Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 19/PP/2022-C

Parecer nº. 19/PP/2022-C

 

Requerente: Exmº Sr. Dr. JM…

Objecto: Obrigação de manter o arquivo e toda a documentação a ele subjacente

 

 

I -

 

Por requerimento que dirigiu ao Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, o Exmº Sr. Dr. JM…, Advogado, portador da cédula profissional nº …C, com escritório na Rua …, solicitou a emissão de parecer sobre o período temporal em que deverá manter os dossiers e documentação de clientes.

 

Refere que:

“Exerço a actividade de advogado, desde 22/11/1982 (data de inscrição na O.A.), na condição de reformado desde 01/06/2017, sendo titular da Cédula Profissional nº …C, com escritório na Rua ….

Tenho guardado todos os dossiers, e respectiva documentação, dos vários processos e assuntos que me têm solicitado e que tenho tratado, desde o início da minha actividade profissional até à presente data.

Por esse motivo, tenho o arquivo e o escritório completamente cheios e repletos com dossiers e respectiva documentação e necessito de proceder a uma organização do mesmo, destruindo os dossiers e documentos que a lei me permita destruir, por meio de uma empresa certificada para o efeito.

Venho assim solicitar a Vªs. Exªs. que me informem por quantos anos e qual o período de tempo que  sou obrigado a guardar os dossiers e respectiva documentação no meu escritório.”

 

Considerando que o Conselho Regional de Coimbra tem competência para a emissão do presente parecer, atendendo que trata de situação que ocorre em localidade pertencente à sua área de competência territorial (cfr. o art. 54º, nº1 do EOA), e, ainda, porque visa  “questão de carácter profissional” sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar (art.º. 54º, nº1 al f) do Estatuto da Ordem dos Advogados), foi este processo entregue à aqui Relatora.

 

 

 

*          *          *

 

 

II –

 

Coloco-nos o Sr. Advogado Requerente a questão, em súmula, de qual o período que deve manter o seu arquivo profissional, respeitante este a dossiers e documentação dos clientes. Avançamos já que o assunto em causa foi objecto de ponderação e emissão de respetivos Pareceres pela Ordem dos Advogados, quer em anos mais longínquos ou mais recentemente, sendo que nas apreciações efectuados conclui-se pela inexistência de um prazo definido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados para o efeito.

 

O nosso Estatuto apenas refere, no Artigo 101º e sob a epigrafe “ valores e documentos do cliente” que:

1 - O advogado deve dar a aplicação devida a valores, objetos e documentos que lhe tenham sido confiados, bem como prestar conta ao cliente de todos os valores deste que tenha recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas, logo que tal lhe seja solicitado. 2 - Quando cesse a representação, o advogado deve restituir ao cliente os valores, objetos ou documentos deste que se encontrem em seu poder.

3 - O advogado, apresentada a nota de honorários e despesas, goza do direito de retenção sobre os valores, objetos ou documentos referidos no número anterior, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhe sejam devidos pelo cliente, a menos que os valores, objetos ou documentos em causa sejam necessários para prova do direito do cliente ou que a sua retenção cause a este prejuízos irreparáveis.

4 - Deve, porém, o advogado restituir tais valores e objetos, independentemente do pagamento a que tenha direito, se o cliente tiver prestado caução arbitrada pelo conselho regional.

 5 - Pode o conselho regional, antes do pagamento e a requerimento do advogado ou do cliente, mandar entregar a este quaisquer objetos e valores quando os que fiquem em poder do advogado sejam manifestamente suficientes para pagamento do crédito.

 

Não nos diz o citado artigo qual o prazo em que os Advogados devem manter o arquivo profissional, pelo que teremos de encontrar solução, ao abrigo do art. 10º do CC[1], em diplomas ( e normas) conexas com o tema, que nos podem levar a concluir pelo prazo de manutenção do arquivo profissional.

 

Diga-se, em acto prévio à análise da legislação a que nos socorreremos para a resposta a dar, que em 1968 a Ordem dos Advogados emitiu parecer sobre a matéria, sendo que este define – de forma clara e que nos parece manter completa actualidade – o que se entende por arquivo profissional.

 

Diz-nos tal parecer que este poderá ser definido como “o conjunto de documentos de qualquer natureza que chegam à posse do advogado por virtude ou em razão do caso ou do assunto profissional cuja defesa lhe foi cometida por mandato do constituinte ou por nomeação oficiosa; de cópias dos trabalhos jurídicos elaborados; de cópias dos trabalhos jurídicos elaborados pelo advogado da parte adversa; dos duplicados dos articulados; das cópias do processo judicial respectivo – depoimentos, respostas de peritos, especificação e questionário, despachos, sentenças, acórdãos, etc. – ou cópias de outros processos que, de qualquer modo, foram examinados e, por ventura, até utilizados de qualquer maneira no estudo da questão cometida ao advogado; as cópias de correspondência trocada pelo advogado com o constituinte, com a parte adversa enquanto não representada ou com autorização do respectivo patrono, com este, com técnicos ou com quaisquer outras pessoas ou entidades, a respeito do assunto em causa; as certidões, cadernetas prediais, etc., etc., – tudo isso constitui o que comummente se chama “dossier” ou “processo” do cliente; e até objectos existentes nos respectivos “dossiers” ou “processos” forma o arquivo profissional do advogado.”[2]

 

Delimitado que está o que se entende por arquivo profissional do advogado, é clarividente que o mandatário tem estatuariamente definida uma obrigação de restituição de documentação do cliente – com as ressalvas constantes do artigo acima transcrito – sem que, contudo, se possa concluir pelo prazo de guarda da mesma, ou de outra que tenha tido acesso ou tenha sido por aquele produzida no exercício do mandato conferido.

Como referido no Parecer n.º 23/PP/2012-G[3] do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de 12 de Dezembro – que também trata a questão aqui em apreço -  “ E como constatamos, o Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.) nada nos diz a tal respeito. Há assim a necessidade de procurar resposta noutras disposições legais.”

Apoia-se, o mencionado parecer, em diversas normas de diferentes diplomas, que abaixo também transcrevemos (ou actualizamos!), para concluir que o prazo geral de guarda do arquivo profissional do advogado é de 10 anos, sem prejuízo de documentação especifica em que deva ser superior.

 

Será que este entendimento se mantém actual?

 

Ora, percorrendo o caminho que foi trilhado pelo Parecer a que acima aludimos, concluímos que:

 

a)      O Código Comercial, no seu art. 40º (“Obrigação de arquivar a correspondência, a escrituração mercantil e os documentos”) estabelece, para a guarda de arquivo da escrituração mercantil, que

1-     Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos.

2-     Os documentos referidos no número anterior podem ser arquivados com recurso a meios eletrónicos.

 

b)      O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que à data do referido parecer definia expressamente, no art. 118º[4], um prazo de 10 anos para o arquivo de livros e outros documentos, tem actualmente a seguinte redação:

Sem prejuízo das obrigações previstas no presente Código, os sujeitos passivos titulares de rendimentos da categoria B estão sujeitos às obrigações de faturação, de emissão de recibo e de arquivo nos termos previstos no Código do IVA e no Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro[5].

 

Apesar da alteração do teor do artigo 118º do CIRS, o certo é que é também o prazo de 10 anos que é indicado no art. 52º do Código do IVA para onde aquele remete, que sob a epigrafe “Prazo de arquivo e conservação de livros, registos e documentos de suporte” estabelece que

 

       1 - Os sujeitos passivos são obrigados a arquivar e conservar em boa ordem durante os 10 anos civis subsequentes todos os livros, registos e respectivos documentos de suporte, incluindo, quando a contabilidade é estabelecida por meios informáticos, os relativos à análise, programação e execução dos tratamentos.

       2 - Para os registos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 50.º e no artigo 51.º e documentos anexos, o prazo de 10 anos referido no número anterior deve ser contado a partir da data em que for efectuada a última das regularizações previstas nos artigos 24.º e 25.º

       3 - A regulamentação do arquivo dos livros, registos e documentos de suporte consta de legislação especial.

 

Também o Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro estabelece, no seu art. 19º, que “1 - Os sujeitos passivos são obrigados a arquivar e conservar em boa ordem todos os livros, registos e respetivos documentos de suporte por um prazo de 10 anos, se outro prazo não resultar de disposição especial, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 - Sempre que os sujeitos passivos exerçam direito cujo prazo é superior ao referido no número anterior, a obrigação de arquivo e conservação de todos os livros, registos e respetivos documentos de suporte mantém-se até ao termo do prazo de caducidade relativo à liquidação dos impostos correspondentes.(…)”

 

c)      O Código do IRC, que antes estabelecia um prazo de 10 anos para a conservação de livros e registos contabilísticos,[6] foi também alterado, pelo que será também de aplicar Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro,[7] acima referido, para concluir pela obrigação de arquivar e conservar em boa ordem todos os livros, registos e respetivos documentos de suporte por um prazo de 10 anos, se outro prazo não resultar de disposição especial, incluindo, quando a contabilidade é estabelecida por meios informáticos, os relativos à análise, programação e execução dos tratamentos. Existe apenas a excepção para os anos de 2014 a 2018, cujo prazo de arquivo foi fixado em 12 anos nos termos da Lei nº 2/2014 de 16 de Janeiro.

 

d)      A Lei nº11/2004, de 27 de Março, que consta do Parecer que seguimos de perto, foi revogada pela Lei 25/2008 de 05 de Junho (Lei do combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao terrorismo), e esta pela Lei nº 83/2017 de 18 de Agosto, regendo actualmente sobre o tema o art. 51º que, com a epigrafe  

e)“Dever de conservação” refere que:

1 - As entidades obrigadas conservam, por um período de sete anos após o momento em que a identificação do cliente se processou ou, no caso das relações de negócio, após o termo das mesmas:

a)      As cópias, registos ou dados eletrónicos extraídos de todos os documentos que obtenham ou lhes sejam disponibilizados pelos seus clientes ou quaisquer outras pessoas, no âmbito dos procedimentos de identificação e diligência previstos na presente lei;

b) A documentação integrante dos processos ou ficheiros relativos aos clientes e às suas contas, incluindo a correspondência comercial enviada;

c) Quaisquer documentos, registos e análises, de foro interno ou externo, que formalizem o cumprimento do disposto na presente lei.

2 - Os originais, cópias, referências ou quaisquer outros suportes duradouros, com idêntica força probatória, dos documentos comprovativos e dos registos das operações são sempre conservados, de modo a permitir a reconstituição das operações, durante um período de sete anos a contar da sua execução, ainda que, no caso de se inserirem numa relação de negócio, esta última já tenha terminado.

3 - Para o cumprimento do disposto nos números anteriores, os elementos aí referidos são:

a) Conservados em suporte duradouro, com preferência pelos meios de suporte eletrónicos;
b) Arquivados em condições que permitam a sua adequada conservação e fácil localização, bem como o imediato acesso aos mesmos, sempre que solicitados pela Unidade de Informação Financeira e pelas autoridades judiciárias, policiais, setoriais e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

4 - O disposto no presente artigo não prejudica nem é prejudicado por outras obrigações de conservação que não decorram da presente lei, designadamente em matéria de meios de prova aplicáveis a investigações e inquéritos criminais ou a processos judiciais e administrativos pendentes.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os elementos de informação comunicados ao abrigo do artigo 81.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, são conservados pelas entidades financeiras, para os efeitos da presente lei, por um período de sete anos após o termo da relação de negócio com os intervenientes da conta ou, sendo o caso, com o locatário de cofre dissociado de conta.”

 

 

f)       A Portaria 621/08 de 18 de Julho (que regulamentava as diversas medidas de simplificação, desmaterialização e desformatização de actos e processos na área do registo predial), por sua vez, foi também alterada Portaria n.º 621/2008, de 18 de Julho, que revogou o art. 6º[8], sendo que este não definia qualquer prazo para a guarda da documentação.

 

Contudo, e com respeito à matéria de registos, vigoram outros diplomas, nomeadamente a Portaria n.º 1535/2008, de 30 de Dezembro[9] (depósito eletrónico de documentos Particulares Autenticados) e a Portaria 99/2008 de 31 de Janeiro (Promoção Online de Actos de Registo de Veículos)[10],  sendo que apesar de estes diplomas estabelecerem a obrigação de arquivo dos originais dos documentos submetidos a registo, não estabelecem qualquer prazo para o efeito.

 

Diremos ainda que, após publicação das Portarias acima referidas, a Ordem dos Advogados não criou qualquer regulamento de Arquivo, ao contrário de outras ordens profissionais  como seja a Ordem dos Solicitadores e dos Agendes de Execução (OSAE) que através do Regulamento nº 328/2017 de 20 de Junho estabeleceu (art. 8º - Destino final, forma e prazo de destruição dos documentos arquivados), nomeadamente com respeito aos solicitadores, que “ Com exceção dos documentos referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º, que podem vir a ser entregues em arquivo público no prazo que vier a ser definido, os solicitadores podem proceder à destruição dos documentos em arquivo nos seguintes prazos:

a) Os documentos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 2 do artigo 7.º no prazo de 20 anos após a sua entrega;

b) Os restantes no prazo de cinco anos, se outro prazo mais lato não estiver previsto em disposição legal.” (bold nosso)[11]

 

O referido Regulamento (destinado a regulamentar apenas o arquivo de documentos cuja manutenção e arquivo é imposta por lei ou regulamento) terá a mais-valia de definir o prazo de manutenção em arquivo de um conjunto de documentação em posse dos solicitadores (e/ou entrega em arquivo público de termos de autenticação e respetivos documentos particulares bem como os que os instruam e que por disposição legal devam ficar arquivados), estabelecendo prazos de 20 anos e de 5 anos para o efeito, e ainda, a entrega de documentação em Arquivo público.

 

Revistos os diplomas legais que estiveram na base do Parecer 23/PP/2012 do CG, e atualizado os mesmos, entendemos ser também de referir que a Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto (Lei de Protecção de dados Pessoais) estabelece no artigo 21.º (Prazo de conservação de dados pessoais) que:

“ 1 - O prazo de conservação de dados pessoais é o que estiver fixado por norma legal ou regulamentar ou, na falta desta, o que se revele necessário para a prossecução da finalidade.

 2 - Quando, pela natureza e finalidade do tratamento, designadamente para fins de arquivo de interesse público, fins de investigação científica ou histórica ou fins estatísticos, não seja possível determinar antecipadamente o momento em que o mesmo deixa de ser necessário, é lícita a conservação dos dados pessoais, desde que sejam adotadas medidas técnicas e organizativas adequadas a garantir os direitos do titular dos dados, designadamente a informação da sua conservação.

3 - Quando os dados pessoais sejam necessários para o responsável pelo tratamento, ou o subcontratante, comprovar o cumprimento de obrigações contratuais ou de outra natureza, os mesmos podem ser conservados enquanto não decorrer o prazo de prescrição dos direitos correspetivos.
4 - Quando cesse a finalidade que motivou o tratamento, inicial ou posterior, de dados pessoais, o responsável pelo tratamento deve proceder à sua destruição ou anonimização.

5 - Nos casos em que existe um prazo de conservação de dados imposto por lei, só pode ser exercido o direito ao apagamento previsto no artigo 17.º do RGPD findo esse prazo.

6 - Os dados relativos a declarações contributivas para efeitos de aposentação ou reforma podem ser conservados sem limite de prazo, a fim de auxiliar o titular na reconstituição das carreiras contributivas, desde que sejam adotadas medidas técnicas e organizativas adequadas a garantir os direitos do titular dos dados.”

 

Este diploma, também aplicável aos advogados, apesar de não estabelecer qualquer prazo para o arquivo de documentos que contêm dados pessoais, permite-nos concluir que o prazo de conservação é aquele que estiver fixado por lei ou regulamento (que no caso em concreto e como já vimos não existe) ou que se afigure necessário para a prossecução da finalidade.

 

Aqui chegados, somos forçados a concluir que (inexistindo norma especifica sobre o assunto e em face do disposto nos diplomas que acima enumeramos e em concreto o art. 40º do Código Comercial) que o constante do referido Parecer do CG mantém efetiva actualidade, pelo que, para a generalidade da documentação entregue ao advogado e constante do seu arquivo o prazo de manutenção deste deverá ser o de 10 anos. Tal como referido pela ali Relatora “ Entendemos assim que o prazo de 10 anos, é perfeitamente justificável na actualidade, devido ao volume de negócios e ao dinamismo e ritmo impostos pela vida moderna, não se justificando, por tempo superior, a guarda dos arquivos dos advogados.    É certo que actualmente, o advogado moderno tem como sua aliada a tecnologia, existindo já um grande número de escritórios de advogados que têm os seus arquivos em suporte informático, o que lhes permite uma mais eficiente gestão da documentação e uma localização e disponibilização atempada, com uma maior libertação de espaços afectos ao arquivo. Mas temos de concluir que nem todos os escritórios possuem este tipo de arquivo, tornando-se por isso necessário definir um prazo de guarda para o mesmo.”

 

Contudo, tal prazo não será de considerar no caso de Documentos Particulares autenticados sujeitos a registo constantes do Arquivo Profissional do Advogado em que a lei expressamente obriga ao seu arquivo e conservação, ou outros em que a lei estabelece expressamente idêntica obrigação, caso em que não existe limite temporal para a sua conservação. Nessas situações o Advogado deverá manter o Arquivo de tais documentos de forma que, em caso de necessidade de cópias, certidões ou exibição de originais, tal seja possível, sem que essa possibilidade possa estar limitada a um prazo.

 

 

Por último, não poderemos deixar de referir ainda o seguinte:

 

Como ensina a jurisprudência superior “ A responsabilidade civilística dos Advogados perante os seus clientes (mandantes), na sequência do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato conferido, tem natureza contratual, nos termos do princípio geral consignado no artº. 798º, do Cód. Civil;”.[12]

 

Logo, “(…) o prazo de prescrição a considerar quanto aos eventuais direitos emergentes da violação dos deveres contratuais em causa é o prazo ordinário de vinte anos, previsto no art. 309º do CC, e não o prazo de três anos estabelecido no art. 498º do mesmo diploma para os casos de responsabilidade extracontratual.”[13] (sublinhado nosso).

 

Perante o exposto, e sem prejuízo do que acima se deixou dito, sufragamos entendimento que deverá sempre o advogado acautelar que o seu Arquivo profissional não contém informação ou documentação essencial para a sua defesa em sede de qualquer demanda judicial na qual seja colocado em crise o cumprimento do mandato por parte deste. É que a responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia perdura por 20 anos e, por isso, neste prazo, importa garantir a conservação de toda a informação (nomeadamente a constante de Arquivo) que possa ser suscetível de demonstrar o cabal e correto cumprimento do mandato.

 

 

*          *          *

 

 

III –

 

 

  1. Inexiste norma especifica no Estatuto do Ordem dos Advogados ou em qualquer Regulamento   que estabeleça o prazo em que o advogado deve manter e conservar o Arquivo profissional;

 

  1. Recorrendo, por analogia, a diversos diplomas legais que versam sobre a matéria de guarda e manutenção de documentação, nomeadamente ao art. 40º do Código Comercial, é de concluir que, para a generalidade da documentação entregue ao advogado e/ou constante do seu arquivo profissional, o prazo de conservação deverá ser, no mínimo, o de 10 anos.

 

  1. No caso de Documentos Particulares Autenticados sujeitos a registo constantes do Arquivo Profissional do Advogado em que a lei expressamente obriga ao seu arquivo e conservação, ou outros em que a legislação estabelece expressamente idêntico dever, o Advogado deve manter, sem limite temporal, a sua conservação e manutenção.

 

4.      Sem prejuízo do atrás referido, e considerando que a responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia perdura por 20 anos, deverá o Advogado, neste prazo e por cautela, garantir a conservação de toda a informação (nomeadamente a constante de Arquivo) que possa ser suscetível de demonstrar o cabal e correto cumprimento do mandato.

 

 

 

 

É este o nosso parecer

 



[1] . Art. 10º CC “ 1- Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”

[2] In Parecer de 1968, publicado na Revista da Ordem dos Advogados – Ano 30 (1970), pág. 240 – 248

[3] Disponível em www.oa.pt

[4] À data do referido Parecer o art. 118º do CIRS  tinha a seguinte redacção:“Centralização, arquivo e escrituração de livros” - 1-     Os sujeitos passivos são obrigados a centralizar a contabilidade dos livros referidos nos artigos anteriores no seu domicílio fiscal ou em estabelecimento estável ou instalação situados em território português, devendo neste último caso indicar, na declaração de início e na declaração de alterações, a sua localização. 2-   Os sujeitos passivos são obrigados a arquivar os livros da sua escrituração e os documentos com ela relacionados, devendo conservá-los em sua posse durante os 10 anos civis subsequentes.”

[5] Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro

[6] Em anterior redação o CIRC estabelecia, no Artº 123, que (“0brigações contabilísticas das empresas”

(…) 4- Os livros, registos contabilísticos e respectivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos.

[7] Diploma que procede à regulamentação das obrigações relativas ao processamento de faturas e outros documentos fiscalmente relevantes bem como das obrigações de conservação de livros, registos e respetivos documentos de suporte que recaem sobre os sujeitos passivos de IVA

[8]  Artigo que no seu número 6 estabelecia que  “ Os advogados, as câmaras de comércio e indústria, os notários e os solicitadores requerentes do registo por telecópia devem manter os originais do requerimento e dos documentos transmitidos.”,

[9]  Que estabelece “1- Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, compete às entidades autenticadoras que depositem documentos ao abrigo do disposto nos artigos anteriores arquivar os originais dos documentos depositados. 2-  As câmaras de comércio e indústria, a Câmara dos Solicitadores, a Ordem dos Advogados e a Ordem dos Notários podem criar sistemas de arquivo centralizados, mantidos por estas ou por entidades terceiras contratadas para o efeito, para os quais podem ser transferidos os originais dos documentos depositados, informando o IRN, I. P., por meios electrónicos da relação das câmaras de comércio e indústria, advogados, notários e solicitadores que utilizam esses sistemas.”

[10] Que no seu art. 4º estabelece “ Os advogados, os solicitadores e os notários que enviem documentos ao abrigo do disposto no artigo anterior ficam obrigados a arquivar os respectivos originais.”

[11] Dispõe o nº 2 do art. 7º que “ - Sem prejuízo do arquivo de cópias físicas ou digitais em processos individuais dos clientes, os solicitadores devem manter em arquivo físico autónomo, ordenado por ordem cronológica, os originais dos seguintes documentos:

a) Os termos de autenticação e respetivos documentos particulares bem como os que os instruam e que por disposição legal devam ficar arquivados;

b) Os autos de constatação;

c) Os documentos anexos aos autos de levantamento de Geopredial;

d) Os documentos depositados como originais e de que não exista cópia em arquivo público cuja guarda lhes tenha sido entregue;

e) Outros documentos originais que não tenham sido entregues pelo associado ao cliente ou outro interessado.”

 

[12] In Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-02-2021, disponível em www.dgsi.pt

[13] In Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16-02-2012, disponível em www.dgsi.pt

 

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