Processo de Parecer n.º 15/2008
Relator: Rui Souto
Requerente: Conselho de Deontologia de Lisboa
Discussão: sessão plenária de 29.10.2008
Aprovação: sessão plenária de 29.10.2008
Assuntos:
Consulta
Mediante requerimento que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados em 23 de Abril de 2008 com o nº 29054, solicitou o Conselho de Deontologia de Lisboa, por referência ao Processo de Inquérito que aí se encontra a seguir os seus termos com o nº ….., que fosse emitido parecer sobre a eventual incompatibilidade ou impedimento das funções exercidas pelo Sr Advogado visado no Conselho Superior de Magistratura com o exercício da Advocacia.
Parecer
A questão colocadas na Consulta está delineada com a clareza devida e subsume-se ao disposto no artigo 50º, n.º 1, alínea f), do Estatuto da Ordem dos Advogados , segundo o qual compete aos conselhos distritais, no âmbito da sua competência territorial “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.
Por outro lado, a problemática em si suscitada permite-nos, desde já, delimitar o âmbito da questão a analisar: saber se a assunção de funções como membro do Conselho Superior da Magistratura por Advogado acarreta incompatibilidade ou impedimento para o exercício da Advocacia.
Antes de mais, parece-nos, a todos os níveis fundamental encetar uma caracterização do que é o Conselho Superior da Magistratura, qual a sua natureza jurídica e competências.
A este propósito, convém desde logo realçar que este órgão encontra-se previsto no texto constitucional, no seu art. 218º. Contudo, o mesmo não vem enumerado na categoria de tribunais previstos pelo art. 209º da Constituição da República Portuguesa .
Sublinhe-se, por outro lado, que as suas competências resultam não só do teor do texto constitucional, mas também, e em larga medida, do previsto no art. 149º do Estatuto dos Magistrados Judiciais., que se passa a transcrever:
“Compete ao Conselho Superior da Magistratura:
a) Nomear, colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional, exercer a acção disciplinar e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza respeitantes a magistrados judiciais, sem prejuízo das disposições relativas ao provimento de cargos por via electiva;
b) Emitir parecer sobre diplomas legais relativos à organização judiciária e ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e, em geral, sobre matérias relativas à administração da justiça;
c) Estudar e propor ao Ministro da Justiça providências legislativas com vista à eficiência e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias;
d) Elaborar o plano anual das inspecções;
e) Ordenar inspecções, sindicâncias e inquéritos aos serviços judiciais;
f) Aprovar o regulamento interno e a proposta de orçamento relativos ao Conselho;
g) Adoptar as providências necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral;
h) Alterar a distribuição de processos nos tribunais com mais de uma vara ou juízo, a fim de assegurar a igualação e operacionalidade dos serviços;
i) Estabelecer prioridades no processamento de causas que se encontrem pendentes nos tribunais por período considerado excessivo, sem prejuízo dos restantes processos de carácter urgente;
j) Propor ao Ministro da Justiça as medidas adequadas, por forma a não tornar excessivo o número de processos a cargo de cada magistrado;
l) Fixar o número e composição das secções do Supremo Tribunal de Justiça e dos tribunais da relação;
m) Exercer as demais funções conferidas por lei.”
Ou seja, podemos concluir em face da transcrita norma que o Conselho Superior da Magistratura exerce, essencialmente, funções:
- de controle e disciplina sobre os magistrados judiciais (al. a)
- de gestão da estrutura judicial (als. b), c), d) , e), h), i), j) e l))
- de gestão interna (als f) e g))
- consultivas no que respeita à estrutura judicial e administração da justiça (al. b)
Quanto à sua natureza jurídica e em anotação ao identificado art. 218º da Constituição, escrevem os Profs J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira o seguinte:
“O Conselho Superior da Magistratura é um órgão constitucional autónomo, que tem como função essencial a gestão e disciplina da magistratura dos Tribunais judiciais e cuja existência e composição satisfazem dois requisitos:
- garantir a autonomia dos juízes dos tribunais judiciais, tornando-os independentes do Governo e da Administração;
- atenuar de algum modo a ausência de legitimação democrática dos juízes, enquanto titulares de órgãos de soberania, envolvendo os dois órgãos de soberania directamente eleitos – o PR e a AR – na composição do órgão superior de gestão da magistratura judicial.”
Parece-nos correcta a qualificação do Conselho Superior da Magistratura como “órgão constitucional autónomo”, desempenhando um papel primordial no sistema de “checks and balances” que a Constituição estabelece, nomeadamente no que tange à legitimação democrática dos Tribunais e respectiva independência, o que sucede por via da eleição dos seus membros, não só pela hierarquia judicial, mas também pela eleição de sete membros pela Assembleia da República e pela designação de dois membros pelo Presidente da República.
Chegado a este ponto, haverá, agora, que transportar-se o nosso plano de análise à questão colocada para o Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor, de forma a lograrmos encontrar uma resposta ao solicitado.
Como bem se sabe, o EOA considera o exercício da Advocacia como inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possa afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão ( art. 76º, nº1).
No seu art. 77º, enumera-se de forma exemplificativa, uma série de actividades que são directamente qualificadas como incompatíveis para o exercício da Advocacia. Contudo, não foi prevista de forma explícita qualquer incompatibilidade para os membros do Conselho Superior de Magistratura.
Com efeito, esta instituição:
- não constitui “órgão de soberania” (o que afasta a aplicação da al. a) do nº do art. 77º);
- já se viu que não tem a qualidade de Tribunal (não sendo, pois reconduzível à incompatibilidade estatuída na al. g);
e
- não são os seus membros, “funcionários, agentes ou contratados” do Conselho Superior da Magistratura (o que exclui a sua subsunção à al. j)).
Ou seja, a existir efectiva incompatibilidade, tal apenas poderia advir do disposto na cláusula geral do art. 76º, nº1 do EOA a que atrás se fez alusão. Sucede que, em nossa modesta opinião, não vislumbramos que, por qualquer forma, a assunção da qualidade de membro do Conselho Superior de Magistratura (no caso em concreto eleito pela Assembleia da República), possa afectar a isenção ou a independência do exercício da Advocacia pelo Advogado em questão ou, até, atingir a dignidade da profissão. Bem pelo contrário, e do ponto de vista da Administração judiciária, será até de ver com bons olhos a participação por alguém que é Advogado e, portanto, em princípio, próximo dos problemas e especificidades que norteiam o sistema judicial, em tão importante órgão.
Não obstante, convirá não olvidar que no exercício de qualquer função, actividade ou cargo, o Advogado está impedido por lei (art. 78º do EOA) de praticar actos profissionais ou de mover qualquer influência junto de entidade (pública ou privada) onde desempenhe ou tenha desempenhado funções, se aqueles actos ou influências entrarem em conflito com as regras deontológicas contidas no Estatuto.
Nos termos do Estatuto, é ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados que compete verificar a existência de qualquer impedimento que não haja sido assumido pelo Advogado (nº4 do art. 78º do EOA).
Quanto a este aspecto, as Advogadas participantes invocam que o Advogado visado interveio em processo judicial como mandatário judicial até Junho de 2006 (data em que substabeleceu sem reserva os poderes que lhe haviam sido conferidos). Mais entendem que a assunção da qualidade de membro do Conselho Superior da Magistratura é incompatível com o exercício da Advocacia por chocar “frontalmente com princípios basilares da nossa independência como Advogados e da igualdade processual das partes.”
Ora, para além de não acompanharmos as conclusões retiradas pelas Advogadas participantes quanto à questão da incompatibilidade, também não nos é possível concluir pela existência de qualquer impedimento ao exercício da Advocacia no caso “sub judice”. Com efeito, os elementos dados a conhecer pelo Conselho de Deontologia de Lisboa não demonstram ou concretizam qualquer acto ou comportamento que possa ter sido praticado pelo Advogado visado que coloque em crise o princípio da independência da Advocacia. O mesmo se diga quanto à eventual violação do princípio processual da igualdade de armas.
Conclusões
- Nos termos do art. 76º, nº2 do EOA, o “exercício da Advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.”
- O exercício da advocacia em simultâneo com a assunção da qualidade de membro do Conselho Superior da Magistratura eleito pela Assembleia da República, não só constitui situação que não se verifica prevista como incompatível no art. 77º do EOA, como também não nos parece, “per si” colocar em causa a isenção, a independência e a dignidade da profissão.
- A ter existido impedimento, não demonstram os elementos colocados à disposição deste Conselho Distrital que o Advogado visado tenha praticado qualquer acto ou comportamento que possa ter sido praticado pelo mesmo em conflito com as regras deontológicas contidas no Estatuto
Lisboa,
Rui Souto
Nem consta da categoria de tribunais elencados no art. 16º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro).
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição revista, p. 827.
Como aliás, decorre da nossa posição atrás defendida quanto à inexistência de qualquer incompatibilidade para o exercício da Advocacia.
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