás, na redação do artigo 13.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto –, com a epígrafe “Imunidade do mandato conferido a advogados”:


“Artigo 13.º


Imunidade do mandato conferido a advogados

1 — A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício dos atos próprios de forma isenta, independente e responsável, regulando-os como elemento indispensável à administração da justiça.

2 — Para garantir o exercício livre e independente de mandato que lhes seja confiado, a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias a um desempenho eficaz, designadamente:

  1. a) O direito à proteção do segredo profissional;
  2. b) O direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de atos conformes ao estatuto da profissão;
  3. c) O direito à especial proteção das comunicações com o cliente e à preservação do sigilo da documentação relativa ao exercício da defesa;
  4. d) O direito a regimes específicos de imposição de selos, arrolamentos e buscas em escritórios de advogados, bem como de apreensão de documentos”.

 

A deontologia do Advogado integra e impõe-lhe não só deveres, mas também direitos.

E é da constante praxis entre ambos que resulta a dignificação da Classe e da própria profissão.

 

Um dos direitos do Advogado é, precisamente, o estatuído no artigo 79.º, n.º 1 do Estatuto.

 

O normativo legal em causa estipula que, no exercício da sua profissão, o Advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, tudo isto sem necessidade de exibir procuração.

 

O mencionado preceito legal reconhece assim aos Advogados o direito de solicitar informação, examinar processos e pedir fotocópias ou certidões, sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração, desde que tais documentos não sejam classificados, reservados ou secretos. Direito este que se justifica e impõe em função da verdadeira “missão de interesse público” de que o Advogado está investido.

 

É compreensível parece-nos que, eventualmente, o Advogado tenha de fazer prova da sua qualidade de Advogado, mediante a exibição da respetiva cédula profissional.

 

Mas, a junção ou sequer a exibição de procuração já não nos parece aceitável, pois que, ao exigi-lo, estar-se-ia a esvaziar de conteúdo o disposto no artigo 79.º, n.º 1 do EOA.

 

Não obstante este direito reconhecido aos Advogados, no exercício da sua profissão, tem sido pacificamente entendido que o direito aqui consignado não prejudica as restrições legais ao direito de acesso aos documentos administrativos, bem como os formalismos impostos por lei para esse mesmo acesso.

 

É que, uma coisa é o direito atribuído por lei aos Advogados de poderem requerer, oralmente ou por escrito e sem necessidade de exibir procuração, informação, consulta dos documentos administrativos ou que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões. Outra coisa bem diferente, são as restrições e os formalismos impostos por lei para o efeito.

 

CONCLUSÕES

 

  1. O artigo 79.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados reconhece aos Advogados o direito de solicitar informação, examinar processos e pedir fotocópia ou certidão sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração, desde que tais documentos não sejam classificados, reservados ou secretos.

 

  1. O direito aqui reconhecido ao Advogado no exercício da sua profissão pode ser exercido tanto no âmbito do direito à informação procedimental como no âmbito do direito à informação extra-procedimental.

 

  1. No âmbito do direito à informação extra-procedimental, o pedido de acesso pode, no caso dos Advogados, ser formulado oralmente, não necessitando sequer de ser reduzido a escrito – cfr. artigo 12.º, n.ºs 1 e 3 da LADA e artigo 79.º n.º 1 do Estatuto.

 

  1. O direito aqui consignado não prejudica o que se encontra estabelecido na lei quanto às restrições legais ao direito de acesso aos documentos administrativos e às formalidades da sua obtenção.

 

 

Notifique-se.


Lisboa, 15 de novembro de 2017.
O Presidente do Conselho Regional de Lisboa 
António Jaime Martins

 

 

[1] Neste ponto, sublinhamos apenas que o Novo Código do Procedimento Administrativo acrescentou o sigilo fiscal, cuja legitimidade constitucional não nos cabe, nesta sede, discutir.

 

António Jaime Martins

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