Pareceres do CRLisboa

Processo Nº 237/09

PROCESSO N.º 237/09
PEDIDO DE DISPENSA DE SIGILO PROFISSIONAL

DESPACHO

Mediante requerimento recepcionado no Conselho Distrital de Lisboa em 8 de Setembro de 2009 (entrada com o número de registo ... ) e esclarecimentos prestados em 25 de Setembro de 2009 (entrada com o número de registo .... ), a Senhora Advogada, Dra.. A, titular da cédula profissional n.º ...., com domicílio profissional sito na Rua ...., em Lisboa, veio expor e requerer o seguinte.

A Senhora Advogada Dra. B  foi mandatária da Senhora C até Setembro de 2007.
Aproveitando-se da relação de confiança existente com a mandante, solicitou que esta lhe mutuasse a quantia de € 150.000,00, comprometendo-se a liquidar a dívida num prazo de oito dias.
Para titular o aludido empréstimo as partes celebraram um contrato de mútuo, redigido pela Dra. B
A Dra. B não pagou a dívida no prazo acordado, nem posteriormente, apesar das diversas interpelações para pagamento.
A mutuante requereu a insolvência da Dra. B, a qual veio, em oposição à insolvência, negar a existência do aludido crédito e alegar que o documento era forjado.

 

Durante a pendência deste primeiro processo de insolvência, a Dra. B remeteu à Senhora Advogada requerente um acordo de pagamento, junto como doc. n.º 1.

A Senhora Advogada requerente intentou agora nova acção de insolvência e pretende juntar esta proposta de acordo de pagamento, razão pela qual vem solicitar o levantamento do sigilo profissional.

Cumpre decidir.  

Nunca é de mais referir o carácter fundamental, para não dizer verdadeiramente basilar, que a obrigação de segredo profissional reveste para a advocacia.
Mais do que uma condição para o seu desempenho é, sobretudo, um traço essencial da sua própria existência. Sem o segredo profissional erigido em regra de ouro não existe, nem pode existir advocacia – desta forma o tem entendido a lei e a própria jurisprudência da Ordem dos Advogados.

Estipula o artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.) que o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.  

Contudo, existem casos em que a dispensa desta obrigação de guardar sigilo profissional se justifica e se impõe – precisamente os acolhidos no n.º 4 do artigo 87º do E.O.A., que aqui se transcreve:

 

“O Advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio Advogado ou do cliente ou seus representantes (…)”.
A norma transcrita contém o critério orientador da eventual dispensa da obrigação de segredo profissional.
Dispensa que será de conceder quando, analisados os elementos disponíveis para a decisão, se conclua pela sua absoluta necessidade para a defesa dos direitos e interesses legítimos das pessoas referidas na norma em causa. Mais, o critério da absoluta necessidade limita, de igual modo, o próprio âmbito e alcance da dispensa a conceder.
Ou seja, por causa do carácter tendencialmente intangível do segredo profissional, a respectiva dispensa assume sempre carácter excepcional, quando for absolutamente necessária e infungível, mas deverá, ainda que concedida, circunscrever-se apenas ao absolutamente necessário para lograr os objectivos que a tornam viável.

Acrescenta ainda o artigo 4º do Regulamento de Dispensa de Sigilo Profissional (Regulamento n.º 94/2006, OA) que:
1- A dispensa do segredo profissional tem carácter de excepcionalidade.
2- A autorização para revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, apenas é permitida quando seja inequivocamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio Advogado, clientes ou seus representantes.
3- A decisão do Presidente do Conselho Distrital, nos termos do EOA e do presente regulamento, aferirá da essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, considerando e apreciando livremente os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa.”

 

A Lei e a regulamentação da Ordem dos Advogados são, pois, claras e exigentes:
Deve estar em causa a dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do seu cliente ou representante e, mesmo nesse contexto, a dispensa tem de assumir carácter de absoluta necessidade.

Vejamos o caso concreto.

O fax objecto do pedido encerra uma proposta negocial.
Foi dirigido à Senhora Advogada requerente na pendência de uma acção judicial.
O que, por si só, é suficiente para considerar sigilosos os factos nele contidos, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 87º do EOA.
E assim sendo, está o referido fax abrangido pelo sigilo profissional, por força do disposto no n.º 3 do artigo 87º do EOA.

Questão diversa será saber se a menção de “fax confidencial” que a Dra. B dele fez constar é válida para efeitos do disposto no artigo 108º do EOA.
E isto porque a Senhora Advogada requerente refere que, apesar de constar do fax a menção de “advogada em causa própria”, a Dra. B tinha, à data do envio da proposta, mandatária constituída no processo.

Ou seja, este facto equivale a dizer que a proposta foi, formalmente, feita pela parte contrária da cliente da Senhora Advogada requerente e não por Advogado e como tal o fax objecto do pedido não está sujeito ao dever de confidencialidade estatuído no artigo 87º do EOA?

Parece-nos que não.
Parece-nos evidente que a proposta foi feita, claro está, pela parte contrária do cliente da Senhora Advogada requerente, mas foi feita, sem dúvida, na qualidade de Advogada, como aliás, se infere da menção que a Dra. B fez constar do fax – “advogada em causa própria”.
E nessa qualidade, foi sua intenção submeter o fax objecto do presente pedido ao dever de confidencialidade estatuído no artigo 108º do E.O.A.

Também não procede a circunstância da Dra. B ter advogado constituído no processo, pois tal não impede que as negociações extrajudiciais sejam conduzidas por outro mandatário constituído ou, no caso, por advogado em causa própria.

Assim sendo, tal correspondência está subtraída aos poderes de pronúncia, para os efeitos do n.º 4 do artigo 87º do E.O.A., não podendo, em qualquer caso, constituir meio de prova, por força do disposto no n.º 2 do artigo 108º do EOA. 

E ainda que se considerasse que não tinha aqui aplicação o dever de confidencialidade fixado no artigo 108º do EOA sempre diríamos o seguinte.
Que o fax está abrangido pela esfera de protecção do sigilo profissional, não temos dúvidas.
E, não resulta factualmente circunstanciado do pedido formulado pela Senhora Advogada requerente que a revelação do conteúdo da correspondência objecto do pedido seja, neste momento, absolutamente necessária para a defesa dos interesses da sua cliente.

 

Pelo contrário, resulta do pedido que a pretendida junção se insere numa estratégia processual de antecipação de uma hipotética oposição pela Dra. B em termos idênticos aos deduzidos na anterior acção de insolvência de pessoa singular, o que basta para concluir pela ausência de essencialidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo.

NESTES TERMOS,

E com os fundamentos atrás expostos, indefere-se o pedido de levantamento do sigilo profissional apresentado pela Senhora Advogada, Dra. A.

Notifique-se.

Lisboa, 30 de Setembro de 2009

A Assessora Jurídica do C.D.L.

Sandra Barroso

Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

 

Lisboa, 2 de Outubro de 2009

O Vice-Presidente do C.D.L.
(por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de 2008)

 

Jaime Medeiros

Sandra Barroso

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