Pareceres do CRLisboa

CONSULTA Nº 13/2007

CONSULTA

Por requerimento datado de ...... (entrada com o número de registo.....), veio a Senhora Advogada, Dra......, requerer a este Conselho Distrital a emissão de parecer relativamente à seguinte questão:

  1. No âmbito da organização de escalas ao abrigo do disposto no artigo 41º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, foi a ora requerente notificada de que integrava a escala no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – Departamento de Investigação, do dia .. de Abril de 2007, das 9 horas da manhã desse dia até às 9 horas do dia seguinte (... de Abril de 2007).
  2. Trata-se de uma escala para nomeação de advogados estagiários, não presencial, em que o advogado estagiário que integra a escala é contactado, quando necessário, para o telemóvel para se apresentar no local onde a diligência terá lugar.
  3. Uma vez que não foi solicitada a presença da ora requerente para qualquer acto ou diligência, vem a Senhora Advogada suscitar a questão do pagamento da escala, pois entende que, apesar de não ter tido qualquer intervenção, teve de estar de “prevenção” das 9 horas da manhã do dia ... de Abril até às 9 horas da manhã do dia ... de Abril.
  4. E, uma vez que se trata de uma escala para nomeação urgente, embora não presencial, entende a ora requerente que a mesma deve ser paga como qualquer outra escala para nomeação urgente.

Considerando o exposto, vem a Senhora Advogada solicitar a este Conselho Distrital a emissão de parecer relativamente à questão do pagamento dos honorários, no âmbito de uma escala não presencial, para nomeações urgentes.

 

PARECER


Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.

Estas “questões de carácter profissional” são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.

Ora, a matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma “questão de carácter profissional” nos termos descritos, pelo que não há dúvidas de que se deve proceder à emissão de parecer.

Vejamos então.

A Constituição da República Portuguesa sempre consagrou o direito de todos os trabalhadores receberem uma retribuição pelo seu trabalho (cfr. alínea a) n.º 1 do artigo 59º).

A assistência judiciária foi, durante muitos anos, prestada gratuitamente pelos profissionais do foro, reflexo, aliás, da origem nobre da advocacia.

Com o decurso do tempo, a gratuitidade da assistência jurídica aos cidadãos que, para o efeito, não dispõem de meios económicos deixou de ser, considerando os padrões de desenvolvimento socio-económico da nossa comunidade, um princípio deontológico ou de ética fundamental relativo às profissões forenses.

Num sistema de advocacia liberal, como a nossa, não era razoavelmente exigível aos profissionais do foro a eficácia da defesa judicial dos direitos dos cidadãos a título praticamente gratuito.

Consciente disso, veio o Estado, em 1987, com a publicação do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Outubro, pela primeira vez, garantir aos causídicos, que intervierem no sistema do acesso ao direito e aos tribunais, a adequada remuneração, postulada, além do mais, pela princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

O princípio da garantia remuneratória manteve-se até aos nossos dias.

A Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais actualmente em vigor – Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, prevê, no n.º 2 do artigo 3º, a remuneração e as despesas realizadas pelos profissionais forenses que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, e estatui, por um lado, que o Estado lhes garante a remuneração adequada pelo serviço de patrocínio e o reembolso das despesas que suportem, e, por outro, que os respectivos termos e quantitativos são os que vierem a constar de Portaria Conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.

Trata-se de um normativo de carácter geral relativo aos causídicos susceptíveis de intervir no sistema do acesso ao direito e aos tribunais, aplicável aos advogados, advogados estagiários e solicitadores.

A tabela anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro, prevê os honorários para a Protecção Jurídica.

A tabela encontra-se dividida pelos ramos do processo civil, do processo do trabalho, do processo penal, dos processos especiais e outros, onde se inserem as contra-ordenações.

Prevê, ainda, outras diligências como os incidentes processuais, procedimentos cautelares, intervenções ocasionais, assistência a arguidos presos, deslocações a estabelecimentos prisionais, diligências com mais de duas sessões, presenças no âmbito das escalas de urgência, os honorários devidos pela resolução do litígio através de meios alternativos, como a mediação e a arbitragem.

Considerando o âmbito da presente consulta, ater-nos-emos apenas à questão das presenças no âmbito das escalas de presença.

Para efeitos de assistência ao primeiro interrogatório de arguido detido ou para audiência em processo sumário ou outras diligências urgentes previstas no C.P.P., o Conselho Distrital de Lisboa organiza escalas de presenças de advogados e advogados estagiários, nos termos previstos no artigo 41º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

O Conselho Distrital de Lisboa organiza escalas presenciais, para nomeação de advogados e advogados estagiários e escalas não presenciais, para nomeação de advogados estagiários.

A organização das escalas justifica-se pela urgência ou pela própria natureza do acto processual que não se compadece com a demora no pedido de indicação de causídico à Ordem dos Advogados e que, assim, impõe a nomeação directa de defensor ao arguido pela autoridade judiciária ou de polícia criminal respectiva.

Em 2005, foi solicitada a este Conselho Distrital, pela primeira vez, a constituição de uma escala não presencial junto da G.N.R – Brigada de Trânsito, para eventual designação de defensor oficioso no âmbito dos processos de inquérito decorrentes de acidentes de viação e outra junto da Polícia Judiciária.
Posteriormente, no início deste ano, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras solicitou a constituição de uma escala não presencial, para eventual designação de defensor oficioso para assistir a actos relacionados com extradições e pedidos de asilo.

Nas escalas não presenciais, apenas é exigido ao advogado estagiário que, durante um determinado período de tempo, esteja disponível, caso se mostre necessário nomear um defensor, devendo, neste caso, o advogado estagiário, após contacto para o telemóvel, apresentar-se no local indicado para a diligência.

Vejamos agora a questão dos honorários.

Os honorários a atribuir aos advogados e advogados estagiários, no âmbito das escalas de urgência são os constantes da tabela anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro e pressupõem, como parece lógico, uma efectiva intervenção do advogado ou advogado estagiário, nomeado pelo Tribunal/Autoridade Judiciária ou pelos órgãos de polícia criminal.

No ponto 10. da referida tabela, prevê o legislador uma situação particular em matéria de escalas de urgência: a remuneração a atribuir ao advogado ou advogado estagiário, por cada presença, período da manhã ou da tarde, no âmbito das escalas de urgência, desde que não tenha sido efectuada qualquer diligência.

Certamente, pretendeu aqui o legislador, não compensar o trabalho prestado pelo advogado, porque obviamente inexistente, mas antes compensá-lo, de certa forma, pelo tempo dispendido no tribunal, em virtude da escala em que se encontrava integrado e ainda pelas despesas em que incorreu com a deslocação ao tribunal.

Como resulta evidente, a questão suscitada pela ora requente não encontra resposta na tabela anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro, pois que, como já foi referido, a mesma pressupõe uma efectiva intervenção do advogado ou advogado estagiário, nomeado pelo Tribunal/Autoridade Judiciária ou pelos órgãos de polícia criminal.

Contudo, como parece evidente, o conceito de honorários, em geral, pressupõe a realização de um determinado trabalho, intelectual ou não, ao qual corresponde uma determinada remuneração.
De igual modo, no caso do trabalho qualificado que o mandato forense representa, também os honorários devem sempre corresponder à legítima remuneração pelo trabalho efectivamente desenvolvido pelo advogado.
O que está sempre em causa em matéria de honorários, é o trabalho efectivamente desenvolvido e nunca a mera disponibilidade para a prestação do mesmo. 

Considerando o exposto, parece-nos, salvo melhor opinião, que a simples circunstância de a Senhora Advogada ter integrado a escala não presencial, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do dia ... de Abril de 2007, e não ter sido contactada para qualquer diligência, não lhe confere, só por si, qualquer direito a receber honorários.

Concluindo, é nosso entendimento que:

  1. O Conselho Distrital de Lisboa organiza escalas para nomeação de advogados estagiários, não presenciais, nomeadamente, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
  2. Neste tipo de escalas, apenas é exigido ao advogado que, durante um período determinado de tempo, esteja disponível, caso se mostre necessário nomear um defensor, devendo, neste caso, o advogado estagiário apresentar-se no local onde a diligência terá lugar.
  3. A tabela anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro é omissa quanto a este tipo de situações.
  4. Contudo, não temos dúvidas de que os honorários devem sempre corresponder à legítima remuneração pelo trabalho efectivamente prestado pelo advogado ou advogado estagiário.
  5. O que está sempre em causa em matéria de honorários, é o trabalho efectivamente desenvolvido e nunca a mera disponibilidade para a prestação do mesmo.
  6. Assim, parece-nos, salvo melhor opinião, que a simples circunstância de a Senhora Advogada ter integrado a escala não presencial, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do dia ... de Abril de 2007, e não ter sido contactada para qualquer diligência, não lhe confere, só por si, qualquer direito a receber honorários.

Sandra Barroso

Rui Souto

Sandra Barroso e Rui Souto

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