Consulta nº 3/2010
Requerentes: Dra. A e Dr. B
Questão
Os Senhores
advogados consulentes foram mandatados por uma sociedade sua cliente para
promoverem, na qualidade de instrutores, um processo disciplinar contra um
trabalhador.
Ao abrigo do
direito de defesa, o trabalhador arrolou como testemunhas os Senhores advogados
consulentes.
Os Senhores
advogados consulentes, na qualidade de instrutores do processo disciplinar,
indeferiram por despacho a sua própria audição, alegando sigilo profissional e
invocando como manifesta “a
incompatibilidade a que o advogado deponha como testemunha nos mesmos autos em
que é instrutor do processo disciplinar”.
Em sede de
procedimento, o Tribunal considerou nulo o processo disciplinar, invocando que,
ao caso, se aplicaria por analogia o disposto no nº 2 do artigo 39º do Código
de Processo Penal, pelo que o instrutor deveria ter declarado se conhecia ou
não os factos; conhecendo, ficaria impedido de prosseguir como instrutor;
desconhecendo, abster-se-ia de ser testemunha.
Perante esta posição,
pretendem os Senhores Advogados Consulentes que o Conselho Distrital se
pronuncie sobre as seguintes questões, que se transcrevem:
1. Os advogados, no exercício da sua profissão
liberal, enquanto instrutores de um processo disciplinar para o qual foram
mandatados por uma sua constituinte, sendo arrolados como testemunhas nesse
mesmo processo disciplinar no qual são instrutores, estão sujeitos ao
preceituado no nº 2 do artigo 39º do CPP ?
2. Ao dar cumprimento ao disposto no nº 2 do
artigo 39º do CPP – declararem se têm ou não conhecimento de factos que possam
influir na decisão da causa – não estarão os instrutores advogados a violar o
artigo 87º do EOA ?
3. Sendo uma inevitabilidade que o instrutor
advogado tenha sempre conhecimento dos factos, mormente, pelo que o seu cliente
o informa, tem algum sentido que, nos termos daquele citado nº 2 do artigo 39º
do CPP, o advogado seja forçado a “declarar sobre compromisso de honra” que
desconhece os factos, para assim poder continuar como instrutor do processo
disciplinar (o que seria bizarro!) ou, declarar que os conhece, e então ficar
impedido de prosseguir como instrutor do processo (e como tal ficar impedido de
exercer as funções para as quais foi mandatado pela sua constituinte) pois
passará então a testemunha, mas, neste caso, impendendo sobre ele as obrigações
do artigo 87º do EOA ?
Opinião
Convém desde já delimitar o âmbito da
consulta, pois este Conselho apenas tem competência para se pronunciar sobre
questões de carácter profissional (cfr. alínea f) do nº 1 do artigo 50º do EOA.
Nada impede, do ponto de vista
deontológico, que um empregador nomeie o seu advogado para instrutor de
processo disciplinar. Veja-se a este propósito, o Parecer 8-2006 do Conselho Distrital de
Coimbra, acessível em www.oa.pt .
Refere-se a certo passo deste Parecer, que subscrevemos:
“Entendemos que
nada obsta a que um advogado que exerce funções para um cliente possa
simultaneamente desempenhar as funções de instrutor de um processo disciplinar,
nomeado para tal pelo seu cliente que é o empregador.
Mais: sendo o
advogado do referido empregador, será porventura o instrutor mais bem
posicionado para melhor poder aconselhar o seu cliente, atentas as
circunstâncias referidas no nº 2 do artigo 396º do Código do Trabalho e,
concomitantemente, para melhor aquilatar, no caso em concreto, da probabilidade
séria de existência de justa causa para despedimento.”
Mas vamos mais longe.
Entendemos que o exercício das estritas
funções de instrutor de
um processo disciplinar de natureza laboral não constitui
acto próprio de advogado. O advogado que pratique actos de instrução num
processo disciplinar não está no exercício da profissão.
Existem várias funções e actividades que
são exercidas por advogados (por estarem porventura melhor preparados para as
exercer) sem que constituam actos próprios da profissão. Lembramo-nos da função
de Árbitro em tribunal arbitral, da actividade de mediação de
conflitos e, em particular, a da mediação familiar, bem como da
função de perito em
processo civil. Neste sentido já o Conselho Distrital de
Lisboa se pronunciou nos Pareceres 27/2008 e 35/2008 (in Pareceres do Conselho Distrital de
Lisboa, Triénio 2008-2010, Vol. I).
O mesmo se passa, em nossa opinião, no
caso em que um advogado é nomeado instrutor de um processo disciplinar. O
instrutor não está a exercer o mandato forense, nem a prestar consulta jurídica,
nem a praticar quaisquer actos de advocacia tal como definidos nos nºs 5 e 6 do
artigo 1º da Lei dos Actos Próprios (Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto).
Esta delimitação é essencial para âmbito
da presente consulta, porque os direitos, deveres e impedimentos aplicáveis a
um instrutor de processo disciplinar não se alteram ou devem ser interpretados
diferentemente pelo facto deste ser também advogado de profissão. Já o
contrário pode não acontecer, podendo dar-se o caso do advogado se encontrar em
situação de impedimento ou de conflito de interesses decorrente do exercício da
instrução disciplinar.
A questão de saber se a um instrutor de um
processo disciplinar, que seja também advogado de profissão, se aplica ou não
analogicamente o disposto no nº 2 do artigo 39º do CPP, não é uma questão de
âmbito profissional. É algo que diz exclusivamente a matéria de direito de
trabalho e não a matéria do âmbito deontológico.
Questão diferente é a de saber se um
instrutor de um processo disciplinar, que seja também advogado de profissão,
que declare para os efeitos do nº 2 do artigo 39º do CPP se tem ou não
conhecimento de determinados factos, viola ou não as regras de salvaguarda do
sigilo profissional a que está sujeito.
E entendemos que não.
Refere o preceito citado:
2 - Se o juiz tiver
sido oferecido como testemunha, declara, sob compromisso de honra, por despacho
nos autos, se tem conhecimento de factos que possam influir na decisão da
causa. Em caso afirmativo verifica-se o impedimento; em caso negativo deixa de
ser testemunha
Tem sido jurisprudência unânime deste
conselho que nem todos os factos que chegam ao seu conhecimento pelo exercício
da profissão estão sujeitos a sigilo. Veja-se a propósito o Parecer nº 42/2009
(in Pareceres do Conselho Distrital de Lisboa, Triénio 2008-2010, Vol. I).
A simples declaração de advogado – mesmo
que seja sob compromisso de honra – se tem ou não conhecimento de factos que
possam influir na decisão da causa não comporta em si a revelação desses
factos. Só a sua revelação estará eventualmente abrangida pelas regras do
artigo 87º do EOA.
Caso se aplique por analogia ao processo
disciplinar o disposto no nº 2 do artigo 39º do CPP – questão que, mais uma vez
referimos, este Parecer não aborda por não se tratar de questão profissional –
entendemos que o advogado poderá declarar sob compromisso de honra se tem ou não conhecimento de factos que possam influir na
decisão da causa, sem contudo os revelar. Tal declaração não viola o disposto
no artigo 87º do EOA.
Caso declare ter
conhecimento de factos e assuma o estatuto de testemunha, deverá o advogado -
já enquanto testemunha – verificar se tais factos se encontram ou não sujeitos
a sigilo, pois pode bem dar-se o caso de o não estarem. E se os considerar
sujeitos a sigilo, tais factos só poderão ser revelados nos termos do nº 4 do
artigo 87 do EOA, sem prejuízo do direito que lhe assiste em manter o segredo
(cfr. nº 7 do artigo 87 do EOA).
Em bom rigor, há
que aquilatar antes da aceitação da incumbência de instrutor num processo
disciplinar se os conhecimentos que já se detêm sobre a matéria a tratar não
constituem óbice à aceitação do encargo, mas essa é consideração que só pode
ser feita caso a caso e de acordo com as circunstâncias dos factos e o teor e
alcance dos conhecimentos de cada sujeito.
Conclusões:
1.
As funções de instrutor de um processo disciplinar de
natureza laboral não constituem acto próprio de advogado. O advogado que
pratique actos de instrução num processo disciplinar não está no exercício da
profissão.
2.
A questão de saber se a um instrutor de um processo
disciplinar, que seja também advogado de profissão, se aplica ou não
analogicamente o disposto no nº 2 do artigo 39º do CPP, não é uma questão de
âmbito profissional. É algo que diz exclusivamente a matéria de direito de
trabalho e não a matéria do âmbito deontológico.
3.
Questão diferente é a de saber se um instrutor de um processo
disciplinar, que seja também advogado de profissão, que declare para os efeitos
do nº 2 do artigo 39º do CPP se tem ou não conhecimento de determinados factos,
viola ou não as regras de salvaguarda do sigilo profissional a que está
sujeito.
4.
A simples declaração de advogado – mesmo que seja sob
compromisso de honra – se tem ou não conhecimento de factos que possam influir
na decisão da causa não comporta em si a revelação desses factos. Só a sua
revelação estará eventualmente abrangida pelas regras do artigo 87º do EOA.
5.
Caso declare ter conhecimento
de factos e assuma o estatuto de testemunha, deverá o advogado - já enquanto
testemunha – esclarecer se tais factos se encontram ou não sujeitos a sigilo,
pois os factos sujeitos a sigilo só poderão ser revelados nos termos do nº 4 do
artigo 87 do EOA, sem prejuízo do direito que lhe assiste em manter o segredo
(cfr. nº 7 do artigo 87 do EOA).
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2010
O Relator
Jaime Medeiros
Jaime Medeiros
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