Consulta nº 47/2008
Requerente: Dr...
Questão: É possível um advogado celebrar um acordo com uma instituição financeira pelo qual o advogado receberá uma comissão por cada operação financeira que se concretize com pessoas ou empresas por ele apresentadas a essa instituição financeira?
O Sr. Dr. ... solicita a este Conselho Distrital a emissão de parecer para ser esclarecido sobre a existência de eventual incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a actividade promotor externo de uma instituição bancária.
Tanto quanto entendemos, na sequência dos esclarecimentos posteriores solicitados ao Senhor Advogado requerente, esta actividade consiste no encaminhamento de pessoas e empresas interessadas em operações bancárias a essa instituição financeira, de modo a que esta possa apresentar as suas propostas a esses interessados. Caso a operação se concretize, a instituição bancária paga uma comissão de valor previamente acordado para o tipo de operação bancária efectuado.
Ainda quanto entendemos – pois não tivemos acesso à minuta de contrato – o advogado limitar-se-ia a apresentar determinadas pessoas ou empresas a esse banco. Não teria qualquer interferência na negociação nem na celebração das operações bancárias. A comissão seria assim devida pela “apresentação” do interessado ao banco.
A finalidade deste tipo de actividade é clara. Visa-se com este acordo a angariação de clientela para o banco.
Dos seus contornos, parece também claro que não estaremos perante uma actividade típica de mediação, pois o Promotor Externo não actua na negociação ou celebração dos contratos bancários.
Tudo indica estarmos perante uma pura actividade de angariação. E a ser assim, poder-se-á fazer um paralelismo com actividades de contornos semelhantes, como sejam as de angariador imobiliário ou de angariador de seguros.
Resulta do regime jurídico dos “antigos” angariadores de seguros que estes foram assimilados à actividade de mediador de seguros, agora denominada de “mediador de seguros ligado” – cfr. Decreto-Lei nº 144/06, de 31 de Julho.
Por seu lado, a actividade de angariador imobiliário está prevista e regulamentada no Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto. De acordo com o artigo 4º desse diploma, consiste no desenvolvimento de actos típicos de mediação mobiliária que sejam necessários à preparação e ao cumprimento dos contratos de mediação mobiliária, nomeadamente de prospecção de imóveis. Ainda de acordo com aquele artigo, é expressamente vedado aos angariadores imobiliários o exercício de outras actividades comerciais ou profissionais.
Ora, no que respeita a estas actividades, o entendimento da Ordem dos Advogados tem sido o de as considerar incompatíveis com o exercício da advocacia – citam-se, entre outros, o Parecer CG n.º E-25/2005, de 15 de Julho de 2005, relatado pelo Dr. Bernardo Ayala quanto à actividade de angariação imobiliária, e o Acórdão CS n.º R-166/2006, de 24 de Novembro de 2006, quanto à actividade de angariação de seguros.
Também com contornos de alguma similitude, haverá de ter em conta a actividade de agente de jogadores de futebol, considerada incompatível com o exercício da advocacia pelo Parecer CG n.º E-29/2003, de 12 de Março de 2004, relatado pelo Dr. Amadeu Morais.
Estão assim lançadas as bases do raciocínio.
A matéria das incompatibilidades com o exercício da advocacia vem prevista nas disposições dos artigos 76º e 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
O primeiro destes dois preceitos consagra um princípio geral, segundo o qual o exercício da advocacia é incompatível com qualquer actividade ou função que diminua a isenção, a independência e a dignidade da profissão, enquanto o segundo elenca, de uma forma não taxativa, um conjunto de situações concretas e precisas tidas por incompatíveis com o exercício da advocacia.
O EOA considera expressamente como incompatível com o exercício da advocacia a actividade de mediação, seja ela mobiliária ou imobiliária – cfr. artigo 77º, nº 1 alínea p) – por entender que tal actividade é susceptível de diminuir a isenção, independência e dignidade do advogado.
E porquê? Por se entender que a duplicidade de actividades é susceptível de gerar uma promiscuidade contaminadora da independência e dignidade da profissão, falseando a cultura de parte que nos caracteriza.
Mesmo que se entenda que esta actividade não se reconduz a uma mediação típica, ainda assim haverá que aquilatar das repercussões que potencialmente poderá acarretar para a dignidade e independência da advocacia.
Imaginemos que um cliente do advogado necessita de realizar uma operação bancária e que para tal solicita os seus ofícios. O advogado “encaminha” o seu cliente para o banco com o qual tem o denominado contrato de “promotor externo” e por esse acto recebe do banco uma comissão.
E pensemos também que a operação bancária corre mal e que o seu cliente pretende accionar o banco. Em que posição fica o advogado, nomeadamente em matéria de conflitos de interesses?
E que dizer do facto de, nestes casos, nem sequer ser normalmente conhecida a actividade e dada a conhecer a mesma aos clientes. Que diria o cliente do advogado, ou qualquer conhecido deste, se viesse a ter conhecimento que o seu advogado, ou quem o indicara ao Banco, estava a receber uma comissão por esse facto?
Estes exemplos são elucidativos da potencial promiscuidade e consequência contaminadora da independência e dignidade da profissão que poderá resultar para o advogado a celebração do denominado “contrato de promotor externo” com uma entidade bancária. E sobretudo no que respeita ao “encaminhamento” de clientes e ao recebimento de “comissões” por mera indicação ou apresentação.
É quanto basta para considerarmos este tipo de actividade como incompatível com o exercício da advocacia, por ser susceptível de afectar a dignidade, isenção e independência da profissão.
Conclusão:
O exercício da advocacia é incompatível com a pura actividade de “promotor externo” de um banco no exercício da qual o advogado receba uma comissão por cada operação financeira que se concretize com pessoas ou empresas por ele apresentadas.
Lisboa, 16 de Março de 2008
O Relator
Jaime Medeiros
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