Pareceres do CRLisboa

CONSULTA 51/2017

Consulta n.º 51/2017

 

Questão

 

Mediante requerimento efetuado ao abrigo de despacho proferido no âmbito do processo n.º (……..), pelo Juiz (….), do Juízo (…….), Tribunal (…..), rececionado nos Serviços do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados em (……) de 2017 (entrada com o número de registo (……)), foi solicitada a este Conselho a emissão de parecer quanto à questão de saber se, determinados factos alegados na petição inicial subscrita pelo Exmo. Senhor Advogado Dr. (……), titular da cédula profissional n.º (……) em representação das Autoras (…….)  e (…….), colidem com o dever de guardar segredo profissional a que estão obrigados os Advogados no exercício da sua profissão, com o escopo previsto no artigo 92º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante, abreviadamente, EOA).

 

São os seguintes os factos alegados naquela peça processual pelo Senhor Advogado Dr. (…..), que ora se transcrevem:

As quais, porém, logo expressaram, por escrito e através do advogado signatário, não aceitarem ou aprovarem as contas apresentadas pela mesma R.

Em virtude de nelas ter incluído despesas, e créditos a favor da mesma R., para serem suportadas (e pagas) por todos os herdeiros, que careciam de qualquer justificação.

10º

Em especial, e sem prejuízo do demais, a R. teve o arrojo de se alcandorar à qualidade de credora do direito de apanágio (e isto depois de terem sido adjudicados bens, que são suscetíveis de gerarem bons rendimentos, avaliados em muitas centenas de milhares de euros). “

 

Estes factos são afirmados, no seguinte contexto:

A Ré (………) foi, entre (……….) de 2012 e (……) de 2016, cabeça-de-casal e administradora da herança aberta por óbito do seu marido, (……).

 

Na sequência da partilha dos bens que constituíam o património indiviso da herança, efetuada (…….) de 2016, a cabeça-de-casal enviou às Autoras as contas da administração da herança, através de carta registada, expedida sob registo.

 

É, pois, em resposta a esta carta que o Senhor Advogado Dr. (….) remete às Rés a carta a que se referem os artigos 8º a 10º da sua petição inicial.

 

Opinião

 

Estipula o artigo 92º n.º 1 do EOA que: “O Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.

 

Não se pode, obviamente, interpretar literalmente o conteúdo do mencionado normativo legal, pois, se assim fosse, todos os factos – sem qualquer distinção – que chegassem ao conhecimento do Advogado estariam sempre sujeitos a sigilo.

 

Tal interpretação maximalista e, digamos, desenquadrada do espírito do sistema, colocar-nos-ia perante soluções totalmente desprovidas de sentido.

 

Basta-nos ver que, até os próprios factos transmitidos pelo cliente ao Advogado estariam, como tal e, a enveredar por uma interpretação apenas literal do regime do sigilo profissional, sempre sujeitos a esta obrigação – necessitando da respetiva dispensa sempre que algum Advogado quisesse construir qualquer requerimento ou peça processual.

 

E de tal forma difícil se tornaria o exercício da profissão, que, quase nada, um Advogado poderia fazer sem solicitar a dispensa do sigilo profissional.

 

De facto, não é isso que se pretende.

 

Pelo que, há que interpretar o normativo legal aqui chamado à colação numa perspetiva teleológica.

 

Ora, olhando para o que a Lei tem em vista, somos da opinião que só serão sigilosos aqueles factos, relativamente aos quais, seja de presumir que quem os confiou ao Advogado, nomeadamente o seu cliente, tinha um interesse objetivo, face à relação de confiança existente, em que se mantivessem reservados.

 

Contudo, e apesar do cliente ser a fonte básica dos factos que ficam sujeitos a sigilo profissional, a esfera de proteção desta obrigação estatutária vai além da mera relação Advogado/cliente, conforme resulta da simples leitura das diversas alíneas do artigo 92º, n.º 1 do EOA.

 

Mas, ainda nestas relações com outras pessoas que não o cliente, não podemos perder de vista as balizas com que delimitámos o sigilo profissional. Isto é, deverá sempre subsistir um interesse objetivo, face à relação estabelecida e aos próprios factos em si, na sua manutenção de uma situação de confidencialidade – porque só deverá ser sujeito a sigilo aquilo que é verdadeiramente sigiloso.

Ora, a norma legal aqui chamada à colação, dentro dos seus objetivos, não abrange as comunicações enviadas entre as partes, ainda que por intermédio dos seus mandatários, que se destinem exclusivamente a marcar a posição, a manifestação de vontade e os fundamentos, no plano do direito, do seu remetente face ao destinatário, como sucede, precisamente, no caso ora em análise.  

 

No caso vertente, estamos apenas perante uma carta remetida pelo Senhor Advogado Dr. (……), em representação das interessadas, ora Autoras, através da qual estas recusam expressamente as contas de administração que foram apresentadas pela cabeça-de-casal, facto, de resto, essencial para demonstrar a causa de pedir da ação em curso. 

 

Por outras palavras, é o facto de as Autoras terem recusado aceitar as contas de administração da herança apresentadas pela cabeça-de-casal que fundamenta a ação especial de prestação de contas por aquelas proposta contra esta.

 

Não estamos, é bom que se sublinhe, no âmbito de qualquer negociação ou tentativa de pôr fim a um qualquer litígio, o que, a final, determinaria uma decisão diferente daquela que será a proposta para o caso em apreço.

 

Nos artigos 8º a 10 da petição inicial, o Senhor Advogado Dr. (…..) alega que terá comunicado à parte contrária a posição das suas clientes, recusando e justificando o teor da conta de administração da herança apresentada pela cabeça-de-casal.

 

Estes factos, não refletem mais do que a posição e os fundamentos, no plano do direito, do seu remetente face ao seu destinatário.  

 

Pelo que, concluímos, que o teor dos factos descritos nos artigos 8º a 10º da petição inicial subscrita pelo Senhor Advogado Dr. (…..) não estão protegidos pelo sigilo profissional, nos termos em que o mesmo é circunstanciado no artigo 92º do EOA.

 

Lisboa, 29 de março de 2018.
Assessora Jurídica do CRL
Sandra Barroso

 

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de março de 2018.
O Presidente do Conselho Regional de Lisboa
António Jaime Martins

 

 

 

 

 

 

Sandra Barroso

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