Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 11/PP/2018-C

Processo de Parecer n.º 11/PP/2018-C

 

Requerente: Dra. IF (…)

Objecto: Escritório de advocacia – natureza e requisitos

 

I -

 

Por requerimento que dirigiu ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, datado de 7 de Março de 2018, a Exm.ª Senhora Advogada Drª. IF (…), com escritório em (…), solicitou a emissão de parecer sobre a possibilidade desta arrendar um gabinete com sala de reunião para exercer advocacia no mesmo local onde uma clínica de medicina do trabalho presta também serviços. Refere que a clínica em causa apenas utiliza o espaço uma ou duas vezes por semana, e que apenas seria de uso comum à Requerente e à dita clínica a entrada da fracção e uma sala de espera, sendo o objectivo da partilha de espaço a repartição de custos. Esclarece ainda a Requerente que o seu gabinete é totalmente independente e defende que a sua pretensão não viola os deveres ético-deontológicos do exercício da advocacia.

 

Considerando que se encontram reunidos todos os pressupostos para emissão deste Parecer, e que a questão é, territorial e hierarquicamente, assunto sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar (art.º. 54º, nº1 al f) do Estatuto da Ordem dos Advogados), foi este processo entregue à aqui Relatora.

 

II –

 

Nos termos do artigo 91º al. h) do Estatuto da Ordem dos Advogados (adiante designado por EOA), é dever do advogado “manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, em termos a definir por deliberação do conselho geral”.

 

A norma atrás referida é nesta sede convocada por ser a que, na nossa opinião, serve de base à apreciação da questão suscitada pela Advogada Requerente, pois nela se prevê o “ o dever de manutenção de domicilio profissional digno e capaz de garantir um exercício da advocacia de acordo com as regras deontológicas, designadamente tendo em vista a proibição de angariação de clientela, a proibição de partilha do espaço profissional com quem não seja advogado, advogado estagiário ou solicitador, a preservação do sigilo profissional e a dignidade da profissão, prevendo-se que o Conselho Geral venha a regulamentar este domínico[1]

 

Diga-se, seguindo o entendimento da jurisprudência da Ordem dos Advogados que “o escritório de advogado é o espaço físico onde está localizada a organização de meios utilizada pelo advogado no exercício da sua profissão que corresponde ao “domicílio escolhido como centro da sua vida profissional” - cf. n.º 1 do art. 179.º do EOA e n.º 1, do art. 9.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários.
Este espaço e organização de meios não tem tradicionalmente, atenta a natureza liberal e fortemente personalizada da actividade que ali se exerce, aptidão funcional própria e autónoma face ao seu titular
[2]

 

Não se extrai, contudo, da norma da al. h) do art. 91º do EOA, a definição das características essenciais ou obrigatórias de um escritório de advogado, tendo sido entendido que o Conselho Geral ainda não veio a regulamentar a matéria, alegadamente pela “dificuldade que representa estabelecer um denominador mínimo (obrigatório) que se mostre adequado a formas tão heterogéneas de exercício da advocacia: prática isolada, prática em associação com partilha de despesas e meios, prática em sociedade, prestação de serviços em exclusividade, advogados de empresa, etc”[3]

 

Parece-nos contudo ser inevitável concluir que o espaço físico do escritório de um advogado tem de ter condições que assegurem o cumprimento dos seus deveres deontológicos, quer no que respeita à sua estrutura interna e organização e, também, na sua estrutura externa (local ou configuração).[4]

 

Ensina-nos Carlos Mateus que “que o Advogado tem de possuir uma instalação fixa, autónoma e apetrechada com os instrumentos mínimos para poder exercer cabalmente as suas funções e preservar o segredo profissional da identidade, documentos, valores e dossiês dos clientes.”[5]

 

Isto porque “ o local de exercício da actividade do advogado deve permitir a este executar adequadamente o patrocínio que o seu cliente lhe confiou, mas não só. Do mesmo passo há-de estar dotado das características adequadas a garantir o cumprimento do complexo de deveres a que o advogado está sujeito, designadamente: para com a Administração da Justiça e a sociedade; para com a Ordem dos Advogados; para com os Colegas e para com todos os seus interlocutores no exercício da profissão - cfr., entre outros, os arts. 83.º, 85.º, 89.º e 90.º todos do EOA”[6]

 

Estará, pois, em causa, nomeadamente, a independência do advogado, o segredo profissional e, ainda, a (proibição de) angariação de clientela, que deverá prevalecer caso, no mesmo espaço físico, se encontrar um escritório de advogado e um outro de diferente actividade.

 

Assim, “e em regra, não são permitidas formas de organização regular entre advogados e profissionais de outras actividades, por porem em risco princípios ético-deontológicos basilares da advocacia. Com efeito, e ainda como regra, tal situação favoreceria a prática de procuradoria ilícita, com violação do disposto no art. 6º. da Lei nº. 49/2004, de24 de Agosto, colocaria em risco, quer a dignidade profissional e independência do advogado – arts. 88º. e 89º. EOA –, quer o segredo profissional a que o advogado está sujeito – art. 92º. EOA –, e propiciaria o aparecimento de situações de conflito de interesses – art. 99º. EOA –, bem como de angariação de clientela, pelo advogado, ou por interposta pessoa – art. 90º nº 2 al. h) EOA. [7]

 

 

A título de exemplo, enquadrará situação em que a partilha de espaço entre um advogado e outro profissional liberal pode determinar a violação dos deveres acima referidos, a partilha, entre as duas actividades, de funcionária, documentação, telefone ou fax. De facto, nessa situação poderá entender-se que estará aberta a porta à ocorrência de situações de violação de segredo profissional por parte do Advogado, permitindo que terceiros acedam a informação confidencial abrangida por esse dever do advogado.[8] [9] Para além disso, é também comum identificar-se a possibilidade da existência de angariação (ilegal) de clientela, atendendo a que o aludido circunstancialismo poderá propiciar que esta exista, contrariando proibição expressa dimanada do EOA.

 

Parece pois que, para afastar a impossibilidade de partilha de salas de escritório com outros profissionais, o advogado terá de criar condições para que se não sejam colocados em crise os seus deveres deontológicos, criando uma estrutura com autonomia e independência em relação aos demais profissionais que partilham o espaço.

 

Como o fazer?

 

Apesar do EOA não permitir responder directamente a esta questão e atendendo que ainda não existe regulamentação do Conselho Geral sobre a matéria, poderemos socorrer-nos, mais uma vez, da jurisprudência da Ordem dos Advogados, que em anteriores situações já se pronunciou sobre algumas regras de conduta a seguir pelos advogados em caso de partilha de um espaço com outros profissionais, como sejam (1)identificar individualmente o seu escritório e não deverá utilizar tabuletas, siglas, papel timbrado ou quaisquer outros sinais de publicidade comuns com outros profissionais; (2) não “partilhar honorários com outros profissionais, nomeadamente por meio de “comissões” ou “percentagens” por angariação”; (3) As condições económicas da cedência de salas devem ser acordadas exclusivamente por via de quantias fixas a título de ocupação de espaço e de eventual partilha de custos de secretariado comum; (4) O advogado deverá, preferencialmente “manter recursos humanos e secretariado próprio” ou os recursos humanos comuns “devem ter formação adequada em matéria de sigilo profissional, seu alcance e conteúdo, e consequências da sua quebra”; (5) manter processamento, tratamento e arquivo de documentação e base de dados próprios, não podendo em nenhum caso existir acesso partilhado de documentação, quer no que respeita ao suporte físico quer ao suporte digital e informático; (6) “ o espaço físico ocupado pelo advogado, pelos seus serviços e pelo seu arquivo deve estar perfeitamente identificado e separado de outros profissionais”;[10]

 

 

Partindo dos critérios acima referidos, e enquadrando-os no caso concreto, parece-nos que a Requerente, partilhando apenas a entrada e a sala de espera de um escritório com uma clínica de medicina de trabalho, tendo autonomia total no que respeita à estruturação dos seus serviços, nomeadamente ao nível de separação de espaço, dos recursos humanos a ela afectos, arquivo, fax, telefone, e conquanto mantenha presente os deveres deontológicos a que se encontra vinculada pelo exercício da advocacia acima referidos, poderá partilhar o mesmo espaço físico com aquela outra entidade.

 

 

III –

Concluindo,  

 

I - O artigo 91º al. h) do Estatuto da Ordem dos Advogados estipula que constitui dever do advogado manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, nos termos de Regulamento a aprovar pelo Conselho Geral.

 

II – A partilha do mesmo espaço físico entre um advogado e outro profissional, deve obedecer a regras que assegurem o cumprimento dos deveres deontológicos, em especial os relacionados com a com a independência, angariação de clientela, e com a protecção do sigilo profissional.

 

III – Um advogado pode partilhar instalações físicas com uma clínica de medicina de trabalho, quando é apenas comum a sala de espera e a entrada, enquanto mantiver as regras que impliquem autonomia total no que respeita ao exercício da actividade de advocacia, nomeadamente sem partilha de recursos humanos, e sem possibilidade de acesso quer à informação do seu escritório e ao seu arquivo

 

É este o nosso parecer

 

Leiria, 20 de Abril de 2018

 

À sessão do Conselho Regional de Coimbra

 



[1] Fernando Sousa Magalhães, EOA Anotado e Comentado, 2015, 10ª edição, pág. 135

[2] Parecer 9/PP/2008-G, do Conselho Geral, disponível em www.oa.pt.

[3] Idem

[4] Em Parecer do C.D.L. n.º 82/5005, é referido que quer a estrutura interna (meios de trabalho, comunicação e meios administrativos) quer o próprio local do escritório de advogado tem de estar apto ao cumprimento das regras deontológicas.

[5] Carlos Mateus, Deontologia Profissional “Contributo para a Formação dos Advogados Portugueses”, 2014, pg111

[6] Idem

[7] Parecer 14/PP/2017-P, disponível em www.oa.pt

[8] Parecer nº 67/PP/2011-P, disponível em www.oa.pt , onde se refere que “ está obrigado ao segredo profissional não apenas o próprio advogado, como também todas as pessoas que com ele colaborem no exercício da sua actividade profissional (n.º 7 do art. 87º do E.O.A.). Com efeito, podem existir serviços comuns que ponham em causa o dever de segredo profissional (por exemplo, funcionária, telefone ou fax comuns). A resposta foi que de comum existe a “sala de espera e o fax ”. Ora, parece-nos que – ao contrário da sala de espera – a existência de fax em comum é suficiente para pôr em causa o segredo profissional.Com efeito, este equipamento de utilização comum da consulente e da agente de execução/advogada poderá proporcionar a ocorrência de situações que afectem o dever de segredo profissional da primeira. Pelo que, é aconselhável que esta situação não se mantenha.”

[9] Parecer  nº 14/PP/2014-P, disponível em www.oa.pt , onde se refere que “a coexistência no mesmo local de um escritório de advogado com um escritório no qual se desenvolva consultadoria financeira, com comunhão de recepção e, por isso, partilha de secretariado, telecomunicações e documentação configura uma violação directa do disposto no artigo 87.º EOA. Além disso, a mera circunstância de os Clientes do Requerente e os da Consultora partilharem a mesma recepção e sala de estar poderá potenciar a violação do segredo profissional. Tal coexistência configura, ainda, uma violação do disposto no n.º 1 do art. 6.º da Lei 49/2004, por, eventualmente, favorecer a prática de procuradoria ilícita e propicia o aparecimento de situações de conflito de interesses (art. 94.º EOA), ou de angariação de clientela, pelo advogado, ou por interposta pessoa (art. 85.º EOA). Ora, em tese, não existindo serviços comuns (partilha de telecomunicações, documentação ou secretariado) que pusessem em causa o dever de segredo profissional, o que de comum existiria era apenas a porta de acesso ao exterior, o que não seria suficiente para pôr em causa o segredo profissional.”

[10] Consulta nº2/2008, do CDL da Ordem dos Advogados, Triénio 2008-2010, Volume I

 

Sílvia Carreira

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