Consulta Nº 35/2009
Consulta n.º 35/2009
Âmbito da Consulta
A Senhora Dra. A vem solicitar que o Conselho Distrital de Lisboa emita parecer sobre uma situação de eventual conflito de interesses.
O enquadramento factual, tal como exposto pela Dra. A é, em síntese, o seguinte:
a. Há cerca de cinco anos, a Senhora Advogada consulente prestou os seus serviços jurídicos a uma cliente no âmbito de um processo de divórcio litigioso que veio a ser convolado em divórcio por mútuo consentimento, tendo também sido regulado o poder paternal dos filhos, então menores, da referida cliente.
b. A Senhora Advogada consulente foi agora contactada pela segunda esposa do pai da sua antiga cliente, a qual solicitou o seu patrocínio num processo de partilha de herança por óbito do pai da sua antiga cliente, encontrando-se já interposto inventário por óbito da primeira esposa do falecido.
c. Considerando que a sua antiga cliente é parte interessada na herança do seu pai, vem a Senhora Advogada consulente solicitar a emissão de parecer quanto à questão de saber se existirá conflito de interesses na aceitação do patrocínio da segunda esposa do pai (entretanto falecido) da sua antiga cliente.
Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa
“A Deontologia é o conjunto de regras ético-jurídicas pelas quais o advogado deve pautar o seu comportamento profissional e cívico. (...) O respeito pelas regras deontológicas e o imperativo da elevada consciência moral, individual e profissional, constitui timbre da advocacia.” – António Arnaut, Iniciação à Advocacia – História – Deontologia – Questões Práticas, p. 49 e 50, 3ª Edição, Coimbra Editora, 1996.
O Advogado no exercício da sua profissão está vinculado ao cumprimento escrupuloso de um conjunto de deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda àqueles que a lei, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhe impõem.
O cumprimento escrupuloso e pontual de todos esses deveres garante a dignidade e o prestígio da profissão.
O Título III do Estatuto da Ordem dos Advogados trata da “Deontologia Profissional”, fixando no Capítulo I, os Princípios Gerais e abordando no Capítulo II, a questão das relações entre o advogado e o cliente.
É neste último Capítulo e, mais especificamente no seu artigo 94º, que se encontra regulado o denominado “Conflito de Interesses”.
Aí estão plasmadas várias situações em que existe uma situação de incompatibilidade para o exercício do patrocínio.
Esta norma tem em vista evitar a existência de conflito de interesses na condução do mandato por Advogado e assume a uma tripla função:
a) Defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes;
b) Defender o próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes.
c) Defender a própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações.
Da factualidade descrita pela Senhora Advogada consulente, entendemos que está em causa a correcta interpretação do disposto no número 1 do artigo 94º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que transcrevemos:
“ 1. O Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.”
No presente caso, verifica-se que a Senhora Advogada consulente patrocinou uma determinada cliente num processo de divórcio litigioso que veio a ser convolado em divórcio por mútuo consentimento, tendo também sido regulado o poder paternal dos filhos, então menores, da referida cliente.
Esta relação profissional estabelecida entre ambas já cessou há cinco anos.
A particularidade existente reside no facto de, agora, a Senhora Advogada consulente ter sido contactada pela segunda esposa do pai da sua antiga cliente para patrociná-la num processo de partilha de herança por óbito do pai da sua antiga cliente, que será, portanto, parte interessada na herança do seu pai.
Nos termos do disposto no artigo 94º do E.O.A., é vedado ao Advogado, nomeadamente, intervir, sob qualquer forma, em questão (processo judicial ou não) que seja conexa com outra em que represente a parte contrária, mas também lhe está vedado intervir em questão que seja conexa com outra em que tenha representado a parte contrária.
E, no presente caso, existe uma conexão entre as acções?
Parece-se-nos que não.
Tal como foi entendido no Parecer do Conselho Geral n.º E-14/00, aprovado em 13.10.2000, e no qual foi relator o Dr. Carlos Grijó, conexão significa relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das outras ou que a decisão de todas dependa da subsistência ou valorização de certos factos.
Em nossa modesta opinião, os serviços jurídicos prestados anteriormente pela Senhora Advogado consulente à filha do ora falecido, serviços esses relacionados com uma questão de direito da família, não são conexos com os serviços que agora foram solicitados à Senhora Advogada consulente, onde o que estará em causa é a partilha de uma herança por óbito do pai da sua antiga cliente.
Não nos parece que o facto da Senhora Advogada consulente vir, em tese, a litigar contra a sua antiga cliente, parte interessada na herança do seu pai:
1. Coloque a Senhora Advogada consulente numa posição de duvidosa independência ou liberdade no exercício da sua actividade enquanto Advogada.
2. Ou mesmo que haja um sério risco de violação do segredo profissional a que a Senhora Advogada consulente está vinculada por força da relação profissional estabelecida com a sua antiga cliente.
Obviamente que, apesar de entendermos que o patrocínio que a Senhora Advogada consulente possa vir a assumir não constitui violação dos deveres previstos no artigo 94º do E.O.A., isto não significa que o dever de segredo profissional, autonomamente protegido pelo artigo 87º do E.O.A., não deva permanecer protegido.
CONCLUSÕES:
1. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 94º do Estatuto da Ordem dos Advogados, o Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.
2. Os serviços jurídicos prestados anteriormente pela Senhora Advogada consulente à filha do ora falecido, serviços esses relacionados com uma questão de direito da família, não são conexos com os serviços que agora foram solicitados à Senhora Advogada consulente, onde o que estará em causa é a partilha de uma herança por óbito do pai da sua antiga cliente.
3. Assim sendo, o patrocínio que a Senhora Advogada consulente pretende assumir não constitui, atentos os fundamentos invocados, violação do disposto no artigo 94º do E.O.A.
4. Contudo, esse nosso entendimento não significa que o dever de segredo profissional, autonomamente protegido pelo artigo 87º do E.O.A., não deva permanecer protegido
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Julho de 2009
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
Lisboa,
O Vice-Presidente do C.D.L.
(por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de 2008)
Jaime Medeiros
Sandra Barroso
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