Pareceres do CRLisboa

Parecer n.º 17/02

Consulta

 

  

            I. Mediante Ofício datado de 6 de Março de 2002, o Director ...., Senhor Dr. A., solicita que o Conselho Distrital de Lisboa se pronuncie sobre uma questão jurídica relacionada com o regime aplicável às sociedades de advogados.

            A Consulta e o Doc. 1 à mesma anexo permitem fixar e dar como assentes, para os efeitos deste Parecer, os seguintes factos e circunstâncias:

a)      B & Associados — Sociedade de Advogados, apresentou, supostamente na Conservatória competente, um “(…) pedido de certificado de admissibilidade para transformação [daquela] sociedade de advogados numa sociedade comercial por quotas, com o objecto de gestão imobiliária e a firma b  Lda.”;

b)     Em 17 de Janeiro de 2002, esse pedido foi indeferido;

c)      A sociedade de advogados (então) requerente interpôs recurso hierárquico para o Director-Geral dos Registos e do Notariado (Doc. 1 anexo à Consulta);

d)     Resulta do texto desse Recurso (n.ºs 2, 3 e 4) que se pretende alterar a denominação social (de “b & Associados — Sociedade de Advogados” para “b Lda.”), o objecto social (de “exercício da profissão de advogado” para “gestão imobiliária”) e a natureza jurídica do sujeito requerente (de sociedade civil de advogados para sociedade comercial por quotas);

e)      Mais resulta do mesmo Doc. 1 que, no entendimento do respectivo autor, “(…) a pretensão de transformar uma sociedade civil para o exercício da advocacia numa sociedade comercial não colide com [os n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro] pois, a partir do momento em que tal transformação se consumar, o exercício da advocacia por parte dos actuais sócios deixará de ser exercido no âmbito dessa sociedade para passar a ser a título individual; aliás o pedido de alteração do objecto social (para gestão imobiliária) é bem esclarecedor de que a sociedade transformada deixaria de ter o exercício da advocacia como objectivo (…)” (n.º 19);

 

O Senhor Director ......pretende saber, “(…) única e exclusivamente (…)”, se uma sociedade de advogados pode ser transformada numa sociedade comercial.

O Parecer do Conselho Distrital de Lisboa foi solicitado com indicação de urgência (“(…) maior brevidade possível (…)”), tendo em conta a pendência do aludido recurso hierárquico, o facto de o mesmo ter sido apresentado no dia 22 de Fevereiro de 2002 (Doc. 1) e a circunstância de o diploma legal aplicável estipular um prazo de decisão de 30 dias (artigo 65.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio).

 


Parecer

 

  

§ 1.º

Delimitação do Problema

 

 

1. Numa primeira (e superficial) leitura, fica-se com a ideia de que o pedido formulado na Consulta releva do foro do regime das sociedades de advogados (Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro) — pois, como ali se afirma, “(…) a questão de fundo [prende-se] única e exclusivamente com a possibilidade de uma sociedade de advogados se transformar numa sociedade comercial (…)” —, prendendo-se, pois, com uma “questão profissional” abrangida pela competência consultiva deste Conselho Distrital (artigo 47.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto da Ordem dos Advogados).

Numa segunda (e mais atenta) leitura — com ponderação, desde logo, do texto do Recurso Hierárquico junto à Consulta como Doc. 1 —, percebe-se que, afinal, o problema central releva fundamentalmente do Direito Civil (regime das sociedades civis — artigos 980.º e sgs. do Código Civil), do Direito Comercial (regime das sociedades comerciais e, em especial, da assunção do tipo societário de “sociedade por quotas” por parte de uma entidade com natureza diferente ab initio — artigos 130.º e sgs. do Código das Sociedades Comerciais) e do Direito Registral (admitindo, aqui, a respectiva autonomia) — artigos 4.º e sgs. do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio.

Numa terceira (e decisiva) leitura, admite-se que, com alguma benevolência, a questão colocada na Consulta pode relevar de todos esses domínios: cabe no Direito Civil, porque está em causa apurar o regime de transformação de uma sociedade civil; cabe no Direito Comercial, porque se pretende saber em que termos é que um ente pré-existente pode assumir o tipo de “sociedade por quotas”; cabe no Direito Registral, porque a situação subjacente ao dito Recurso Hierárquico se relaciona com um aspecto particular do regime de inscrição no denominado Ficheiro Central de Pessoas Colectivas; e cabe no quadro das “questões profissionais” que delimitam a competência consultiva deste Conselho Distrital porque, como melhor se verá, é decisivo saber se, no âmbito da ideada sociedade comercial por quotas, se prevê — ou não — o exercício da advocacia.

É esta subtileza final que justifica a presente pronúncia por parte do Conselho Distrital de Lisboa, ao abrigo do artigo 47.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto da Ordem dos Advogados.

 

            2. Deixar-se-ão duas notas preliminares: por um lado, para os efeitos deste Parecer, dar-se-ão como verdadeiros todos os factos descritos na Consulta e no Doc. 1 à mesma anexo; por outro lado, o Parecer visa responder à Consulta e não ao Recurso Hierárquico interposto pela sociedade de advogados B & Associados, mas não se deixará de ter em conta o circunstancialismo de facto mencionado nesse documento.

 

  

§ 2.º

Da (In)Admissibilidade de Transformação

de Sociedade de Advogados em Sociedade Comercial

 

 

            3. O Estatuto da Ordem dos Advogados não disciplina directamente o regime das sociedades de advogados, limitando-se a remeter para lei especial (artigo 173.º). Essa “lei especial” é o Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro.

            O Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro, contém três preceitos com interesse para a Consulta:

a)      O n.º do artigo 1.º, de acordo com o qual, por um lado, “(…) os advogados podem constituir ou ingressar em sociedades civis de advogados (…)” e, por outro, o “objectivo exclusivo” das sociedades (civis) de advogados “(…) é o exercício em comum da profissão de advogado (…)”;

b)     O n.º 2 do mesmo artigo 1.º, segundo o qual “a advocacia em sociedades civis só pode exercer-se nos termos [desse] diploma”;

c)      E o n.º 1 do artigo 28.º, nos termos do qual “são aplicáveis à dissolução e liquidação da sociedade o disposto nos artigos 1007.º a 1018 e 1020.º do Código Civil”.

 

Da análise destas regras extrai-se uma certeza e sobra uma dúvida.

A certeza consiste na ideia de que o exercício em comum da profissão de advogado, no seio de uma estrutura societária, apenas se pode fazer no âmbito de sociedades civis. É o que resulta da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro.

A dúvida é a seguinte: não estando especialmente prevista a possibilidade de transformação das sociedades civis de advogados (em sociedades comerciais, por exemplo), dever-se-á concluir que o legislador proscreveu tal hipótese? Ou, pelo contrário, significará antes que se aplicará subsidiariamente o regime das sociedades civis contido noutros diplomas?

 

            4. A dúvida colocada obriga à abertura de duas sub-hipóteses, uma das quais já teve tratamento implícito na anteiror rubrica n.º 3:

a)      Resulta do Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que não é legalmente possível transformar uma sociedade civil de advogados numa sociedade comercial (ou em qualquer outro tipo institucional colectivo) por via da qual se continuasse a exercer a advocacia. Pela muito simples mas também muito decisiva razão de que, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º daquele diploma, “a advocacia em sociedades civis só pode exercer-se nos [termos aí previstos] e, de acordo com o n.º 1 antecedente, “os advogados [apenas] podem [exercer em comum a advocacia] em sociedades civis de advogados (…)”.

b)     E poder-se-á transformar uma sociedade civil de advogados numa sociedade comercial por quotas (para retornar ao caso da Consulta), em cujo objecto se não inclua já “(…) o exercício em comum da profissão de advogado (…)”? É esta a pergunta fundamental para a qual importa encontrar resposta.

 

            É claro que, até aqui, movemo-nos com toda a clareza dentro dos limites da competência consultiva do Conselho Distrital de Lisboa, tal como a mesma está gizada na alínea f) do n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Daqui para à frente, a “dimensão profissional” do problema vai-se apagando gradualmente, na razão inversa à do relevo crescente da dimensão civilista, comercialista e registral. Aquela ligação ténue bastará, ainda assim, para que se continue.

 

            5. A circunscrição do exercício em comum da actividade de advogado, no quadro societário, às sociedades civis, obedece à intenção — boa ou má, actual ou datada, é assunto que não importa aqui desenvolver — de “não comercialização” da advocacia, no pressuposto — correcto ou errado, realista ou utópico, é outro assunto que também se não versará nestas linhas — de que assim se emprestaria (mais) dignidade à profissão.

Se assim é, pensa-se então que a exigência de preservação do tipo societário de Direito Civil apenas se justifica se e na medida em que estiver em causa o exercício da profissão de advogado. Dito de outro modo: se dois ou mais advogados pretenderem associar-se com vista ao exercício de qualquer outra actividade, nada vedará, a priori, que essa associação se faça segundo o tipo da sociedade comercial. Ora, se o podem fazer ab initio, tudo indica que o poderão fazer também por via de transformação de sociedade civil (de advogados) em sociedade comercial. Necessário será, obviamente, que a sociedade comercial resultante da transformação não tenha por objecto, principal ou secundário, expresso ou implícito, o exercício em comum da profissão de advogado.

O artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro, não impede esta conclusão.

Na verdade, poder-se-ia ensaiar uma argumentação segundo a qual, não estando a transformação (de sociedades civis de advogados) prevista autonomamente nesse preceito (que, ao invés, trata especificamente a dissolução e a liquidação), essa operação estaria implicitamente proibida. Uma tal interpretação não resiste, porém, a um exame crítico.

Desde logo, faz todo o sentido que o Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro, se não tenha preocupado com a transformação das sociedades civis de advogados. Por um lado, porque o diploma tratou daquilo que tinha de ser tratado ao dispor com toda a clareza que o exercício em comum, no quadro societário, da profissão de advogado apenas se pode fazer em sociedades civis (artigo 1.º, n.ºs 1 e 2). Por outro lado, porque, tratando-se de um texto legal sobre sociedades de advogados, o problema da transformação destas num outro tipo societário em cujo contexto se pretenda exercer uma outra actividade foi visto como algo que apenas se colocaria a jusante e que teria de ter resposta noutro(s) local(ais).

E a verdade é que assim sucede.

 

6. Os artigos 980.º e sgs. do Código Civil são omissos quanto à questão da transformação das sociedades civis. A regra que mais se aproxima da questão sob estudo é a do artigo 982.º, n.º 1, de acordo com a qual “as alterações do contrato requerem o acordo de todos os sócios, excepto se o próprio contrato o dispensar”. Trata-se, porém, de regra que pouco adianta para os efeitos da Consulta. O Código Civil ocupa-se ainda da dissolução (artigos 1007.º a 1009.º) e da liquidação das sociedades civis (artigos 1010.º a 1021.º), mas nada estatui quanto à (im)possibilidade de transformação.

Ora, como se sabe, perante um problema a resolver, todo o Direito é chamado a depor[1]. A omissão do Código Civil não nos impede, portanto, de indagar mais fundo e de tentar captar, noutros sectores do ordenamento, uma resposta mais segura.

E essa resposta é dada pelo artigo 130.º do Código das Sociedades Comerciais, do qual resulta inequivocamente que “as sociedades constituídas nos termos dos artigos 980.º e seguintes do Código Civil [ou seja, as sociedades civis] podem posteriormente adoptar algum dos tipos enumerados no artigo 1.º, n.º 2, desta lei” (n.º 2). É certo que as sociedades civis de advogados obedecem a um regime especial, justamente previsto no Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro. Mas tal facto não impede que a remissão contida no n.º 2 do artigo 130.º do Código das Sociedades Comerciais para “as sociedades constituídas nos termos dos artigos 980.º e seguintes do Código Civil (…)” se deva entender como aplicável, por identidade de razão, às sociedades civis de advogados.

Em primeiro lugar, porque a alusão a “(…) sociedades constituídas (…)” nos termos daquele Código não tem seguramente o sentido de excluir da remissão as sociedades cujo processo constitutivo tenha obedecido a lei especial. Basta ver, aliás, que os artigos 980.º e sgs. do Código Civil nem sequer disciplinam um verdadeiro processo constitutivo, pelo que a alusão a “(…) sociedades constituídas (…)” nos seus termos se deve entender como uma referência às sociedades civis tout court, sob pena de a remissão se tornar inoperante.

Em segundo lugar — e aproveitando a ilação anterior —, os artigos 980.º e sgs. do Código Civil contêm um regime padrão das sociedades civis que se deve considerar subsidiariamente aplicável às sociedades (civis) de advogados. Ou, dito de outro modo, os artigos 980.º e sgs. do Código Civil integram o “estatuto” das sociedades civis de advogados, ainda que apenas possam ser chamados à colação a título subsidiário. E tal circunstância constitui convite suficiente a uma interpretação não puramente literal do artigo 130.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (tanto mais que, como se viu, uma tal interpretação conduziria à inoperância da remissão pelo facto de os artigos 980.º e sgs. do Código Civil não traçarem verdadeiramente um processo de constituição próprio das sociedades aí versadas).

Em terceiro lugar, não se vislumbra qualquer razão, de forma ou de substância, que pudesse levar a uma discriminação das sociedades civis de advogados no que toca à possibilidade de transformação aberta pelo n.º 2 do artigo 130.º do Código das Sociedades Comerciais. Em especial, não se vê que o objecto específico das sociedades de advogados, assim como algumas notas especiais do respectivo regime, inviabilizem a respectiva transformação. O que tal especialidade exige é, muito simplesmente, que a sociedade se mantenha “civil” enquanto no seu seio se exerça em comum a profissão de advogado e que deixe de o ser, pelo menos sob a forma de sociedade civil “de advogados”, quando tal exercício deixar de ter lugar e houver alteração do respectivo objecto social.

Eis porque, em síntese, se entende que a remissão operada no n.º 2 do artigo 130.º do Código das Sociedades Comerciais abrange a generalidade das sociedades civis, ainda que o correspondente processo constitutivo — assim como outros aspectos do seu regime — sigam lei especial.

Vale a pena referir, ainda, que o n.º 3 do mesmo artigo 130.º dispõe que “a transformação de uma sociedade [nos termos do n.º 2] não importa a dissolução dela, salvo se assim for deliberado pelos sócios”. E o n.º 6 fecha o ciclo, estatuindo que “a sociedade formada por transformação, nos termos do n.º 2, sucede automática e globalmente à sociedade anterior”.

 

7. Deixar-se-á ainda uma nota suplementar: a admissibilidade da pretendida transformação tem, em relação ao esquema alternativo que passaria pela extinção da sociedade civil de advogados seguida da constituição ex novo de uma sociedade comercial, a vantagem óbvia de dar melhor satisfação às directrizes que fluem dos princípios da proporcionalidade, da desburocratização e da eficiência (artigos 5.º, n.º 2, e 10.º do Código do Procedimento Administrativo). Tais princípios aplicam-se à actividade dos serviços administrativos abrangidos pelo Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio), como resulta dos artigos 2.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), daquele Código e deles extrai-se a ideia de que “a Administração Pública deve ser estruturada (…) de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das decisões”. Trata-se, aliás, de uma directriz com dignidade constitucional (artigo 267.º, n.º 1, da Constituição). E o mesmo se diga quanto ao princípio da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2).

Adiante-se ainda que a não discriminação das sociedades civis no que toca à possibilidade de transformação prevista no n.º 2 do artigo 130.º do Código das Sociedades Comerciais é a solução mais consentânea com o princípio da igualdade material, visto na óptica da sociedade proprio sensu (que é titular de direitos fundamentais à luz do n.º 2 do artigo 12.º da Constituição e está, por isso, protegida pelas directrizes que fluem do princípio da igualdade vertido nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2) ou na perspectiva dos respectivos sócios.

É evidente, de todo o modo, que a lógica daqueles princípios não é a de apontar injuntivamente soluções concretas aos órgãos decidentes, mas sim a de os orientar no percurso conducente ao termo do procedimento.

 

8. Em suma, tudo aponta para que o requerimento da sociedade de advogados B  & Associados deva ser deferido. Afirmamo-lo, todavia, com duas ressalvas.

Desde logo, não tendo sido facultada cópia do modelo em que se formula o dito “pedido de certificado de admissibilidade da transformação” (que se supõe ser o Modelo n.º 11 DGRN/RNPC) nem se dispondo de quaisquer dados que permitam aferir com maior rigor o desenho do objecto social da ideada sociedade comercial por quotas, parte-se do pressuposto da veracidade do que se alega no n.º 19 do Recurso Hierárquico: “(…) a partir do momento em que tal transformação se consumar, o exercício da advocacia por parte dos actuais sócios deixará de ser exercido no âmbito dessa sociedade para passar a ser a título individual; aliás o pedido de alteração do objecto social (para gestão imobiliária) é bem esclarecedor de que a sociedade transformada deixaria de ter o exercício da advocacia como objectivo (…)”. Pressupõe-se, portanto, que o objecto social da (futura) sociedade comercial por quotas não incluirá, a título principal ou secundário, expresso ou implícito, o exercício em comum da profissão de advogado.

Depois, não se deixará passar em claro que a documentação fornecida não é totalmente esclarecedora quanto ao modo como os interessados pretendem articular, no futuro, “(…) o exercício da advocacia por parte dos actuais sócios (…) a título individual (…)” (n.º 19 do Recurso Hierárquico) e o desempenho da “gestão imobiliária” pela sociedade comercial que visam constituir e da qual — presume-se — também serão sócios.

É claro que essa indefinição releva dos factos e não do Direito e não é relevante para efeitos de admissibilidade — ou não — da requerida transformação. Mas convirá que se não incorra, no futuro, em procuradoria ilícita, nos termos e para os efeitos do artigo 56.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

 

  

§ 3.º

Conclusões

 

 1.      O exercício em comum da profissão de advogado, no seio de uma estrutura societária, apenas se pode fazer no âmbito de sociedades civis (n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro).

2.      Se dois ou mais advogados pretenderem associar-se com vista ao exercício de qualquer actividade distinta da advocacia, nada vedará, a priori, que essa associação se faça segundo o tipo da sociedade comercial.

3.      Ora, se o podem fazer ab initio, tudo indica que o poderão fazer também por via de transformação de sociedade civil (de advogados) em sociedade comercial.

4.      Necessário será, porém, que a sociedade comercial resultante da transformação não tenha por objecto, principal ou secundário, expresso ou implícito, o exercício em comum da profissão de advogado.

5.      Uma tal possibilidade de transformação está prevista no artigo 130.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais e não viola qualquer regra do Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro.

6.      A admissibilidade da pretendida transformação tem, em relação ao esquema alternativo que passaria pela extinção da sociedade civil de advogados seguida da constituição ex novo de uma sociedade comercial, a vantagem de dar melhor satisfação às directrizes que fluem dos princípios da proporcionalidade, da desburocratização, da eficiência e da igualdade (artigos 12.º, n.º 2, 13.º, 266.º, n.º 2, 267.º, n.º 1, da Constituição e artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, e 10.º do Código do Procedimento Administrativo).



[1]     Cfr. Menezes Cordeiro, Introdução à Edição Portuguesa da obra de Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Lisboa, 1989, p. CXI.

BERNARDO DINIZ DE AYALA

Topo